Não entendi, desde quando a Polícia Civil é bolsonarista? …E 12 delegados entrevistando um investigador com base em relatório de inteligência?…Desculpe-me, não acredito! ( Sendo verdade, a Corregedoria se boçalizou! ) 155

 

Investigador denuncia perseguição na polícia após se manifestar contra Bolsonaro

11/12/18por Jeniffer Mendonça

 

‘O que mais dói é ter sido chamado de traidor. É o contrário. Queremos repensar o sistema para ter uma polícia melhor’, diz Alexandre Félix, que integra o Movimento Policiais Antifascismo

Alexandre Félix segura plaquinha do #EleNão, movimento contra Bolsonaro | Foto: arquivo pessoal

O investigador da Polícia Civil de São Paulo Alexandre Félix Campos afirma que tem sofrido perseguições por conta da sua atuação no movimento Policiais Antifascismo. O policial foi surpreendido por volta das 13h da segunda-feira passada (3/12) com um ofício emitido pela delegacia que trabalha para comparecer à corregedoria no mesmo dia, às 15h, sem ser informado do que se tratava. “Para um policial ser convocado, precisa existir uma acusação formal. Quando cheguei na corregedoria, descobri que não havia apuração instaurada. Queriam saber quem organizou o movimento Policiais Antifascismo, se eu tinha participado da organização do ato #EleNão [contra o presidente eleito Jair Bolsonaro] em São Paulo”, afirma.

O ofício foi expedido no dia 29 de novembro. Porém, Alexandre estava de férias do dia 1 a 30 do mês passado e recebeu o documento quando retornou ao trabalho na própria segunda-feira. As férias, segundo ele, que estavam previstas para serem tiradas em dezembro foram antecipadas após a publicação de uma entrevista que deu à Carta Capital, antes do segundo turno das eleições de 2018, em que apontava que a repressão policial poderia aumentar com a possibilidade de vitória do militar da reserva.

De acordo com o investigador, cerca de 12 delegados passaram a questioná-lo sobre declarações, entrevistas que ele deu a veículos de imprensa e publicações em redes sociais. “Eles compilaram todo esse material num relatório de inteligência. Chegaram a apontar uma foto do Orlando Zaccone [delegado de polícia do RJ, membro do movimento] na Marcha da Maconha questionando como eu me associava a uma pessoa dessa, que eu estava fazendo apologia às drogas porque o movimento defende a descriminalização”, relata.

Uma alteração de 2002 da Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo prevê que havendo uma infração ou crime cometido por policial, a corregedoria é notificada e é instaurada uma apuração preliminar de caráter investigativo “quando a infração não estiver suficientemente caracterizada ou definida a autoria”. Em até 30 dias, a corregedoria deve compilar elementos que demonstrem a irregularidade, ouvindo denunciantes, o policial suspeito, para então definir se será aberta uma sindicância (para apurar infrações de natureza leve, em que as penas vão de advertência, multa, suspensão) ou um processo administrativo (investigação para infrações de natureza grave, que podem levar à demissão).

Para Alexandre, o ofício foi de caráter “intimidatório” e não respeitou o rito processual. “Havendo uma apuração preliminar instaurada, eu teria que ter sido intimado com antecedência, ter conhecimento dessa apuração, constituir um advogado para ter acesso aos autos e ter um tempo hábil para a minha defesa se organizar. Nada disso foi respeitado”.

O investigador denuncia, ainda, que após essa reunião, não foram permitidas cópias do ofício convocatório e do termo de declaração que deu à corregedoria. “Eles afirmaram que vão abrir um processo administrativo pedindo minha demissão porque a minha atuação estaria ferindo e manchando os princípios da instituição”, aponta.

“O que mais dói disso tudo é ter sido chamado de traidor, sendo que não só a minha atuação, mas a do movimento em si, é justamente o contrário. É repensar o sistema de polícia, mostrar as condições de trabalho do policial para que essa estrutura melhore”, desabafa. “Se essa represália está acontecendo comigo, é porque a atuação do movimento está funcionando e incomodando as pessoas que estão lá e que corroboram esse sistema que está falido”.

