ERASMO CARLOS, MEU AVÔ JUAN E A MINHA PRIMEIRA GUITARRINHA 4

 

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Esta foto tem um significado muito especial desde os meus 5 anos.

Eu já sabia da existência de Roberto e Erasmo Carlos ; também dos Beatles .

Era um massacre: em toda esquina tinha alguém com um vitrola no quintal tocando discos de Ié , Ié, Ié .

Ainda não sabia o que era o objeto vermelho pendurado no pescoço do Tremendão, mas já fabricavam roupas infantis com a marca dele.

Era o tal estilo Tweed ;  eu achava que era pra dançar quadrilha em festa junina.

Não sabia o que era aquilo até aquele dia.

Lembro que foi em um domingo, acho que a minha mãe depois da feira passou na banca para comprar jornal e a revista Intervalo (trazia a programação das redes de televisão ) .

Não lembro quem no prédio que residia falou que era a tal “guitarra elétrica” barulhenta. ,

A partir desse dia passei a fazer da vida do eu pai um inferno: queria uma de qualquer jeito e a qualquer custo.

Diga-se de passagem, desde então eu infernizo a vida de um monte de gente! 

O meu pai, não suportando eu ficar agarrado nas calças dele pedindo a tal guitarra, foi ver o preço em Santos, mas para minha decepção voltou dizendo que era um valor absurdo e ainda teria que comprar um aparelho (um amplificador que na época eram todos valvulados) , que era ainda mais caro do que a guitarra que sem ele não serve pra nada!

Aliás, mesmo nos dias de hoje, um bom amplificador valvulado é mais caro do que um bom instrumento. 

Lembro exatamente a quantia e as palavras dele: é coisa pra gente profissional …

COM MEIO MILHÃO eu compro um Fusca ( 1965 /66 ).

Acho que ele exagerou, com toda certeza nenhuma loja em Santos vendia guitarras e amplificadores americanos (Fender ) . 

Que eram tão caras que nem sequer o Roberto e Erasmo Carlos possuíam.

O modelo da foto é nacional de uma industria que eu me nego a dizer o nome, pois nunca respeitaram o consumidor por praticamente monopolizar o mercado.

E nada dessa marca prestava, embora tudo fosse vendido a preço de ouro!   

Continuando, fui infernizar o meu avô para que ele fizesse uma.

E exigia dele que a fizesse na hora! 

Falou que iria fazer, mas levaria algum tempo pra ele se informar como poderia ser feita. 

E pegou essa a foto – era a capa da revista – foi a uma loja de um outro português que ele conhecia há anos (A Musical na Praça Mauá em Santos);  tirou medidas e fez uma guitarra igualzinha, mas o corpo um pouco mais espesso e oco como um violão.

O meu pai deu o dinheiro para comprar as madeiras e as peças que não poderiam ser feitas por ele. As cordas, tarraxas, plástico para fazer a placa e botões que foram colados para aparentar ser elétrica.  

Curiosamente, de alguns anos para cá todas as fábricas fazem instrumentos acústicos (sem necessidade de ligar a amplificador), como o mesmo formato das então guitarras futuristas (na época eram meio estrambólicas, assimétricas).

MAS ACREDITO QUE A MINHA SE NÃO FOI A PRIMEIRA GUITARRINHA/VIOLÃO DO MUNDO, CERTAMENTE FOI A PRIMEIRA DO BRASIL.

Infelizmente, com o tempo a madeira foi se deteriorando e as diversas partes se desprendendo.

O meu avô era algo mais do que um funileiro.

Ele fazia artesanalmente radiadores de cobre , para refrigeração de automóveis, caminhões e embarcações. 

Um carro do tipo Jaguar , dos anos 1940, ele fazia todas as partes da carroceria moldando as chapas de aço no martelo e espécies de rolo do tipo de macarrão, enormes e feitos com tronco de árvores.

E sem usar o fogo dos então modernos aparelhos de solda com os tubos de oxigênio da White Martins combinado com carbureto.

Quando usava necessitava de calor, fazia fogo de carvão ou madeira, tinha uma espécie de forno. E assoprava um tubo que direcionava a chama…kkk

Além de uma espécie de fole que ficava pisando para, também distribuir o calor. 

Era um método já muito antiquado para os anos 1960, mas colecionadores   da Capital traziam veículos para ele fabricar portas, laterais e tudo que estivesse destruído e sem peças para substituição. 

Ele demorava, mas entregava no prazo que marcava. 

As soldas eram feitas com uma liga composta por cobre e estanho. Enfim, ele nem sequer admitia ser chamado de “lanterneiro” ou “funileiro “, recebia como ofensa e dizia que não era passador de massa plática e nem trocador de peças.

Era um verdadeiro artista, não sei se havia uma denominação específica.

Enfim, o meu avô  –  que era uma espécie de ferreiro mais qualificado – fabricou, em madeira, a minha primeira guitarra tendo por modelo essa do Erasmo Carlos. Uma cópia brasileira da Fender Jaguar ( Adulto consegui, por acaso, uma original Americana,  modelo 1965).  

Comprei apenas em razão dessa minha história de infância. 

Tristemente, o grande responsável pela minha eterna paixão musical, horas atrás, faleceu com bem vividos, apesar de algumas tragédias que suportou, 81 anos.

Não subestimem o GIGANTE GENTIL ( 1m93 ) , seu apelido!

Ele está para Roberto Carlos assim como John Lennon para Paul McCartney.

Sempre preferi Erasmo, obviamente.

Era mais roqueiro, despojado e mais criativo.

E as melhores canções da dupla foram compostas por ele.

Enfim, quem criou, em 1969, uma canção como ” Sentado à Beira do Caminho, embora co – creditada por razões contratuais, não precisava provar nada pra ninguém.

Descanse em paz!

QUE EU CONTINUAREI SENTADO À BEIRA DO CAMINHO…Não sei até quando!

Eu não posso mais ficar aqui a esperar

Que um dia de repente você volte para mim

Vejo caminhões e carros apressados a passar por mim

Tô sentado à beira de um caminho que não tem mais fim

Meu olhar se perde na poeira desta estrada triste

Onde a tristeza e a saudade de você ainda existe

Esse sol que queima no meu rosto um resto de esperança

De ao menos ver de perto seu olhar que eu trago na lembrança

Preciso acabar logo com isso

Preciso lembrar que eu existo, que eu existo, que eu existo

Vem a chuva molha o meu rosto e então eu choro tanto

Minhas lágrimas e os pingos dessa chuva

Se confundem com meu pranto

Olho pra mim mesmo, me procuro e não encontro nada

Sou um pobre resto de esperança na beira de uma estrada

Preciso acabar logo com isto

Preciso lembrar que eu existo, que eu existo, que eu existo

Carros, caminhões, poeira, estrada

Tudo tudo se confunde em minha mente

Minha sombra me acompanha

E vê que eu estou morrendo lentamente

Só você não vê que eu não posso mais ficar aqui sozinho

Esperando a vida inteira por você sentado à beira de um caminho

Preciso acabar logo com isso

Preciso lembrar que eu existo, que eu existo, que eu existo