Execução brutal
Neste ano, ao menos 66 PMs da ativa e 17 da reserva foram mortos no Estado.Entre os PMs que recebiam escolta de colegas estava o sargento Marcos Fukuhara, morto no domingo em Santos.Pouco antes, os policiais da escolta tinham deixado Fukuhara em casa e advertido para que ele não saísse. Mas o PM decidiu passear com seu cão. Acabou morto em frente ao buffet da mulher dele.“Ele se sentiu seguro e achou que nada fosse acontecer. Por isso, dispensou a escolta”, disse o comandante da PM na Baixada Santista, coronel Marcelo Prado.
Viúva de sargento fuzilado nega versão da PM e diz que marido não tinha escolta
Em meio à dor da recente perda do marido, a empresária Rosana Alves Gonçalves não se cala. Ela é viúva do sargento da Polícia Militar Marcelo Fukuhara, executado de forma brutal, com tiros de fuzil, na Ponta da Praia, em Santos. O crime aconteceu domingo, mas as ameaças contra o sargento já completavam um ano.
“Eu não gosto de mentira, de hipocrisia. Meu marido nunca teve escolta” desabafa Rosana, contrariando as declarações dos comandos das polícias Civil e Militar. A empresária, que estava há 11 anos casada com Fukuhara, descreve o policial, de 45 anos, como uma pessoa muito dedicada à família e correta na profissão. “Não aceitava o tráfico (de drogas), não aceitava suborno”. Rosana exige o esclarecimento do crime, a prisão dos autores e um trabalho mais digno aos policiais militares.
O seu marido vinha recebendo ameaças? Quais ameaças? Há mais de um ano. Falavam que ele era a bola da vez, que iriam matar o japonês da Força Tática, porque o japonês faz muito. Ele estava marcado para morrer e não é novidade para ninguém, nem para o comando, nem para os amigos ou a família. Era uma coisa marcada, só que ele era um policial sério, um homem valente.
Como essas ameaças chegavam ao conhecimento dele?
Chegavam pelas escutas (telefônicas) que a Polícia Civil tem, através de telefonemas anônimos para a Polícia Militar, e de pessoas decentes que moram também, infelizmente, nesses lugares (onde os criminosos estão). Pessoas que julgavam o meu marido, senão o melhor, um dos melhores. Inclusive, pessoas sérias, que ali moram, procuraram o quartel e pediram para o comandante deixar o policial que ia lá com a sua tropa e colocava sossego para as famílias e dava alguns dias de paz, se ele poderia ficar uma semana lá dentro. Eles acreditavam que meu marido poderia ajudá-los na comunidade.
Ele sabia quem eram os autores das ameaças?
Todo mundo desconfia; certeza ninguém tem. O acontecido no Morro Santa Maria (operação da Polícia Militar comandada pelo sargento em que três homens foram mortos em suposto confronto com os PMs) foi a gota d´água para matarem meu marido. Depois, teve uma reunião onde foi conversado sobre o acontecido, para ver se a operação foi feita da maneira correta, e chegou um envelope com uma gravação avisando que o Marcelo iria morrer. Naquele momento, a cabeça do meu marido valia R$ 50 mil. Depois aumentou para R$ 70 mil, R$ 80 mil e agora eu fiquei sabendo que pagaram R$ 500 mil pela cabeça dele. O que mais me dói é que eu ouvi ontem, pela TV Tribuna, depois que passou a minha reportagem, que meu marido tinha escolta. Meu marido nunca teve escolta, é mentira. Ele teve muitos amigos, policiais sérios e honestos, que se preocupavam com ele. Amigos que paravam (com as viaturas) na porta da minha empresa, o que causava, sim, constrangimento. Isso nunca me incomodou, porque eu respeito a farda, respeito a companhia. Só que essa mentira não dá para aceitar. Meu marido nunca foi escoltado.
Ele queria ter escolta?
Ninguém quer ter escolta. Você imagina ser um policial treinado, educado, que passa por uma doutrina, uma lavagem cerebral, porque amar tanto uma farda mais do que a própria vida é uma lavagem cerebral. Então, uma pessoa do porte do meu marido, se envergonha de pegar um celular, perguntar onde está fulano (outro policial, um amigo dele) e pedir para ele largar uma ocorrência e levá-lo para casa. Não é fácil, é vergonhoso. Eu, como mulher dele, falava que não ia sair se ele não chamasse algum colega. Então, por muitas vezes, chegamos a bater de frente por causa disso. Em compensação, existem pessoas que foram ameaçadas e tiveram escolta 24 horas, não precisavam ligar para ninguém. Isso é uma escolta. Se eu peço uma escolta para a Polícia Militar, ela tem que me escoltar, não tenho que pedir. Então, se eu saio de casa 6h, 5h50 tem que ter uma viatura esperando. Isso nunca aconteceu com o Fukuhara e eu quero que me mostre que havia isso. Então, senhores comandantes, vocês têm o meu respeito, mas falem sério. O Fukuhara nunca teve escolta, teve amigos que se preocuparam com a vida dele. É uma grande mentira e uma vergonha. Estão falando inverdades ou não sabem nem o que estão dizendo.
Ele imaginava que esses criminosos que o ameaçavam estariam tão bem armados, com fuzil?
