08/11/2012 13:15
Polícia apreende 1 caça-níquel a cada 3 horas
Parceria entre Ministério Público e Polícia Civil mapeou quem está por trás do jogo ilegal em SP
thaís nunes thais.nunes@diariosp.com.br
Matheus* chegou a perder um carro quando era viciado em maquininhas Ministério Público e Polícia Civil protagonizam uma ação inédita no combate ao jogo de azar na capital paulista. Em 18 meses de trabalho, mais de quatro mil máquinas caça-níqueis foram apreendidas. Em média, uma a cada três horas. O próximo passo da força-tarefa é a prisão dos principais maquineiros e bingueiros da cidade.
O foco da investigação são as grandes casas de videobingo, que, apesar da proibição estabelecida por lei, continuam em funcionamento. A estimativa da polícia é de pelo menos 550 cassinos ativos na capital. O GOE (Grupo de Operações Especiais) é responsável por checar as denúncias recebidas pela Polícia Civil, Ouvidoria das polícias e Ministério Público. Segundo o delegado Ricardo Petisco, supervisor do grupo, a região que mais concentra casas de jogo ilegal é a área nobre da Zona Oeste. “São locais em que o jogador não gasta nada para beber ou comer, com garçons e seguranças”, diz.
Outro chamariz dos cassinos é a oferta de grandes quantias de dinheiro e eletroeletrônicos como prêmios. Os frequentadores, em geral, são mulheres com mais de 50 anos. A Corregedoria da Polícia Civil é o braço-forte no combate a esse tipo de crime. A polícia admite que a máfia do jogo de azar é mantida graças à conivência de agentes públicos. Todas as denúncias recebidas pelo órgão corregedor são compartilhadas com o Ministério Público.
A promotora do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) Beatriz Lopes de Oliveira diz que os proprietários de bingos são pessoas com elevado poder aquisitivo e circulam livremente na alta sociedade.
“Eles não se sentem intimidados porque o jogo de azar é uma contravenção penal. Com esse trabalho específico, identificamos outras atividades criminosas ligadas a esses grupos. O jogo é o pano de fundo para delitos mais graves”, afirma a promotora.
Depoimento: Matheus*_aposentado, 58 ‘O jogo compulsivo é uma doença sem chance de cura’
Meu último contato com o jogo foi há dez anos, mas não posso me enganar: sou doente. Aliás, o jogo compulsivo é uma doença emocional sem chance de cura. A abstinência tem de passar por manutenção diária porque jogador está sempre a um passo de voltar para o vício.
O meu prazer em jogar vem de longa data. Quando criança, participava do bingo na casa de familiares. Na adolescência, não saía da mesa de bilhar e então veio o carteado, já com apostas envolvendo altas quantias de dinheiro. Passei 30 horas jogando cacheta em um final de semana de folga. Desligava o celular para não dar satisfação de onde estava. Do baralho para as máquinas caça-níqueis foi um pulo.
Fiz empréstimos em sete instituições financeiras diferentes, estourei o limite do cheque especial em três bancos e tive de vender o carro. A situação ficou insustentável e tive de explicar para minha mulher que nossa crise financeira era consequência do vício. Ainda assim, ela não sonha até onde cheguei pelo prazer de jogar. Porque o jogo é isso: não é por dinheiro, é pela satisfação de estar lá. Mesmo que a máquina pague o prêmio, a oportunidade de lucrar torna-se pequena diante do prazer. Uma década depois, ainda tenho dívidas impagáveis para os R$ 3 mil recebidos por mês como aposentado.
A solução foi entrar de cabeça no Jogadores Anônimos, onde faço parte do comitê responsável pela administração do projeto. Atendemos pessoas desesperadas, que perderam família, carro e estão nas mãos de agiotas. Com a proibição do jogo, a demanda diminiu, mas o aumento de casas clandestinas fez com que mais viciados nos procurassem. Prefiro não opinar sobre a liberação dos jogos. É importante lembrar que a tentação está em vários lugares. Hoje fui à lotérica e ofereceram uma cartela da loteria. A essência do jogo é a mesma, não é?
SERVIÇO
Jogadores Anônimos É uma organização sem fins lucrativos para atendimento de jogadores compulsivos. Para saber mais sobre o projeto, acesse o site www.jogadoresanonimos.org.br
PMs integravam esquema em Itapevi
Investigação do Ministério Público de Itapevi, na Grande São Paulo, desvendou o esquema de controle do jogo ilegal comandado pelo maquineiro Gilson Sobral de Oliveira. Três policiais militares foram presos sob suspeita de tentativa de execução de um GCM a mando de Gilson.
Grampos telefônicos revelaram que Gilson comandava casas de jogos em Itapevi, Jandira, Barueri e Santana do Parnaíba. Monitoramento dos telefones do bicheiro também permitiu à investigação descobrir a ligação entre Gilson e outros PMs da região. Segundo a promotora Sandra Reimberg, uma das responsáveis pelo caso, há indícios do envolvimento de policiais na tentativa de homicídio a uma outra guarda-municipal neste ano e em outras duas mortes.
Além dos mandados de prisão, o Ministério Público e a Polícia Civil cumpriram mandados de busca e apreensão em três das quatro cidades onde Gilson atuava em setembro deste ano. Foram encontrados diversos documentos que comprovam a ligação dele com o jogo ilegal. Ainda não foi possível estabelecer quanto o maquineiro lucrava por mês. Há documentos que indicam suposto envolvimento com lavagem de dinheiro. A quantia sonegada era enviada para contas de Gilson e do filho na Flórida, Estados Unidos.

