Osvaldo Negrini Neto: “Nunca vi algo tão desumano”, conta perito ao lembrar Massacre do Carandiru 29

01/10/201211h42

“Nunca vi algo tão desumano”, conta perito ao lembrar Massacre do Carandiru

Elaine Patricia Cruz
Da Agência Brasil, em São Paulo Sergio Andrade/Folhapress

Naquele 2 de outubro de 1992, uma sexta-feira, quando foi chamado para fazer a perícia no Pavilhão 9, na Casa de Detenção de São Paulo, mais conhecida como Carandiru, o perito Osvaldo Negrini Neto achou que se tratava de um evento de resistência seguida de morte, ou seja, que os detentos haviam morrido em decorrência de confronto com a Polícia Militar, mas logo mudou de ideia.

“Depois percebi que foi um massacre seguido de muitas mortes”, disse o ex-perito, em entrevista à “Agência Brasil”. Na época, contou, era perito de uma seção especial do Instituto de Criminalística de São Paulo que analisava exatamente os casos de resistência seguida de morte. Após o episódio, chegou a sofrer ameaças.

Vinte anos do massacre do Carandiru

O que o levou a classificar o episódio como um massacre estava, segundo ele, “escrito nas paredes” do Pavilhão 9. “Todas as celas que eu examinei tinham muito poucos tiros nos corredores. No corredor, eu contava dois ou três buracos de balas. Mais de 90% dos tiros estavam dentro das celas. E sempre da porta para o fundo, ou seja, impossível que tenha sido algum tiro dado pelos presos em direção aos policiais militares. E, realmente, não tinha nenhum policial ferido por balas.”

Negrini Neto foi o autor do principal laudo sobre a morte dos presos no Carandiru. Aposentado desde 2010, ele conversou com a Agência Brasil por telefone.

“Colhi material das paredes e vi que, em muitos casos, não era bala de revólver, mas de metralhadora. Os tiros seguiam uma sequência quase na mesma linha. Uma pistola e um revólver não fazem isso. Colhi material daquilo para saber se tinha cobre presente no buraco, porque o cobre caracteriza que a bala é encamisada, ou enjaquetada [revestida com metal, a exemplo de cobre, para aumentar a penetração no alvo], como a de metralhadora.”

O perito descreve a situação de um dos andares mais atingidos: “No terceiro, a coisa estava bárbara. Na primeira cela em que entrei, tinha mais de 20 buracos de bala. Na outra, 15, na outra, dez. Fui contando e havia mais de 450 buracos de bala na parede. Em alguns, tinha [marca] no chão como se tivesse matado gente que estivesse sentada ou ajoelhada”, descreveu.

Negrini Neto só conseguiu entrar na Casa de Detenção por volta das 21h30 daquele dia. “Tive que entrar escondido, junto com meu fotógrafo, na viatura do delegado, abaixados no banco de trás, porque a Polícia Militar tinha dado ordem de que não queria perícia lá dentro”, relatou.

Quando finalmente chegaram ao Pavilhão 9, o prédio encontrava-se interditado. “Tinha havido um incêndio no térreo”, contou. Ele pediu então ao oficial que estava tomando conta do local para poder entrar no pavilhão e fazer as fotos e um relato sobre o que ocorreu. “Depois de muito relutar, ele permitiu que entrássemos no pátio ou térreo. Ali tinha barbearia, lavanderia, cozinha, dependências de convivência entre os presos e a parte de administração do Pavilhão 9, onde estavam todos os arquivos dos presos dali”. Como houve o incêndio, a energia elétrica foi cortada e o trabalho precisou ser feito todo com lanternas, até que a polícia fornecesse alguns holofotes.

No local, os policiais lhe contaram que uma TV explodiu perto de onde se encontrava o então comandante da Polícia Militar, o coronel Ubiratan Guimarães, que precisou deixar o local para ser atendido.

“Fiz [registro de] toda essa parte de baixo, analisei o incêndio, e vi, pela escada do canto que subia para o primeiro pavimento, uma gosma escura descendo que parecia óleo queimado. Uma cachoeirinha. Achei meio intrigante aquele fenômeno ali e fui mais perto para olhar. Como já tinha bastante experiência nisso, vi que era sangue misturado com uma série de outras sujidades”, contou.