Sabia, com certeza. A própria Polícia Militar sabe; todo mundo sabe disso. Se o senhor já subiu o morro, sabe que lá tem fuzil, metralhadora e droga. Se o nosso governo, nosso secretário da Segurança, chamar o Exército e colocar as polícias Civil e Militar lá, naquele morro, sai todo mundo (bandido) e só ficam as pessoas honestas. E por que não fazem isso? A fortaleza somos nós, a sociedade, não os criminosos. Quem manda agora em Santos são as milícias, é o tráfico? Vou ter que ir embora de Santos? Você terá que ir embora de Santos? Isso vai virar a Rocinha? Meu marido sabia, era um policial sério e bem informado. O que parece que o secretário da Segurança não é; deveria trocar toda a equipe dele. Eu acredito nele e confio nele, mas quero ele domingo na missa do meu marido. Eu quero o nosso governador, o nosso prefeito, para mostrar que eles são gente, que vão fazer alguma coisa pela sociedade. Afinal, para isso eles estão lá em cima.
Como era o marido Marcelo Fukuhara?
Um marido presente, uma pessoa muito feliz, muito alegre, uma pessoa que gostava de chegar em casa e juntar todo mundo na cozinha para fazer comida. Uma pessoa que chegava com um pote de sorvete quando eu estava na cama. Minha filha, que não é filha dele, vai se casar e queria que ele entrasse na igreja com ela. Meu filho tinha 5 anos quando ele me conheceu, tinha problemas de saúde e todos acabaram quando o Marcelo entrou na nossa vida. O Marcelo entrou na minha empresa para fazer bico e conquistou meus filhos. Uma pessoa carinhosa, afetuosa. Quando ele não estava na polícia, estava ao meu lado.
Ele chegou a mudar a rotina?
Mudou pelas ameaças. Se ele andava por uma rua, começou a ir por outra. Se fazíamos um trajeto para pegar meu filho na escola, começamos a fazer outro. A nossa rotina mudou faz muito tempo. Eu saía de casa todo dia em um horário, comecei a sair a cada dia uma hora diferente. Assim, mudou tudo. Ele sempre foi tranquilo, mas a rotina mudou muito. Deixamos muitas vezes de ir ao shopping, de sentar na praia para tomar uma água de coco.
Isso há mais de um ano, então. Não foi só depois daquela operação no morro?
Eu acredito que o caso do morro foi a gota d’água. A morte do meu marido foi decretada ali. Com a vasta experiência dele, ele não imaginava que ia entrar ali e dar de cara com aquele carregamento (de armas), porque ele jamais iria expor a vida dos companheiros. Todo mundo sabe que um rapaz (policial) tomou um tiro no colete. Morreram três bandidos, foram 57 quilos de maconha (apreendidos). Depois daquela operação, se o nome do meu marido estava em terceiro ou quarto (para morrer), passou para primeiro.
O que a senhora espera do Governo do Estado?
Espero que eles venham para Santos. Não só o Governo do Estado. Eu espero a dona Dilma (presidente), os ministros, todos que mandam nesse País. Espero que eles sejam gente. Eu confio neles, acredito neles. Acho que eles não podem se acovardar diante de uma situação dessas. Nós somos fortes e os bandidos fracos? Eles têm 20 fuzis? Um fuzil custa R$ 30 mil reais? O Brasil tem dinheiro, o governo tem dinheiro. Se o Estado não tem dinheiro, a população se junta para arrumar – o que é uma vergonha, porque a gente sabe que tem. Vamos limpar nossa Cidade. Vamos lá ‘seo’ Alckmin (governador), vamos lá ‘seo’ secretário da Segurança.
Ninguém procurou a senhora?
Ninguém. Quem foi ao quartel fui eu. Fui muito bem recebida, porque é impossível me receberem mal, mas na minha casa ninguém veio. Depois que a minha entrevista apareceu na Globo, o pessoal dos Direitos Humanos me ligou, dizendo que tenho direito à pensão e a não sei mais o que. Eles pensam que a vida é isso; vida para eles é dinheiro, mas para mim não.
O seu marido reclamava da falta de condições de trabalho?
É óbvio. Não só ele, mas toda a tropa. A viatura não tem HT (rádio comunicador). Meu marido tinha que usar um Nextel que é nosso, que minha empresa paga. Todos os policias viraram clientes Nextel, porque se não tiverem (o aparelho), eles levam esculacho. Você sai da polícia Militar às 19 horas. Se eles te ligarem 1 hora da manhã e o Nextel estiver desligado, é castigo. E se atender depois de meia hora, é berro. De quem é o Nextel? É do Estado? O Estado paga a conta? Foram comprados vários tablets para as viaturas. Cadê os tablets? Não tem. As viaturas estão quebradas, tem que pedir ajuda para os comerciantes. O quartel não é ruim, as pessoas não são ruins. Temos bons comandantes, bons capitães, excelentes tenentes. Os soldados e cabos são pessoas muito boas. Eu convivi com eles 11 anos da minha vida.
A senhora pretende fazer uma manifestação?
Não sei se é uma manifestação. Vou fazer a missa do Marcelo e pedi para todas as pessoas comparecerem de branco. Mandei fazer algumas camisetas, só isso. Eu peço que todos estejam na missa do Marcelo. Será domingo, às 17 horas, na Igreja Sagrado Coração de Jesus (Avenida Bartolomeu de Gusmão, 114, Ponta da Praia).Quero dizer mais uma coisa: têm muitas mulheres desesperadas pelos seus maridos, homens que não largam a farda, que querem proteger a população. Valorizem esses policiais, parem de humilhá-los, parem de forçá-los a trabalhar mais de 12 horas com menos de 6 de descanso. Respeitem esses policiais.