O direito à liberdade de expressão e de manifestação é um dos motes do movimento Policiais Antifascismo, já que, por lei, os servidores públicos são proibidos de criticar as instituições em que trabalham. No entanto, para a desembargadora do TJ-SP Ivana David, “usar o termo ‘perseguição’ não é compatível porque todos os servidores que se manifestaram contra ou a favor do Bolsonaro estão tendo que prestar esclarecimentos”. Ivana cita como exemplo o caso do desembargador Ivan Sartori, que utilizou uma estampa na sua foto em rede social com o slogan da campanha do presidente eleito, apesar do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) proibir que magistrados declarem posicionamento político. “Para mudar esse cenário, só pressionando para que a lei seja mudada porque até aí não há irregularidade”, garante.

Em agosto, a Ponte mostrou que o corregedor da Polícia Militar paulista, Coronel Marcelino Fernandes, fez publicações em redes sociais em apoio ao presidente eleito durante a campanha. Apesar da PM ser submetida a outro regimento, o corregedor afirmou na época que “uma coisa é o apoio, outro a manifestação da ordem durante a campanha”, em que “ter uma manifestação política durante o serviço é uma transgressão disciplinar média, punível com advertência”.

“Cerceamento de expressão”

Declarações públicas e entrevista dada à imprensa também serviram de mote para uma denúncia anônima que foi encaminhada à Corregedoria Geral da União e depois encaminhada à Polícia Rodoviária Federal contra o policial rodoviário federal de Goiás Fabricio Silva Rosa, que foi candidato ao senado nas eleições de 2018.

Fabricio Rosa | Foto: arquivo pessoal

Em agosto, e já licenciado do cargo, Fabrício foi convocado para prestar esclarecimentos sobre uma denúncia anônima que afirmava que ele teria “agido com falta de lealdade ao órgão PRF e com falta de moralidade administrativa”. O documento se baseava numa matéria intitulada “PSOL lança pré-candidatura de policial assumidamente gay ao governo de Goiás“, quando ainda estava sendo definido para qual cargo Fabricio concorreria; e uma declaração que ele deu durante palestra do Policiais Antifascismo no Forúm Social Mundial, em março na cidade de Salvador (BA), sobre como as “guerras às drogas” é danosa à instituição policial, já que ele também integra a LEAP Brasil, grupo de agentes da lei e da segurança pública que é favor da legalização das drogas.

“Mesmo licenciado, eu compareci à essa audiência, que foi super constrangedora, em que me questionaram se eu era alvo de homofobia dentro da instituição e eu disse que sim porque existe homofobia na sociedade e isso não é deslocado da PRF”, conta Fabrício. “Isso deixou a corregedoria com raiva porque eu estava sendo crítico à instituição”.

Fabrício é policial há 19 anos, tendo iniciado a carreira na Polícia Militar, corporação que acabou deixando cinco anos depois, sendo hoje oficial da reserva. “Para mim, a liberdade de expressão é um valor muito caro e, com a estrutura militar da PM, você não tem esse direito. Na PRF eu me encontrei porque é uma estrutura diferente que me permite atuar em diversos projetos voltados à cidadania e aos direitos humanos”, explica. “Eu já fui corregedor e o que é mais dolorido é terem me convocado sem ter cometido infração alguma, baseada em declarações públicas, o que mostra esse cerceamento de liberdade de expressão e que, por eu ser assumidamente gay e ter visibilidade com a minha militância, eu estaria manchando a instituição. Se a gente não critica a estrutura, como a gente vai melhorar enquanto sociedade, enquanto policial?”, questiona.

De acordo com o policial, o procedimento foi paralisado durante o processo eleitoral e seria retomado após o pleito. No entanto, até o momento não teve respostas. Ao Dia Online, na época, Eduardo Zampieri, do departamento de Assuntos Internos da Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal, havia declarado que “No procedimento administrativo ainda não há a aceitação de denúncia. É apenas uma análise, um pré-procedimento”.

