Juízes têm visão egoísta, diz desembargadora que travou gasto bilionário do TJ-SP 17

Juízes têm visão egoísta, diz desembargadora que travou gasto bilionário do TJ-SP

Principal voz questionadora de atos da corte paulista, Maria Lúcia Pizzotti vê individualismo excessivo na magistratura

São Paulo

​​Ao perceber que não foram tomadas providências de segurança após um incêndio no 14º andar do fórum paulista João Mendes, local onde trabalhava, a juíza Maria Lúcia Pizzotti oficiou o Corpo de Bombeiros para que fechasse o local e fizesse uma averiguação.

Em inspeção, o órgão identificou fiação aparente, portas corta-fogo mantidas abertas, além da falta de alarmes e de treinamento dos funcionários.

O episódio aconteceu entre os anos de 2008 e 2009 e abriu caminho para uma série de reformas no João Mendes, o maior fórum do Brasil.

Mas também rendeu à juíza um processo administrativo aberto pelo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, à época Roberto Antonio Vallim Bellocchi, que foi arquivado anos depois.

​Pizzotti, 56, que em 2014 foi promovida a desembargadora, é a mesma que provocou neste ano a suspensão da licitação do projeto executivo de um prédio estimado em R$ 1,2 bilhão, que seria construído para abrigar os gabinetes dos magistrados no centro de São Paulo.

Só o projeto executivo tinha um valor referência de R$ 25,3 milhões.

Ela contestou a forma como a concorrência pública tramitou e disse que faltava transparência e divulgação dos detalhes da obra. No último dia 12, após dois meses suspensa, a licitação foi cancelada pelo presidente do TJ, Manoel Pereira Calças.

Nos últimos anos, Pizzotti tem sido a principal voz contestadora dos atos do tribunal entre os 360 desembargadores.

Na magistratura desde 1988, ela passou a carreira apontando problemas em decisões internas da corte, principalmente em relação a gastos com dinheiro público.

O caso do João Mendes não foi a primeira vez que a magistrada havia feito esse tipo de ofício aos bombeiros. Antes, já havia pedido vistoria de segurança no fórum de Santo Amaro, na zona sul da capital paulista.

Em 2005, questionou em ofício a escolha de um colega que passou à frente de outros 48 magistrados na lista de antiguidade e virou juiz auxiliar do Tribunal de Justiça.

Dez anos depois, em 2015, rompeu um “acordo de cavalheiros” e se lançou candidata a presidente da Seção de Direito Privado do TJ, para evitar que o posto tivesse um concorrente único, como era tradição.

Mais recentemente, em 2017, levantou suspeitas de superfaturamento em contratos do tribunal com a Argeplan, empresa que pertence ao coronel João Baptista Lima Filho, amigo do ex-presidente Michel Temer (MDB). O caso é investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

Essa suspeita fez com o presidente do Tribunal de Justiça na época, Paulo Dimas Mascaretti, hoje secretário da Justiça do governo João Doria (PSDB), provocasse a abertura de um procedimento no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) contra ela —também arquivado.

Ela própria enviou uma representação contra o então presidente, que chegou ao CNJ mas nunca foi distribuída a um relator.

Num tribunal que pouco expõe os seus próprios problemas, Pizzotti colecionou inimigos. Não da parte dela, diz. “Eu não sou inimiga de ninguém, eu faço isso desde que eu entrei na carreira”, afirma a desembargadora em entrevista à Folha.

Ela relata que, logo que iniciou a carreira como juíza, em Santos (SP), descobriu uma situação que envolvia corrupção em um cartório, e denunciou.

Isso, diz, lhe rendeu um processo administrativo que quase não permitiu que ela fosse estabilizada como magistrada —há um prazo de dois anos para que isso aconteça, segundo a Lei Orgânica da Magistratura.

“Porque eu me insurgi contra um sistema, eu quase não fui vitaliciada. Eu não tenho vergonha de dizer isso. Eu quase não fui confirmada na carreira.”

Avalia que, entre outros motivos, no início também sentiu resistência dos outros integrantes do Judiciário por ser mulher –em suas contas, a 20ª a se tornar juíza em todo o estado de São Paulo–, ter ingressado no Judiciário ainda jovem e sempre ser “muito expansiva e muito aguerrida”.