Com a ajuda dos holofotes, ele subiu então para o primeiro pavimento. “Quando cheguei à borda do primeiro pavimento, vi uma cena dantesca, algo que nunca tinha visto na minha vida. Um monte de cadáveres empilhados, um por cima do outro, todos completamente destroçados, com buracos de balas aos montes”, disse.

Foi então que ele começou a contar os cadáveres que estavam empilhados. “Só havia um espaço para pisar no Pavilhão 9, entre a parede e a primeira pilha de cadáveres, e que não chegava a 40 centímetros. Fomos indo por aquela borda, até onde os holofotes conseguiram chegar, e eu pude contar 90 cadáveres. Contei errado naquele dia. Na realidade, eram 89”, falou.

Depois disso, teve início o trabalho de retirada dos corpos. “Para isso, eles precisaram encostar quatro ou cinco caminhões-baú do presídio e os próprios presos foram obrigados a pegar os cadáveres, um por um, no primeiro pavimento, e trazer, de dois em dois, para botar no caminhão. Aí, vi que todos os presos estavam completamente nus”, descreveu.

Segundo o ex-perito, os sobreviventes do Pavilhão 9, que eram mais de 1,8 mil na época, estavam todos sentados no pátio, nus, ajoelhados, cercados por policiais. “Nunca vi algo tão desumano na minha vida”, disse o perito. Os corpos precisaram ser levados para vários institutos médico-legais de São Paulo e da região metropolitana.

No sábado, começaram os telefonemas à sua casa, com ameaças. “Na época, felizmente não tinha celular. Eles diziam: ‘Olha, vê lá o que você vai escrever’. Foram [telefonemas] de colegas, delegados, mas ninguém sabia ainda exatamente o que tinha acontecido na Casa de Detenção, sabiam que tinha morrido muita gente, mas ninguém sabia quantos tinham morrido”, lembrou. As ameaças, segundo ele, terminaram quando o laudo foi finalmente divulgado, nos primeiros dias de novembro daquele mesmo ano.

“No domingo [logo após o massacre], seria dia de eleição [municipal] e havia uma necessidade enorme de não se divulgar nada, pelo menos até lá. E, de fato, só foi divulgado que o número de mortos era maior que 90 no final da tarde, quando se fecharam as eleições”, disse ele.

Um Comentário

  1. EU TAMBÉM ” NUNCA VI ALGO TÃO DESUMANO ” COM AS FAMÍLIAS DAS VITIMAS, ISTO É, ” VITIMAS DE FATO ” . A QUE PONTO CHEGAMOS…SÓ FALTA O ” IC ” CRIAR UM MEMORIAL…..FAZ FAVOR…..

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  2. Pois é.
    E lamentavelmente, hoje a barbárie é aqui fora.
    Contra cidadãos, policiais, algumas vezes contra políticos ou seus entes.
    Ah! Na época ainda não havia o GOE, né?
    Pergunta para os detentos em DPs como era a ação do GOE nos DPs e pergunta qual a diferença entre PC e PM?

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  3. Na Moral!

    Deveria amanhã, alguns policiais aloprados e desacreditados do sistema.. jogar uma pequena bomba de uns 5 Kg de TNT na hora do BANHO DE SOL desses filhos da p…

    Já que a merda desse governador nao faz nada, acho que tá na hora de declarar GUERRA e começar a contar baixas do outro lado tb.

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  4. DATA VENIA

    EU TAMBÉM NUNCA VÍ ATO TÃO DESUMANO

    COMO O RESULTADO FINAL DE UM LATROCÍNIO !!!!???

    QUEM PRECISA DE UMA “COLEGA DESTES ” ???

    O SILÊNCIO VALE OURO . . .

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  5. tem gente que perde a oportunidade de ficar calado, mas prefere jogar mais m… no ventilador.

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  6. Oficialmente foram 111 mortos mas na verdade foram mais de 300. Para mim os autores deveriam ser todos condenados. E os que defendem esse massacre fica o alerta, não é raro Policial que faz cagada, e é expulso da corporação, cair no mundo do crime. Conheco varios exemplos de ex-policiais que são presos. Pense que um dia pode ser voce que estara lá.

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  7. LEGAL……E OS PMS E CHARLIES ASSASSINADOS ESTE ANO…O SR TB JÁ VIU ISSO E ACHA DESUMANO?????

