“É um discurso irresponsável, que mantém a cultura do esculacho. Não é papel do governador incentivar mortes. Mas ele tende a olhar a segurança pública como problema de polícia”, diz Alcadipani.
Na lista de propostas do tucano, não há uma que preveja a redução da letalidade policial.
Mas “Doria não é o Witzel”, afirma o coronel José Vicente da Silva Filho. Ex-secretário nacional de Segurança Pública, ele deixou a campanha do tucano por discordar da ampliação da Rota, a tropa de elite da corporação, mas vê Doria como mais moderado que o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), dono da frase “a polícia vai mirar na cabecinha e… fogo”.
“Acabou a campanha, acabou o discurso. Não houve ruptura do sistema que havia. Os projetos que estavam em andamento continuaram”, diz Silva Filho.
Camila Nunes Dias, professora da UFABC e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, discorda. “O PCC já adquiriu uma forma de atuar que independe de pessoas específicas. O sistema segue superlotado e em péssimas condições”, diz.
Ela critica iniciativas para aumentar a população carcerária e a ideia de conceder unidades à iniciativa privada. “Estamos assistindo exemplos catastróficos do Maranhão e do Amazonas.”
Os agentes penitenciários vêm pressionando a gestão tucana, inclusive com protestos em frente ao Palácio dos Bandeirantes. Eles querem que os servidores aprovados em concurso sejam nomeados —desde que assumiu, Doria não nomeou nenhum carcereiro— e que a categoria seja beneficiada com o aumento para profissionais da segurança pública.
“Esperamos uma resposta do governador. Se não, vamos fazer o sistema parar”, afirma Fábio Jabá, presidente do Sifuspesp, o sindicato dos funcionários do sistema prisional do estado.
Eleito na esteira bolsonarista, o deputado Tenente Coimbra (PSL) também tem criticado Doria. “Policial indo combater crime sem colete, com arma que falha. Tem que ser um super-herói”, afirma. São 12 mil policiais civis hoje sem colete balístico.
“Mas não adianta olhar só para o equipamento. Já estamos no mês oito e nada de reajuste [de salários]. Final do mês o agente precisa de dinheiro pra poder comer”, afirma o parlamentar.
É o mesmo tom dos sindicatos ligados à Polícia Civil. Raquel Kobashi Gallinati, do Sindpesp, o sindicato dos delegados, diz que o déficit na corporação chega a 14 mil profissionais e que, em algumas cidades, delegados respondem por mais de três delegacias.
Truculência policial e mira em movimentos sociais preocupam
O presidente do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), Dimitri Sales, vê com preocupação o que chama de “processo de criminalização dos movimentos sociais”, e cita como exemplo a ação da PM, que entrou em um evento fechado do PSOL sem mandado, no dia 3 de agosto, no centro da capital. Ou a retirada pela PM do torcedor do Corinthians que xingou Bolsonaro, na arquibancada do estádio do clube, em Itaquera, um dia depois.
Para quem vive nas periferias, aumentou a sensação de medo, com um dia a dia de abordagens da polícia mais truculentas e armas mais pesadas. Doria autorizou que PMs usem espingardas de calibre 12 durante o patrulhamento, armamento que antes era restrito à noite. Também anunciou que vai comprar metralhadoras estilo “Rambo” e um fuzil que derruba até helicóptero.
“Os caras não pedem nem mais o documento, já saem batendo”, diz Jesus dos Santos, 34, do Jardim Brasil, zona norte da capital. Ele é parte do coletivo Casa do Meio do Mundo e co-deputado pela Bancada Ativista na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).
Em Parada de Taipas, “tem mais polícia na rua e ações de repressão contra eventos organizados pela juventude, como os bailes funk”, diz Fernando Ferreira, 36, educador social e membro da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio.
A política de criminalização dos pobres e pretos sempre existiu, afirma o articulador social Carlos Alberto de Souza Júnior, que vive no Jardim Ângela, extremo zona sul da capital. “Mas agora o governador diz que pode matar e os profissionais da segurança pública se acham no meio de uma guerra com a população”, afirma.
Até o porte físico dos agentes tem mudado, diz Júnior. “O gordinho que não corre atrás está sumindo da quebrada. Agora são tipo segurança do Metrô na linha 4-Amarela. Só que mal remunerados, mal treinados, eles decidem quem vive e quem morre.”
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que as abordagens “são regulamentadas pelos respectivos procedimentos operacionais padrão das instituições e aplicadas de acordo com a legislação” e o “uso de armas longas é facultado exclusivamente aos policiais devidamente habilitados”. Eventuais abusos, diz a pasta, podem ser registrados nas corregedorias.
CUMPRIU
Criar um aplicativo de segurança da mulher
Manter a redução do número de homicídios
CUMPRIU PARCIALMENTE
Abrir 22 Baeps (Batalhão de Ações Especiais de Polícia); quatro foram inaugurados
Contratar 13 mil PMs e 8.000 policiais civis; governo nomeou 1.039 policiais militares e científicos
Levar bases comunitárias móveis da PM para todos os 645 municípios; das 200 novas bases previstas, o governo entregou 148
Abrir delegacias 24 horas por dia; Doria implementou atendimento integral em dez Delegacias de Defesa da Mulher
Implementar a Dronepol, polícia com drone; a PM tem 15 núcleos operacionais do programa, mas a promessa é que outros 56 entrem em funcionamento até o fim do ano
Aumentar vagas em presídios; foram abertas 1.755 vagas no sistema prisional paulista com a inauguração de três novas unidades, mas déficit segue em mais de 80 mil vagas
AINDA NÃO CUMPRIU
Comprar veículos blindados para a PM; segundo a secretaria, está em fase de testes
Reformar quartéis e delegacias; Doria busca apoio da iniciativa privada
Reajustar os salários dos policiais civis, militares, técnico-científica e bombeiros; governador diz que irá anunciar medida no fim de outubro
Comprar novas armas para as duas polícias; há licitação em andamento
Integrar as polícias Civil e Militar; segundo a gestão, um exemplo de trabalho conjunto das corporações foi durante a Copa América, mas não foi informado um plano de ação conjunta/integração
Abrir 10 DEICs (Departamentos Estaduais de Investigação Criminal) regionais
Levar padrão Poupatempo às delegacias
Abrir 40 novas Delegacias de Defesa da Mulher
Levar programa de monitoramento de câmeras para todas as regiões do estado
Fazer com que todos os presos trabalhem nos presídios
Reduzir a maioridade penal
Barrar a entrada de celulares nas penitenciárias
Conceder presídios à iniciativa privada; edital de concessão deve ser publicado este mês, segundo gestão
Acabar com a “saidinha” temporária de presosErramos: o texto foi alterado