Questionada sobre por que poucos magistrados têm o mesmo comportamento de denunciar problemas internos, afirma que há “uma visão egoísta, que é um pouco do ser humano, não é só dos desembargadores”.

“Por que os juízes não o fazem? Muitos têm medo porque há retaliação. Eu sofri muita retaliação, mas eu não tive medo.”

Segundo ela, no Judiciário, “há um individualismo excessivo, as pessoas estão muito preocupadas consigo”.

“Todo mundo está preocupado com as prerrogativas. Veja você, se tiver alguma coisa que aconteça para mexer com as prerrogativas, eu garanto que é capaz dos 360 se unirem pela primeira vez na história do tribunal”, diz Pizzotti.

“Se alguém for mexer com os carros do tribunal, eu garanto que os 360… vão ser 359, porque eu não vou entrar nesse grupo, que eu não defendo carro oficial. Há uma visão muito individualista, não há uma visão de espírito público.”

Ainda em 2017, a magistrada se destacou em outra situação que, segundo os registros do TJ de São Paulo, é inédita. Entre 2016 e 2017, ela foi substituta no órgão especial, que reúne os 25 desembargadores de cúpula do tribunal.

São eles que aprovam a proposta de orçamento encaminhada ao governo, que a adapta à realidade financeira estadual e encaminha todos os valores que o estado pretende gastar no ano seguinte para aprovação do Legislativo.

Em geral, o valor proposto pelo tribunal sofre uma redução significativa após ser enviado para o Executivo —o que faz com que os presidentes do TJ tenham que pedir a suplementação de verba ao governo.

Ao substituir outro desembargador no órgão especial, Pizzotti ficou entre os responsáveis por julgar a proposta de orçamento, de R$ 21,8 bilhões.

No entanto, em vez de aprovar sem questionamentos, ela pediu vista, analisou as cifras e voltou com um voto que divergia dos outros magistrados. Em resumo, dizia que “valores vultosos” não eram explicados e que não era possível entender as bases de cálculo deles.

“Estudei o que qualquer pessoa com o mínimo de tutano possa fazer”, afirma. Ela solicitou documentos e ficou “sentada em uma sala de tribunal durante sete horas”.

Seu voto acabou vencido por 24 a 1. Outros magistrados cobraram que ela deveria “votar em confiança”.

Reservadamente, outros desembargadores veem, por vezes, Pizzotti como uma pessoa muito crítica e pouco propositiva. Também enxergam que a forma como ela age, sempre por meio escrito, com questionamentos por ofícios e de forma aberta, expõe as divergências do tribunal.

Ela contesta. “Eu ouço essa frase há anos: Pizzotti, você tem razão, o problema é a forma de fazer”, afirma. “E eu me pergunto qual é a forma mais adequada de fazer que não seja a forma escrita? Para mim é a mais clara, democrática e transparente. E a mais oficial.”

“‘A imprensa é nossa inimiga’, eles acham. ‘É péssimo para nossa imagem eles divulgarem essas coisas’. Não é péssimo, é ótimo”, afirma. Um dos motivos para isso, segundo ela, é que essa é a maneira de mostrar que, em vez de ser corporativista, “o Poder Judiciário está tentando corrigir as suas mazelas”.

Raio-X

Formada e com mestrado na PUC-SP, Maria Lúcia Pizzotti, 56, ingressou na magistratura de São Paulo em 1988, em Santos. É desembargadora desde 2014. Foi substituta do órgão especial (cúpula do Tribunal de Justiça) entre 2016 e 2017.

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Centrão pede a Bolsonaro para liberar jogos de azar

Deputados do bloco retomam ofensiva para aprovar projeto que permite abertura de cassinos no País; presidente recomenda a parlamentares consultar bancada evangélica

Renato Onofre e Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

27 de novembro de 2019 | 05h00

BRASÍLIA – Deputados do bloco conhecido como Centrão retomaram a ofensiva para liberar a abertura de cassinos no País. O presidente Jair Bolsonaro chegou a ser consultado para saber se o governo apoiaria um projeto com esse teor, mas não deu resposta definitiva. Bolsonaro disse aos interlocutores que, antes, seria preciso consultar a bancada evangélica. O grupo é contra o projeto, mas já admite discutir uma alternativa. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, defende a autorização do jogo de azar, mas apenas para estrangeiros.