Perguntado sobre o retorno do período da licença, Fabrício respira fundo durante a ligação e declara: “está sendo bem pior do que eu imaginei”. “Pessoas que antes me cumprimentavam, não me cumprimentam mais e isso está totalmente ligado à minha atuação. Na equipe de um dos projetos na PRF que eu tenho orgulho de ter criado, que se chama Policiais Contra o Câncer Infantil, em que vamos nos hospitais, fazemos doações e raspamos a cabeça em solidariedade às crianças, já não me deixaram participar representando a instituição”, exemplifica.

“A gente sente que há uma pressão dentro das corporações que já existia antes, mas que está pior agora, que é te colocar de escanteio. Nas operações que realizamos contra o tráfico de pessoas, contra a violência sexual infantil, eu começava a perceber que várias vezes colegas não queriam dividir o mesmo quarto que eu ou até mesmo integrar a mesma equipe”, prossegue.

Outro lado

Ponte entrou em contato com as assessorias de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, sobre o caso do investigador Alexandre Felix, e da Polícia Rodoviária Federal sobre o procedimento administrativo contra Fabrício.

Por telefone, a In Press, assessoria terceirizada da SSP-SP, informou que não havia conhecimento nem informação de que o investigador compareceu à Corregedoria da Polícia Civil, apesar da reportagem informar sobre o documento. Nesta terça-feira (11/12) a SSP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) enviou uma nota na mesma linha. “Não há na Corregedoria até o momento, qualquer procedimento instaurado contra o agente citado em relação a sua posição política. Não houve convocação na data mencionada”.

Já a assessoria da PRF de Goiás não respondeu até a publicação.

Comentários

A ARTE DE SOFISMAR II – Tigre do DOI-Codi diz que tortura é uma palavra muito pesada para as técnicas de interrogatório empregadas nos porões: “foi imposto sofrimento físico ao cara pra ele falar”…Democracia relativa: a gente tem toda a liberdade para mandar e desmandar; vocês toda a liberdade para obedecer! 36

Tiroteios e interrogatórios: a ditadura na visão de um militar do DOI-Codi

Fabrício Faria-09.set.2014/CNV
Coronel reformado Pedro Ivo Moézia de Lima em depoimento à Comissão Nacional da Verdade Imagem: Fabrício Faria-09.set.2014/CNV

Diego Toledo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

13/12/2018 13h43

Entre o final de 1970 e o início de 1972, o coronel reformado Pedro Ivo Moézia de Lima, hoje com 80 anos de idade, era o dr. Ítalo Andreoli. Então capitão do Exército, Moézia usava o codinome para atuar como chefe de uma das três equipes de interrogatório do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo durante a ditadura militar.

O órgão era comandado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que, na época, era major e usava o codinome dr. Tibiriça. Os DOIs foram criados em 1970 e se tornaram um símbolo do acirramento da repressão militar contra a luta armada após a decretação do AI-5 (Ato Institucional n° 5, de 1968), que completa 50 anos neste 13 de dezembro.

De acordo com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, um documento do DOI-Codi de São Paulo, de novembro de 1973, aponta que, dos 5.680 presos políticos que haviam passado pelas dependências do órgão, pelo menos 50 teriam sido mortos.

Entre 2013 e 2014, durante depoimentos à comissão, tanto Moézia como Ustra contestaram os números do documento e disseram que as mortes teriam ocorrido fora do DOI, em combates entre militantes da luta armada e agentes do órgão.

Agora, em entrevista ao UOL, o coronel Moézia — um dos poucos oficiais militares que atuaram no DOI-Codi de São Paulo ainda vivos — repete parte do que disse à Comissão da Verdade. O militar aposentado nega ter praticado tortura e que mortes tenham ocorrido no local. Mas novamente admite que presos foram submetidos a “sofrimento físico” para obtenção de informações.

Moézia defende que o “castigo físico” é parte da solução para a investigação de crimes e afirma que o AI-5 foi necessário para evitar que o Brasil aderisse ao comunismo. Amigo de Ustra, que faleceu em 2015, o coronel também lamenta que o presidente eleito Jair Bolsonaro, depois da vitória nas eleições, tenha parado de fazer elogios ao homem acusado de comandar sessões de tortura.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista do coronel ao UOL.

