Tensão entre a propaganda e a realidade na crise do governo paulista com as polícias estaduais 18

Tensão entre a propaganda e a realidade na crise do governo paulista com as polícias estaduais

REDAÇÃO – ESTADÃO

08 de novembro de 2019 | 09h26

Rafael Alcadipani, é professor Adjunto da EAESP-FGV, External Fellow no Cardiff Crime & Security Research Institute – Cardiff University e associado pleno ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O governo do Estado de São Paulo conseguiu um feito para poucos na gestão pública: em um cenário de escassez orçamentária e de crise econômica, foi capaz de fornecer um aumento de 5% para policiais e agentes penitenciários, ao custo de 1,5 bilhões ao erário público, e ao invés de colher os louros deste aumento na categoria gerou uma grande revolta. Para entender o que está acontecendo é necessário pensarmos a lógica que perpassa a atual política de segurança pública do Estado.

A despeito da pujança econômica de São Paulo, os policiais e agentes penitenciários possuem salários e condições de trabalho muito aquém do que era de se esperar. Há muitos anos os salários dos trabalhadores da área de segurança pública não recebem sequer a reposição da inflação. Há uma crônica falta de reposição de efetivos que faz com que policiais tenham que atender a uma maior demanda com menores recursos humanos e materiais. Não é incomum que policiais do Estado paguem do seu próprio bolso o conserto de viaturas, ou consigam algum comerciante que arque com o reparo. Os processos de trabalho ainda são extremamente burocráticos e pouco atualizados. Os sistemas de informação são pouco integrados. Há um número inaceitável de suicídios de policiais.

Durante as eleições, o atual governador lançou algumas grandes ideais para a segurança pública do Estado: a criação de BAEPs, batalhões policiais padrão ROTA, o aumento do número de delegacias da mulher (DDM) e a privatização de presídios. Nunca foi apresentada a sociedade nenhum estudo que mostrasse os dados, os fundamentos e as análises que justificam estas ações para a Segurança Pública do Estado.

Na prática, BAEPs estão sendo criados e planejados para áreas do Estado que não possuem a necessidade deste tipo de programa de policiamento, tanto porque não possuem alto grau de violência quanto porque os BAEPs precisam de recursos humanos que na realidade não estão disponíveis na PM. Com isso, estão sendo realocados policiais para compor este tipo de programa de policiamento deixando áreas mais sensíveis e necessárias como as rádio patrulhas desguarnecidas. BAEPs ainda concorrem com um programa de policiamento que existe e dá resultados: as Forças Táticas, estruturas muito mais enxutas.

As DDMs estão causando o mesmo impacto: elas consomem recursos de uma polícia que está com um número muito alto de claros de pessoal. A violência contra a mulher é um grave problema no Estado, mas isso não se resolve com a criação e abertura de DDMs, pois na prática muitas não possuem demanda que justifique a sua abertura 24 hs. Há formas mais inteligentes e racionais de lidar com a questão da violência contra a mulher, como a criação de equipes volantes especializadas no atendimento deste tipo de crime. As privatizações dos presídios, tema polêmico e que está longe de ser simples como apresentado pelo governador, tem encontrado resistências no Poder Judiciário e do Tribunal de Contas do Estado. Na prática, as promessas de campanha do governo estão mais fundamentadas em achismos do que em estudos técnicos aprofundados ao mesmo tempo que estão colocando mais pressão nos escassos recursos das polícias de São Paulo. As consequências ao longo prazo das práticas dos programas do atual governo é as polícias utilizarem mais recursos de todos os tipos para gerar um resultado menor.

Além disso, o governador, por diversas vezes, disse que faria da polícia de São Paulo uma das mais bem pagas do país. Mas, ofereceu um reajuste de 5% sem mostrar uma proposta clara e estruturada a respeito de como chegará ao objetivo de pagar aos policiais um salário maior. A sensação, mais uma vez, é de que faltam ações concretas e que a imagem vale mais do que a essência. Há em São Paulo uma redução importante de boa parte dos indicadores criminais. Porém, o mesmo tem acontecido em diversas unidades da federação. Como possuímos raros estudos com rigor científico que mostre o que está causando a redução dos indicadores, não é possível dizer ao certo quais fatores estão realmente gerando a redução dos crimes. Não há dúvida que o trabalho da polícia tem ajudado nisso, mas isso tem muito mais a ver com a continuidade do trabalho dos comandos e dos policiais do que de da política de segurança pública do governo do Estado.