Em conversa com deputados, na semana passada, Bolsonaro afirmou que tudo pode ser “conversado”, desde que passe pelo crivo dos evangélicos. Avisou, no entanto, que não concorda com a liberação do caça níquel porque “pais de família” podem usar o dinheiro do salário para jogar. Mesmo sendo contrário aos jogos, o presidente já deu sinais de que há a possibilidade de deixar cada Estado decidir o assunto por conta própria.

Deputados do Centrão
Em reunião com o presidente Bolsonaro, deputados do Centrão questionam sobre autorização para jogos de azar Foto: Divulgação

A ideia foi discutida durante almoço, na quarta-feira, entre Bolsonaro, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e vários deputados – na lista estavam, por exemplo, o líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), o presidente do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva (SP), e Cláudio Cajado (PP-BA). Bolsonaro fez o convite para a reunião, no Palácio do Planalto, com o objetivo de se reaproximar dos deputados, que ali reclamaram, mais uma vez, do atraso no pagamento das emendas parlamentares. Mas o bate papo foi além e chegou aos jogos de azar.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é favorável à legalização de cassinos, mas restrita a resorts. Um projeto de lei com relatório apresentado em 2016, autorizando a exploração de jogos de azar em todo o território nacional, está pronto para votação em plenário. Duas propostas com conteúdo defendido por Maia foram anexadas ao mesmo texto e ele se mostra inclinado a pautar a medida.

O coordenador da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara, Silas Câmara (Republicanos-AM), disse que o grupo – formado por 195 dos 513 deputados – é majoritariamente contra a ideia, mas não descartou o debate de opções. “A bancada ouviria, dependendo de quem vier com a explicação”, afirmou Câmara, citando o exemplo do prefeito do Rio. “Sendo ele (Crivella) um evangélico, não seria difícil ouvi-lo. A gente dialoga. Agora, dialogar e trazer uma proposta que não seja correta é complicado”, completou.

O deputado citou a possibilidade de vício, prostituição e corrupção como justificativas para o veto, mas o Estado apurou que a tendência do Republicanos é liberar a bancada, se esse assunto for votado.

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O presidente Jair Bolsonaro e o prefeito Marcelo Crivella em cerimônia em maio deste ano Foto: Marcos Corrêa/PR

Crivella é a favor da liberação de cassinos apenas para estrangeiros e tenta atrair um empreendimento para a capital fluminense. A Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio preparou um parecer, ao qual o Estado teve acesso, a favor de liberar a instalação de um cassino em Porto Maravilha – área portuária revitalizada na cidade –, se o Congresso permitir os jogos por lei.

A intenção é autorizar a construção de um cassino associado a um resort integrado, que, além de hotéis, abrigaria centro de convenções, shoppings, cinema e teatro. “Eu sou favorável a que se faça isso. A princípio, apenas para os estrangeiros, até que o Brasil tenha certeza de controles e normas para não haver nenhuma possibilidade de lavagem de dinheiro da criminalidade ou da corrupção”, afirmou Crivella, em nota encaminhada à reportagem.

Campanha

No ano passado, antes do segundo turno da eleição, o então candidato Bolsonaro negou que fosse favorável a liberar a abertura de cassinos. “Vou legalizar cassinos no Brasil? Dá para acreditar em uma mentira dessas?”, disse Bolsonaro, em vídeo postado nas redes sociais. “Nós sabemos que o cassino aqui no Brasil, se tivesse, seria uma grande lavanderia, serviria para lavar dinheiro. E também para destruir famílias. Muita gente iria se entregar ao jogo.”

O tema, que desperta polêmica, foi objeto de idas e vindas na Câmara. Em 2015, a Casa instalou uma comissão especial para avaliar propostas de legalização de cassinos, bingos e jogo do bicho, entre outras modalidades.

Investidores de multinacionais e lobistas entraram em ação, à época, na tentativa de destravar as discussões, mas nada foi para frente. A Associação Brasileira de Bingos, Cassinos e Similares estima que o setor – ao lado de loterias e todas as atividades que envolvem apostas – pode aumentar a arrecadação em R$ 30 bilhões por ano.