UOL – Qual foi o significado do AI-5 para o Brasil?

Coronel Pedro Moézia – O AI-5 foi um ato necessário para permitir que o governo realizasse aquilo que era preciso naquele momento. Foi um ato de força, de exceção. De todos os atos baixados, foi o mais violento, o que maior impacto causou sobre a vida nacional.

Mas foi muito importante porque nós vínhamos de um período de agitação crescente. Era para durar alguns meses e acabou ficando por dez anos. 
Os anos de 1968 e 1969 foram muito duros. À medida que a situação ia piorando, o governo tinha que empregar os seus meios para fazer o enfrentamento à guerrilha urbana e rural que pretendia comunizar o Brasil.

Como era o seu trabalho no DOI?

O trabalho era duro, cansativo, estressante. Eu fui pra lá no pior período. Toda semana havia tiroteio, muitas mortes, muitos mortos em ação. A gente saia pra cumprir um mandado de busca e éramos recebidos a bala. Apesar disso, dávamos toda a oportunidade para o cara se entregar vivo, porque precisávamos deles vivos.

Não tínhamos interesse em matar. Mas, quando você chegava lá, era recebido a tiros, e em uma desproporção enorme. O cara lá normalmente tinha um revolverzinho vagabundo, uma arma antiga, e atirava, e a gente ia com metralhadora, granada. Enfim, começou a atirar, não tem mais jeito. 

Fui para lá pra ser chefe de equipe de interrogatório. Eram três equipes, cada uma fazia um plantão de 24 horas e descansava 48, revezando em busca e apreensão e análise das informações.

À Comissão da Verdade, o senhor disse que nunca presenciou ou participou de sessões de tortura, mas imaginava que algumas realmente ocorreram. Essa afirmação se refere ao que acontecia no DOI?

O que eles insistiram em me perguntar lá foi sobre tortura. Houve tortura? E eu dizia o seguinte: institucionalizada, não. Eles afirmavam que vinha ordem lá do presidente para tortura, lá do general de Brasília. Isso não existe.

O trabalho de busca da informação é muito difícil. O cara sabe uma coisa que você precisa e não quer dizer. Eu nunca torturei ninguém. Nunca encostei a mão em um cara desse. Eu era chefe, tinha que me dar ao respeito, porque, se eu largasse o pessoal, ia virar bagunça. Eu nunca torturei.

Eu atirei neles, ajudei a matar alguns, mas em combate. A gente ia para busca e apreensão, para prender o cara e estourar aparelho, e lá era recebido a bala. Então, a gente tinha que atirar, e eu te garanto que acertei em muitos deles, que vieram a morrer.

Agora, você vem me perguntar: havia tortura? Tortura é uma palavra muito pesada, mas que foi imposto sofrimento físico ao cara pra ele falar, foi. Eu não fiz isso, mas, com certeza, isso acontecia por lá. Em todo lugar do mundo, isso acontece.

O senhor diz que sua equipe de interrogatório não torturava e usava técnicas de persuasão para extrair informações dos presos. Pode-se dizer que, nas outras duas equipes do DOI, os métodos eram mais violentos?

É mais ou menos isso. As equipes todas tinham um padrão de comportamento, e isso dependia muito do chefe. Tinha um capitão do Exército, que era o chefe e, na sua equipe, tinha tudo: delegado de polícia, oficiais da Polícia Militar e outros agentes que eram encarregados de conversar com o preso que caía.

As outras duas equipes primavam mais pela rigidez do interrogatório. A minha era diferente. Quando você está interrogando, o interrogado se coloca em uma posição em que está preparado pra reagir. Enquanto você não baixa esse orgulho, esse denodo que o cara tem em resistir, você não consegue muita coisa. 

Então, você tem que deixar o cara baixar um pouco a bola, ficar abatido, porque aí começa a haver uma submissão do cara. 