O Governo gastou milhões em uma peça publicitária das polícias de São Paulo que mostram uma realidade que não é a que se apresenta nem aos policiais, nem a população. A sensação dos policiais é que se quer vender uma realidade que não existe. Assim, a atual crise entre governo e polícias é fundamentalmente uma crise de credibilidade onde os policiais não percebem que a propaganda do governo corresponde a realidade. É urgente que o Governo de São Paulo faça política de Segurança Pública com base em estudos técnicos aprofundados e que haja um ajuste entre imagem que se quer vender e a realidade.

https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/tensao-entre-a-propaganda-e-a-realidade-na-crise-do-governo-paulista-com-as-policias-estaduais/?fbclid=IwAR0TzuB6o04EEuq-wjuFqlnIEo2gMaCbHn72FblC1dnl85lM6ZStOmuNUis

Excludente de Ilicitude: o primeiro ato do novo AI 5…Flagrantemente, Bolsonaro busca empregar militares e policiais contra quaisquer opositores 5

Excludente de Ilicitude: o primeiro ato do novo AI 5

Por Alberto Kopittke*

Os primeiros comentários na grande mídia sobre o PL (veja a íntegra aqui) da excludente de ilicitude apresentado por Bolsonaro ontem (21) não compreenderam de fato do que trata o Projeto. Mesmo os comentários críticos abordaram o PL como se ele fosse uma repetição do PL do Pacote de Sergio Moro, apenas ampliado a excludente para Militares em Operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).

No entanto, o Projeto praticamente não tem relação com “Segurança Pública” e com o debate sobre a letalidade policial, que polariza o país e revela o forte protagonismo das polícias militares na vida política. Apesar das Operações de GLO serem utilizadas de forma cada vez mais ampla pelos Governos do PT e agora do PSL, nos últimos 10 anos, o número de mortes provocadas em Operações GLO é muito pequeno se comparado com os números do cotidiano da segurança pública brasileira, por geralmente se tratarem de operações de estabilização de território.

O que não foi percebido, é que o PL de Bolsonaro é praticamente uma cópia do Decreto Supremo 4078 editado há 5 dias atrás pela autoproclamada Presidente da Bolívia, Jeanine Ãnez, que garantiu a excludente de ilícitude para as Forças Armadas bolivianas reprimirem os movimentos que eclodiram no país. Outro sinal que passou quase que desapercebido foi que o Ministério da Defesa e não o da Justiça e Segurança Pública é que foi acionado para construir a minuta da proposta.

Na verdade, o PL de Jair Bolsonaro não tem nenhuma preocupação com o problema da criminalidade do país. Ele tem como alvo a possibilidade de um aumento das mobilizações de rua no país, como está ocorrendo em todo o continente, autorizando policiais e as forças armadas a fazerem uso da força letal contra pessoas envolvidas em manifestações sociais. O Projeto é uma preparação para a possibilidade do Brasil viver um processo de mobilização social e segue a sugestão dada pelo filho 03 do Presidente, Eduardo Bolsonaro, há poucos dias atrás, sobre a necessidade de se tomar medidas duras, como um novo AI5 no país.

É preciso compreender que o Projeto de Lei apresentado por Bolsonaro não está isolado na história. Ele é o ápice de toda uma estrutura jurídica que vem tornando a GLO um verdadeiro regime de exceção nas mãos do Presidente da República, sem a necessidade de aprovação do Congresso Nacional. Há uma aposta na radicalização como tática diversionista de concentração de poderes pelo Presidente e esvaziamento de quaisquer agendas que não sejam por ele emuladas.

Em 2013, findadas as manifestações populares, o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas publicou a regulamentação das Operações de GLO (Portaria Normativa nº 3.461/2013/MD). A Portaria alterou pela primeira vez desde a redemocratização o conceito de Força Oponente, que é o conceito central que autoriza o uso da força por parte das Forças Armadas, o qual desde a redemocratização era entendido como as Forças Armadas de outro país soberano que venha a atacar o território nacional. A partir dessa Portaria, a utilização do uso de força militar passou a ser autorizada contra “qualquer grupo interno que instabilize a ordem social”. Além disso, a Portaria ainda previu pérolas como a possibilidade de realizar operações psicológicas junto a população civil brasileira e a autorização para a restrição do livre exercício do jornalismo nas áreas sob intervenção.

Em razão de forte reação de movimentos sociais, a regulamentação foi suavizada (Portaria Normativa Nº 186/MD/2014), embora tenha mantido como força oponente a ideia abrangente e vaga de “agentes de perturbação da lei e da ordem”. Agora, o novo Projeto de Lei retoma o espírito da Portaria original e incluí terrorismo no rol de situações autorizativas para a excludente de ilicitude. Há uma sutil mas clara reorientação político institucional em curso e que poucos estão percebendo. A questão é que não bastam votos em uma democracia; é preciso que as instituições sejam democráticas e sujeitas a mecanismos transparentes de controle e supervisão.

Em seu brilhante livro “Political (in)justice: authoritarianism and the rule of law in Brazil, Chile, and Argentina” sobre os regimes autoritários na América do Sul, o Professor Anthony Pereira, do Kings College de Londres, destaca uma peculiaridade do autoritarismo militar nacional. Diferentemente dos demais países, a ditadura brasileira, embora constitucionalmente ilegal, sempre se preocupou em garantir a legalidade formal mesmo de seus atos mais autoritários, a começar pelos diversos Atos Institucionais, cuidadosamente escritos até milhares de Inquéritos Militares, que registravam todas as perseguições totalmente arbitrárias.

Embora pudesse ter feito tudo o que fez apenas fazendo uso da força, como fizeram as Ditaduras Argentinas, Chilenas e Uruguaias, a Ditadura Brasileira preocupou-se em ser formalmente adequada, seguindo o “melhor” da tradição jurídica brasileira que prima pela forma em detrimento dos princípios do Estado Democrático de Direito.