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  8. se a policia civil não estivesse essa bosta que esta, todos os executores de policiais, poderiam estar presos, e ai acabaria com essa coisa pois o sujeito saberia que seira preso.

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  9. 90, 111 ou mais 300, eu acho que mataram poucos, num pavilhão com 1800 criminosos a PM deveria ter matado pelo menos 900. O bom mesmo era que tivesse matado todos.

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  10. Eu não entendo a postura desse site, é muito bom, nós conseguimos unir os profissionais da área, mas de vez em quando dá dessas de fazer post dos “malas”… vai fazer homenagem no inferno!!!

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  11. Massacre pra mim, é o que esses Fazem aqui fora, com o Cidadão De Bem!

    Já repararam que no Brasil não Há “Super Heróis” nem de ficcão!?

    Porque aqui ninguém gosta de Justiça…
    O fora da Lei é mais interesante.
    O Herói não é bem vindo,
    é muito cafona, só sabe ajudar as Pessoas…

    Bandidos são ovacionados em Filmes.
    A Midia Brasileira ama transformar BandidO em coitado,
    “mocinho de Cinema”

    não dou a Minima…
    Lutei muito nessa vida, jamais Roubei,
    jamais fiz mal para um inocente.

    Estudei, namorei muito.
    Nunca fiquei trancado como animal…
    Porque não sou otario!
    Tenho minha postura, e minhas Vaidades.
    Enqunto Muito pagam de “Laaadrão” dormindo amuntuado.
    Eu Durmo numa Cama quentinha…
    Quase Sempre com uma Mulher Linda ao meu Lado.

    Eai!?!?

    Nem Ligo…
    Na vida quem procura acha.

    E eu achei!!

    Ficar livre, e não desejar oque não é meu.

    Na Boa…
    Todo CASTIGO PRA MALA É POUCO.

    E sobre Esse perito…ou que porra ele Seja.
    Peço a lei pra pegar o “gordo”
    salário dele, e ir visitar paises aonde exitem OU existiram realmente MASSACRES.

    Huanda
    Serra leoa
    República do Congo
    Libia
    Sudão
    Iraque
    Siria
    *Leste da Africa
    *Sudeste do Cairo
    Senegal
    China

    entre outros Lugares.

    Lá sim Existiu e ainda exite
    MASSACRE!!

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  12. PAU NO CU DOS 111………….
    PAU NO CU DA PM ……….
    PAU NO CU DESSE PERITO MORFÉTICO ……………

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  13. Que me desculpe o perito do texto, mas a minha opinião é a de que são esses textos defendendo uma polícia “arregona”, do tipo daquela que corre pra não enfrentar os marginais, do tipo da que leva um tapa na cara e pede “por favor não me bata mais!”, do tipo da que implora chorando para que o marginal não lhe mate, como se o policial não pudesse, e nem tivesse o DEVER de REAGIR, e se defender da agressão injusta, que formaram esse conceito que a sociedade de hoje acatou; que é a de que os policiais são corruptos, são truculentos e torturadores.
    Polícia é o braço armado da população, e os seus integrantes portam armas letais, justamente, pela necessidade de IMPOR AS NORMAS, pois dentro de qualquer sociedade, sempre terão pessoas que se revoltarão contra os bons costumes, partindo para o ataque contra aqueles que querem viver com cidadania e com respeito pelos demais, e aí é que entra a figura do policial.
    O policial não pode ser covarde, dessa forma, REPELIR a agressão dos marginais, seja usando sua arma ou força física, é ato legítimo, legal, senão, não haveria de existir mais a figura do POLICIAL, pois se a sociedade quer colocar um cidadão “arregão” pra lhe defender contra os malfeitores; os quais não medem as consequências, já foi desvirtuado a razão pela qual existem as corporações policiais.
    A policia americana é assim; age IMPONDO AS NORMAS de maneira DIRETA, sem desvios por conceitos corrompidos sobre o que é, e como se deve combater a violência.
    A sociedade brasileira se perdeu nesses falsos conceitos de que as suas polícias devem agir de forma a demonstrar MEDO, PÂNICO em enfrentar os seus opressores; o que acabou criando essa instigação aos marginais em agirem sem temor.
    Enfim, polícia é para IMPOR, e não para IMPLORAR para que alguém siga as normas. E se num futuro a sociedade entender que suas polícias NÃO PODEM MAIS IMPOR, então deixaremos de existir num Estado de direito, passando a viver num Estado Anárquico. E daí senhores, se o marginal entender que deve adentrar à sua residência, estuprar e matar, ele assim o fará livremente.
    Atentem-se sociedade brasileira!