Os caras acham que só tinha porrada, não é isso, não. Lá, nós agíamos com humanidade. Afinal, somos humanos, temos sentimento, coração. Agora, somos profissionais: se tem que fazer, você tem que fazer.

Reprodução/Facebook
Carlos Lamarca, no centro, de preto, e o hoje coronel reformado Pedro Ivo Moézia de Lima abaixado em frente a ele Imagem: Reprodução/Facebook

Como era a sua relação com o coronel Ustra?

Fui pra o DOI um pouco depois dele. Eu reputo o coronel Ustra como o maior herói que nós tivemos nos últimos 50 anos. Ele era o comandante, responsável por tudo o que acontecia e, por isso, foi crucificado. O Ustra nunca torturou ninguém. Esse caráter miserável, maldoso que todos tentam pintar dele é mentira. Era um homem religioso, profissional. 

O Ustra nunca encostou a mão em ninguém. Ele não tinha tempo pra isso. O comandante não pode se misturar lá embaixo com o cara que está ralando. Ele dá apenas a orientação, diz o que quer. 

(Nota da reportagem: as palavras do coronel Moézia contrastam com os depoimentos de presos políticos da ditadura que dizem ter sido torturados com a participação direta do coronel Ustra, como o hoje vereador Gilberto Natalini e a militante política Maria Amélia Teles.)

Ele era meu amigo. No fim da vida dele, a gente se reunia toda semana, à noite, na casa dele, assava uma carninha, tomava um vinhozinho, e discutíamos as coisas que estavam acontecendo.

Esse retrato de que o Ustra era um sanguinário, violento, isso é conversa de cara que nunca nem sentou em uma cadeira de interrogatório e quer dizer pra todo mundo que foi torturado no DOI-Codi.

Eu tenho até estranhado que o Bolsonaro passou a vida política toda dele enaltecendo a figura do Ustra e, depois da vitória, não ouvi mais uma palavra. Talvez isso tenha sido recomendado para não reacender a chama de que ele é fascista. Mas eu gostaria de vê-lo, depois de eleito, voltar a falar sobre a importância do Ustra.

O coronel Ustra chegou a ser condenado a pagar uma indenização no caso da morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela prescrição do caso, mas ainda cabe recurso. O que o senhor diz sobre esse episódio?

O Merlino era uma figura simpática. Era um jornalista conversador, bom papo. Vamos colocar o Merlino como um subversivo. Lá, nós tínhamos os subversivos e os terroristas. Eram dois tratamentos diferentes. Com o terrorista, era um tratamento mais duro. Com o subversivo, era outro.

O Merlino não era terrorista. Pertencia a uma organização, mas era um subversivo. Ele gozava de um livre trânsito lá em cima, a gente chamava para conversar. Houve um pedido do Rio Grande do Sul e ele foi convocado para uma acareação em Porto Alegre. Teve um deslocamento rodoviário, e o que consta nos autos é que ele tentou se evadir e foi atropelado.

Essa história vem se arrastando durante esses anos todos, influenciada por certas organizações de esquerda que têm interesse nisso. Esses órgãos ficam insuflando, eles querem dinheiro.

(Nota da reportagem: a versão de que Merlino teria morrido por conta de um atropelamento foi contestada pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, segundo a qual o jornalista foi torturado e morto nas dependências do DOI-Codi.)

Mas há também indícios de que outras mortes ocorridas no DOI-Codi também foram omitidas. O senhor nega que isso tenha acontecido?

Essa é uma história muito grande, vasta. Eu posso te dizer o seguinte: durante o período que eu servi no DOI, em São Paulo, ninguém foi morto lá dentro. Houve duas mortes, se não me engano, de caras que se sentiram mal, tiveram um problema de coração e morreram. Esses caras morreram, mas não foi por causa de tortura. Lá, eu te garanto: não houve mortes, assassinatos.

(Nota da reportagem: como citado na introdução desta entrevista, a Comissão Nacional da Verdade aponta que pelo menos 50 presos teriam sido mortos nas dependências do DOI-Codi de São Paulo.)