O Projeto de excludente de Ilicitude em Operações GLO faz parte dessa tradição do legalismo autoritário brasileiro que vem ressurgindo e ganhando mais forças a cada dia no país. Num momento em que o futuro sobre nossa democracia é incerto, a única certeza é que o primeiro Projeto de Lei do novo AI5 já foi apresentado.

* Diretor Executivo do Instituto Cidade Segura e associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Aqui tem palavra” –  Jornalista protesta Márcio França por suposto calote milionário; ex-governador nega ter feito contrato verbal, mas não convence

Ex-diretor do Domingão do Faustão acusa Márcio França de calote de R$ 1,6 milhão

Ex-governador de SP não pagou dívidas feitas na campanha à reeleição em 2018

São Paulo

“Aqui tem palavra.” Alberto Luchetti, ex-diretor do Domingão do Faustão, cita o slogan da campanha de Márcio França (PSB) ao governo paulista ao acusá-lo de um calote de R$ 1,6 milhão.

Luchetti, que entrou na semana passada na Justiça com pedido de protesto, afirma que o ex-governador, um ano depois, ainda não lhe pagou por serviços prestados na eleição do ano passado.

Márcio França no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo – Gabriel Cabral-20.dez.18/Folhapress

O jornalista é proprietário da produtora Infiniti 8, que foi contratada para realizar os programas eleitorais do então candidato do PSB, no primeiro turno da disputa. “Quando o Márcio passou para o segundo turno, foi uma grande correria, pois ele não acreditava nessa possibilidade”, afirma o jornalista.

Luchetti diz que França, então, lhe pediu para continuar no segundo turno e disse que logo formalizaria a contratação, o que nunca ocorreu. “Como ele havia pago o primeiro turno, acreditei nele e fui trabalhando mesmo sem o novo contrato”, afirma. “Não tinha motivos para duvidar da palavra, era o governador de São Paulo, afinal.”

França, que assumiu o cargo de governador em abril de 2018 —quando Geraldo Alckmin (PSDB) deixou o posto para concorrer à Presidência—, ficou toda a campanha em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás de João Doria (PSDB) e Paulo Skaf (MDB).

Acabou em segundo, com 89 mil votos a mais que o presidente da Fiesp. Doria teve 31,77% dos votos, França, 21,23%, e Skaf, 21,09%.

O slogan “aqui tem palavra” era um modo de França se contrapor a Doria, que havia deixado a Prefeitura de São Paulo após dizer que cumpriria o mandato até o final. “Quem não teve palavra comigo foi o Márcio”, diz Luchetti, que dirigiu o programa do apresentador Fausto Silva, na Globo, de 1998 a 2002.

O jornalista diz que a campanha eleitoral foi toda feita no estúdio localizado no Morumbi. Afirma que tem fotos e testemunhas, além das notas fiscais emitidas em nome do PSB. “Não há como ele negar”, afirma.

Na petição em que solicita o protesto judicial, o advogado Ricardo Sayeg, que representa Luchetti, anexou um documento com a palavra “confidencial” em letras grandes, que foi encaminhado ao ex-governador em maio de 2019.

O texto afirma que, “embora as prestações de contas indiquem aparente regularidade”, Luchetti possui documentos que “denotam a prática de graves irregularidades”, citando omissão de receitas e de gastos eleitorais. Por causa do não pagamento, diz o jornalista, teve de demitir funcionários e recorrer a empréstimos bancários.

O juiz Gustavo Henrique Bretas Marzagão deferiu o protesto, determinando a notificação de França e do PSB. Se a dívida não for paga, o jornalista deverá entrar com uma ação de execução.

França perdeu o segundo turno da eleição por pequena margem. Teve 48,25% contra 51,75% de Doria. Mas venceu na capital, resultado que o coloca como pré-candidato a prefeito da cidade em 2020. O ex-governador diz que nunca houve a conversa relatada por Luchetti.

Valor contratado foi 100% pago, diz ex-governador

Procurado pela Folha, o ex-governador Márcio França (PSB) enviou uma nota, por meio de sua assessoria, afirmando que “o valor contratado pelo partido com a empresa foi 100% acertado e quitado, com as notas fiscais devidamente pagas e juntadas na prestação de Contas no TRE”.

França ressalta que as suas contas de campanha “receberam parecer de aprovação do Ministério Público Eleitoral”. “Não há despesas em aberto”, afirma na nota enviada ao jornal.

“Bastaria a empresa mostrar o contrato assinado pelo representante legal da campanha, com os valores devidos”, afirma. “Isso não foi feito porque não há contrato com saldo a receber da campanha neste caso.”

Segundo ele, nunca houve a conversa relatada por Luchetti sobre formalização da contratação verbal.

A assessoria do ex-governador diz considerar a hipótese de que a empresa do jornalista tenha sido subcontradada por outra empresa que atuou na campanha. “Assim, deve se tratar de terceirização de serviços, essa relação não é com o partido”, afirma.