Operação da PF contra líder do governo no Senado criou ambiente favorável a reverter posição do presidente
Em uma derrota para o governo e, em especial, ao ministro Sergio Moro, o Congresso Nacional derrubou na noite desta terça-feira (24) 18 vetos feitos por Jair Bolsonaro (PSL) à lei de abuso de autoridade.
Outros 15 pontos que haviam sido barrados pelo presidente da República acabaram mantidos.
O projeto endurece as punições por abuso de autoridade de agentes públicos, incluindo juízes, promotores e policiais.
Críticos do texto —que foi aprovado pelo Congresso em agosto e depois recebeu vetos do presidente— dizem que ele pode inviabilizar investigações do Ministério Público e da Justiça Federal.
Já parlamentares que apoiaram o projeto dizem que ele visa coibir abusos cometidos por esses órgãos.
A derrubada dos vetos de Bolsonaro teve aval do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que, assim como outros senadores, ficou bastante irritado com a operação da Polícia Federal na semana passada que fez busca e apreensão contra o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
O resultado no Congresso acabou sendo uma resposta à ação da PF, subordinada a Moro, um dos contrários a pontos do projeto de abuso de autoridade, assim como integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, onde ele atuou como juiz federal antes de virar ministro de Bolsonaro.
Inicialmente prevista apenas para outubro, a sessão do Congresso para analisar os vetos foi antecipada às pressas para esta terça, num dia em que Bolsonaro e seu articulador político, o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), estavam fora do país, para participar de Assembleia da ONU nos Estados Unidos.
Com os vetos derrubados pelo Congresso, volta a valer um artigo que prevê punição a quem constranger preso ou detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, para produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro.
Foi derrubado ainda o veto ao artigo que determina a punição a quem constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que deva guardar segredo ou resguardar sigilo ou quem prossegue com interrogatório de quem tiver decidido exercer o direito ao silêncio ou tiver escolhido ser assistido por advogado ou defensor público.
O Congresso também restaurou o artigo que pune quem deixar de se identificar ou se identificar falsamente ao preso na hora da prisão. O item penaliza o responsável por interrogatório que deixa de se identificar ao preso ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função.
O artigo que pune quem impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado voltou ao texto. O mesmo artigo penaliza quem impede o preso de se reunir com seu advogado em prazo razoável, antes de audiência judicial, ou de se comunicar com ele durante a audiência –salvo se ocorrer por videoconferência.
Outro item que voltou ao texto é o que pune quem inicia persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra inocentes, e o artigo que penaliza quem nega ao réu ou advogado o acesso aos autos de investigação preliminar.
A ação da PF contra Bezerra Coelho na semana passada teve resistência da PGR (Procuradoria Geral da República), mas acabou autorizada pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso, um dos principais defensores da Lava Jato após recentes críticas à operação.
Nesta terça, Alcolumbre também reuniu líderes partidários e foi ao STF conversar com o presidente do Judiciário, Dias Toffoli, para apresentar um recurso à decisão de Barroso e criticar a operação da semana passada contra o líder do governo no Senado.
A comitiva (que, além de Alcolumbre, teve outros 15 senadores) pediu respeito à independência entre os Poderes, à autonomia e à harmonia entre as instituições.
Nesta quarta, Alcolumbre também decidiu adiar a votação do primeiro turno da reforma da Previdência para a próxima semana, em mais uma sinalização de insatisfação ao governo.
No horário em que a matéria seria votada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), na manhã desta terça, Alcolumbre marcou a ida da comitiva de senadores ao Supremo.
A articulação para o adiamento da análise da Previdência envolveu partidos aliados, independentes e de oposição ao governo em reunião na residência oficial de Alcolumbre na noite de segunda-feira.
O grupo deixou fora a presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS), e o relator da PEC, Tasso Jereissati (PSDB-CE), que defendiam blindar o projeto de questões políticas.
Alvo da operação da PF na semana passada, Bezerra Coelho, responsável pelos interesses do governo no Senado, participou do acerto junto com os líderes do MDB, Eduardo Braga (AM); do PSD, Otto Alencar (BA); do PROS, Telmário Mota (RR); do PL, Jorginho Melo (SC); do Republicanos, Mecias de Jesus (RR); e do vice-líder do PT, Rogério Carvalho (SE).
Tebet descobriu na manhã desta quarta-feira, quando recebeu líderes partidários em seu gabinete, que o jantar havia acontecido sem ela e Tasso e que os líderes haviam articulado o adiamento da votação.
Desde o inicio da noite, a operação realizada na semana passada pela PF dominava os discursos na sessão do Congresso. O próprio Bezerra Coelho foi ao microfone.
“É estarrecedor o excesso, o abuso de uma decisão monocrática, tomada em completo desacordo com quem está, de fato, na condição de avaliar a necessidade ou não de produção de prova, no caso o Ministério Público Federal, titular da ação, e ainda mais quando exige medida tão invasiva ao direito”, disse o líder do governo no Senado.