No começo, falava-se muito da Rua Tutóia, onde os presos eram levados inicialmente, porque ali quem estava no comando antes era o Dops, de São Paulo. Lá, todo mundo sabe que não tinha brincadeira. O Fleury (delegado Sérgio Fleury, que chefiava o Dops) foi o criador do Esquadrão da Morte.

Nós, do Exército, não temos esse temperamento, de matar, de trucidar, de torturar. Mas, para o pessoal da polícia, o dia a dia deles obriga a lidar com bandido, com a vida em jogo. Esses caras desenvolvem um mecanismo de defesa que é a violência.

Mas o senhor chegou a dizer que Fleury foi o maior delegado que São Paulo já teve…

O Fleury foi o maior delegado que São Paulo já produziu, apesar dos métodos dele serem heterodoxos. Durante o período em que ele esteve em São Paulo, o índice de criminalidade estava abaixo até da linha do razoável, porque ele controlava, ele conhecia o submundo do crime.

O Fleury tinha muito cachorrinho, muito dedo-duro, caras infiltrados que ele deixava em liberdade, mas que, em troca, ele usava como informante. Quando ele queria mandar um recado, ele apagava uma meia dúzia, desovava os presuntos por aí e São Paulo voltava ao nível sob controle. Toda polícia faz isso.

Eu não quero dizer que nós éramos santos. Nós trabalhávamos profissionalmente. Havia sofrimento físico? Sim, havia. Se não usar isso, você não tira informações de ninguém.

Valter Campanato-09.set.2014/Agência Brasil
Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, o coronel da reserva confirmou a existência de “castigo físico” contra esquerdistas realizada pela Polícia Civil de São Paulo durante a ditadura militar (1964-1985) Imagem: Valter Campanato-09.set.2014/Agência Brasil

Defender esses métodos do delegado Fleury não é aceitar que o Estado cometa crimes? Isso é aceitável?

Nós somos um país atrasado. Você não pode querer comparar o Brasil com a Suécia, a Dinamarca, os Países Baixos. São outros povos, com mil, 2 mil anos de civilização. O que eles trazem dentro deles está lá dentro do coração e da cabeça deles. Nós somos atrasados.

Você não vai querer colocar aqui no Brasil a mesma Justiça da Dinamarca, da Suécia. São pessoas diferentes. Então, existem duas justiças? Eu acredito que sim. Existem duas democracias? Eu acho que sim. Existe a democracia pura, que é praticada quase na sua verdadeira grandeza em alguns países, e existe a democracia relativa.

É a teoria da sístole e da diástole do general Golbery do Couto e Silva. Se a situação aperta, você aperta também. Se a situação melhora, você solta. Você não pode querer o exercício da democracia no Brasil, com esse bando de ladrão, analfabeto e pessoas despreparadas.

O castigo ainda é uma parte da solução. Não só o castigo, há uma série de coisas que tem de vir junto: educação, saúde, segurança, assistência. Mas, se não houver algo mais duro, pra causar aquele choque, não vai melhorar nada.

A democracia é o melhor regime, mas, na minha opinião, tem que ser uma democracia relativa, diferente da Europa. Aqui, no Brasil, democracia é sinônimo de esculhambação.

O senhor também disse, à Comissão da Verdade, que havia uma espécie de comando paralelo nas operações militares. Como isso funcionava?

As operações que eram realizadas eram de conhecimento restrito no Exército. Muita gente não sabia o trabalho que a gente realizava lá. E, como não sabiam, dificultavam o trabalho do canal de informação.

Só pra dar um exemplo: nós tínhamos autorização do Comando do Exército para deixar o cabelo grande, barba, bigode. Nós tínhamos que ser pessoas comuns, tínhamos que estar misturados dentro do grupo social. Não podíamos cumprir nossa missão de cabelo raspado, de coturno, de farda, porque nós seríamos um alvo fixo. Para poder desempenhar o nosso papel, tínhamos que agir como civis. Mas tinha comandantes que não aceitavam isso. A gente ia lá, cabeludo, e não deixavam a gente entrar no quartel.