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  14. meus amigos, essa historia do carandiru, nunca chegou ao publico da maneira real como os fatos aconteceram. Tive a oportunidade de conversar com 3 ex detentos em epocas diferentes, que la estiveram no dia dos fatos e todos foram unanimes em afirmarem que quando a PM entrou nos pavilh’oes, j[a havia muitos presos mortos e se a PM n’ao tomassem aquela atitude, tambem n’ao conseguiriam abafar a rebeliao.,. Segundo eles, antes da entrada da PM, os presos estavam tomados de uma furia insana, um matando o outro de uma maneira incontrolavel, era briga de gangues Eles conseguiram sobreviver, porque se sujaram com o sangue de outros presos ao seus lado e fingiram se de mortos. Quando a PM entrou, eles ainda se fingindo de mortos se ocultaram sob os corpos de outros presos ja mortos. Apesar de se salvarem, n’ao puderam observar a acao da policia. Segundo eles ainda, a policia n’ao tinha outra alternativa, pois os rebelados estavam todos armados, pois antes do confronto, todos eles se prepararam fazendo estiletes, escondendo barra de ferros e at[e arma de fogo eles tinham. Esses mesmo, estranham que so divulgaram o numero de mortos pela PM e os outros que foram executados pelos companheiros antes da entrada da PM, e segundo eles n’ao foram poucos.
    Eis ai meus amigos uma pequena parte dessa longa historia.

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  15. pois é GRILO FALANTE , conversei com alguns dos pms na época, some isso a fumaça do incêndio provocado pelo fogo em colchões onde a visibilidade era zero + gritaria ” vamu pa cima dos gambé, ceis vai morre !” + todos armados de facas, estiletes e alguns até com armas de fogo + sangue pra todo lado = RETRATO DO INFERNO.
    Fácil fazer esse laudo depois que isso tudo passou e o local esta controlado, você pode retratar o que encontrou , mas não o que se passou ali.

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  16. Quando leio essas coisas fico assustado, policial no Brasil não presta mesmo, vejam só:

    Ficar de boca calada é mérito! (que eu saiba isso é cumplicidade, e cúmplice é tão culpado quanto o autor!)

    Matar, se for bandido é atitude de “herói” (mas quem são eles para julgar quem vive e quem morre? será que são mais capacitados que outros humanos? E seus “parceiros” que ele viram matar e cometer outros crimes, nesse caso não merece morrer também?)

    No Brasil ninguém liga para “herói”! (Acontece que no Brasil é muito difícil achar um herói! Um idiota armado está muito longe disso, e se atira em pessoas desarmadas é o OPOSTO disso!!!)

    Enfim, não sei como “especialistas” não entendem por que o povo prefere os bandidos aos policiais, os dois só fodem, mas pelo menos os bandidos são muitas vezes mais humanos! Por exemplo, quando o crime organizado ataca São Paulo só mata policia, quando a policia revida, morre quem estiver por perto! Pobre Brasil!!!

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  17. Só acho que não poderá ter sobrado minque!!! Falta munição? Só por isto não dou nota 10.

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  18. Dos tempos da máquina de escrever….

    Nos tempos, ainda, da máquina de escrever….

    FUI uma duas ou três até a Casa de Detenção para ouvir “presos”…

    Quem não se lembra da Divinéia….????

    Aquilo “Era outro Mundo…”, era uma “cidade de presos, dentro da Cidade”….. (criação do Jânio Quadros)…

    A Detenção sempre foi um barril de pólvora (o maior de todos) pronto para explodir……
    (principalmente pela omissão do Estado)

    Quem teve a oportunidade de “ver” a Detenção de perto como vi, ainda que poucas vezes, não imagina que era aquilo….
    Como disse, era um “outro mundo separado por muros altos do nosso mundinho…”.

    Deu no que deu…. (não vou criticar nem um lado nem o outro).

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