Essas pessoas que impediam o fluxo normal das informações eram deixadas de lado, às vezes até comandante. Então, havia, por assim dizer, um canal paralelo.

A coisa tinha que sair lá de baixo, da ponta da linha, e ir até lá em cima, no SNI (Serviço Nacional de Informações), sem interferência dessas pessoas. O comandante, às vezes, não sabia de nada, mas havia alguma coisa acontecendo lá dentro. O canal de informação era firme, seguro e de pessoas que estavam comprometidas com a linha mais dura.

Depois da redemocratização, muitos agentes do regime militar criticaram a maneira como a cúpula do Exército reagiu às denúncias de abusos no período. O senhor concorda com essas críticas?

Eu, inclusive, escrevi um artigo em que critiquei o posicionamento das Forças Armadas, dizendo que eles colocaram nossas cabeças numa bandeja e entregaram para os nossos inimigos.

Durante esse tempo todo, foram anos de silêncio, ninguém dizendo nada. Nós, na época, éramos heróis, cantados em prosa e verso. Nossa atuação era enaltecida pelos nossos comandantes na época. Recebemos prêmios. Eu, por exemplo, tenho a mais alta condecoração do Exército em tempos de paz: a Medalha do Pacificador com Palma, que só é concedida pra quem cumpre missões com risco de vida. No entanto, nós fomos abandonados por nossos comandantes.

Alguns acham que é uma posição que o Exército tinha que tomar, porque a situação não permitia que se dissesse mais nada, para não piorar uma situação de revanchismo que as Forças Armadas iam sofrendo. Então, o Exército adotou a política do silêncio. Isso, pra nós, foi terrível. Nós fomos massacrados.
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Muito honesto e sincero esse coronel!

Como se vê – segundos as palavras do eminente burocrata –  os facínoras pertenciam aos órgãos policiais. 

A ARTE DE SOFISMAR – General Heleno diz que peculato de até R$ 24.000,00 – por ser irrisório – excluiu suposto crime do futuro presidente 6

Valor “irrisório” isenta Bolsonaro em caso de ex-assessor, diz general Heleno

Antonio Cruz/Agência Brasil
O general da reserva e futuro ministro Augusto Heleno Imagem: Antonio Cruz/Agência Brasil

João Paulo Nucci

Em São Paulo

13/12/2018 03h35

O general da reserva Augusto Heleno Ribeiro Pereira, futuro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), isentou o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), de responsabilidade no caso das movimentações financeiras “atípicas” de um ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). “O presidente tá isento disso aí porque não teve participação. O que apareceu dele é irrisório, uma quantia pequena, e ele mesmo já explicou. Acredito que não vá atingi-lo”, disse Heleno em entrevista exibida na madrugada desta quinta-feira (13) pelo programa Conversa com o Bial, da TV Globo.

O jornal “O Estado de S.Paulo” revelou, há uma semana, que Fabrício de Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão no período de um ano, enquanto servia como assessor e motorista no gabinete de Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito, na Assembleia Legislativa do Rio. A movimentação na conta de Queiroz foi considerada “atípica” pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Na entrevista, Heleno ironizou a participação do órgão no caso. “Fico muito feliz que o Coaf tenha se manifestado, porque ficou em silêncio durante muitos anos, né? Tomara que ele seja mais ativo, que não deixe sair bilhões de dólares do país sem ninguém saber.”

Sobre a resolução do caso, o general disse estar “aguardando os acontecimentos” e os esclarecimentos dos “personagens principais” envolvidos.

“Os responsáveis vão ter que assumir a culpa. Se houver alguma penalidade, vão ser submetidos a essa penalidade”, afirmou Heleno.

Dentre os depósitos realizados por Queiroz está um de R$ 24 mil para a futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente eleito afirmou que o repasse se deve ao pagamento de um empréstimo que fez ao ex-assessor, no valor total de R$ 40 mil.

Direitos Humanos

Na entrevista à TV Globo, Heleno também comentou uma declaração recente sua, de que “direitos humanos são basicamente para humanos direitos”.

“Se tenho limitação em proporcionar direitos humanos, e temos essas limitações, porque somos um país ainda economicamente enfraquecido, moralmente enfraquecido, socialmente enfraquecido. Se tiver que canalizar o meu esforço de proporcionar direitos humanos pAra alguém, entre o cidadão que trabalha, sai de casa às 6h da manhã, volta às 10h da noite, encara um transporte público terrível, sofre todos os tipos de limitações na sua vida diária… Ele tem muito mais direito a ser pleno de direitos humanos do que um sujeito que é bandido, que está assaltando esse sujeito o meio da rua”, disse Heleno.

“O que a gente reclama é que muitas organizações de direitos humanos não vão no enterro do policial e vão chorar no enterro do bandido. Isso é uma distorção dos direitos humanos.”

Violência

Heleno ainda defendeu a proposta do governador eleito do Rio, Wilson Witzel (PSC), de “abater” com tiros disparados por atiradores de elite traficantes que estiverem portando fuzis.

“A ideia dessa regra de engajamento é dissuasória. Ou seja: quero desencorajar o sujeito de andar no meio de uma população inocente, onde há crianças, senhoras. Com que direito ele porta esse fuzil, debocha das forças legais, quando aquilo é um alto risco para inocentes?”

Desarmamento

Sobre a proposta da gestão Bolsonaro de facilitar o acesso da população às armas de fogo, Heleno disse que a restrição ao porte “não tem levado a nada”, já que ocorrem mais de 60 mil homicídios no Brasil por ano.

O general ainda fez uma analogia das armas com os automóveis, que também provocam milhares de mortes todos os anos. “Automóvel é uma arma na mão de quem não está habilitado. Vamos proibir o automóvel?”

Para Heleno, possuir uma arma em casa é uma atitude dissuasória, que pode desencorajar os crimes. “Esse é um tema polêmico, concordo que é polêmico. Se levar para um extremo, o cara vai dizer que vai sair todo mundo atirando em todo mundo. Então marido e mulher vão se matar em casa, qualquer briguinha… O cara vai pegar a arma e matar. Pô, então não vai ter faca mais em casa. Vamos dar dentada na maminha?”

Sobre a chacina ocorrida na Catedral de Campinas (SP) na terça-feira (11), quando um homem abriu fogo e matou cinco pessoas, Heleno afirmou se tratar de uma “situação extraordinária”.

“É o caso típico: a arma tava raspada. (…) Ele não comprou essa arma legalmente. O porte ilegal é muito mais perigoso que o legal.”

Transição

O futuro ministro-chefe do GSI revelou que está ansioso para tomar posse, em 1º de janeiro: “Nunca esperava que uma transição fosse tão demorada e tão difícil de acontecer. Achava que a gente ia entrar no vestiário, trocar de roupa, ia ter a preleção do técnico e vamos entrar em campo. Mas demora para caramba pra entrar em campo. E é chorado. Todo dia os problemas meio que se renovam. Acho que todos que estão vivendo essa fase estão loucos pro governo começar”.

Heleno disse ainda que vai ter certa dificuldade, como chefe da inteligência, de manter sigilo sobre as informações: “O GSI, por ser a cabeça do sistema brasileiro de inteligência, por tradição, por doutrina, todos aqueles (que fazem parte dessa estrutura) são soldados do silêncio. É uma coisa que eu não estou muito habituado. Eu tenho que fazer força pra ser soldado do silêncio. Eu gosto de falar. Acho importante a gente trocar ideia, nunca tive preconceito contra a imprensa”.

Ainda sobre a imprensa, o futuro ministro disse que havia uma “torcida”, no Brasil e no exterior, contra Bolsonaro. “A imprensa precisa voltar a ser um instrumento de informação, mais do que uma torcida por alguém. Toda a campanha do presidente eleito foi caracterizada por uma enorme torcida contra ele. Isso acabou prejudicando a visão do que estava acontecendo. Aconteceu também com o Trump.”


Honestidade intelectual não parece ser o forte dos homens fortes do futuro governo!