Especialistas consideram populista proposta que torna corrupção crime hediondo 7

O GLOBO

08 Jul 2013

DEPOIS DOS PROTESTOS

Juristas dizem que mudança é inócua; mecanismos de controle, celeridade e garantia de julgamento dos réus seriam mais eficazes

Tatiana Farah

SÃO PAULO

Apoiada pela presidente Dilma Rousseff e aprovada com alarde pelo Senado, a proposta de uma lei que torna a corrupção crime hediondo é severamente criticada por juristas e especialistas no combate aos crimes de colarinho branco. A medida ganhou força com os protestos que tomaram as ruas do país, mas os juristas a consideram “populista” e “inócua”. Além do projeto de lei do senador Pedro Taques (PDT-MT), que tramita no Senado, na semana passada a Câmara dos Deputados aprovou a votação em urgência de um projeto de lei, proposto pelo governo em 2009, que também rotula a corrupção como hedionda e aumenta as penas para esse tipo de crime.

– É uma medida de populismo penal. Dá uma certa satisfação à opinião pública, mas é pura ilusão – avalia o chefe do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), Renato de Mello Jorge Silveira.

Silveira coordena um grupo de estudos sobre a corrupção na USP e, em sua avaliação, “os instrumentos de controle são melhores que a punição”. Para ele, seria muito mais eficaz também que os processos que envolvem esses crimes ganhassem celeridade e que fosse cumprida a Meta 18 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que pede aos tribunais que julguem todos os casos abertos até 2011 ainda este ano.

O jurista diz ainda que a transformação dos crimes de homicídio qualificado, estupro e sequestro, entre outros, nos anos 90, não resultou na diminuição dos casos.

– Não é estabelecendo uma classificação mais dura que se resolve. E de que corrupção essa lei vai tratar? A da grande corrupção ou aquela inerente ao chamado “jeitinho brasileiro”? Vai se estabelecer um valor para a grande corrupção? – questiona Silveira.

Pelo projeto de lei do Senado, os crimes de corrupção ativa e passiva, além de outros contra a administração pública, teriam suas penas mínimas (de um e dois anos) duplicadas. Com isso, a possibilidade de o condenado ir, efetivamente, para a prisão, seria maior. Já pelo projeto que tramita na Câmara, alguns desses crimes teriam sua pena máxima, de 12 anos, ampliada para 16 anos.

“DEMAGÓGICA E ANTIJURÍDICA”

O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Nelson Calandra, concorda com Silveira:

– O hediondo deve ser reservado à grave lesão dos direitos humanos. Muitas leis feitas sob o rufar de tambores não atingem a finalidade para a qual foram criadas.

Para Calandra, em vez de fazer leis desse tipo, o Congresso deveria votar com rapidez a Proposta de Emenda Constitucional 15, conhecida como PEC dos recursos. Por ela, os réus condenados por crimes graves são obrigados a começar a cumprir suas penas a partir das decisões colegiadas ou de segunda instância e não só depois de todos os recursos serem julgados, o que se arrasta por anos.

O criminalista Técio Lins e Silva é ainda mais rigoroso com as propostas de mudança na Lei dos Crimes Hediondos (8.072/90). Para ele, a medida é “demagógica, antissocial e antijurídica”:

– Hediondos são os senadores que aprovaram essa lei. Isso é surfar na onda das manifestações, querendo usar o Código Penal de prancha. O que combate a corrupção é a mudança de práticas, o controle adequado e políticas públicas que não transijam com a malandragem.

O constitucionalista André Ramos Tavares (docente da USP, PUC-SP e Mackenzie) afirma que a mudança é inócua para a solução do problema:

– Temos um sistema recursal muito grande, com muitas brechas que permitem ao réu protelar ao máximo a sentença e o cumprimento da pena.

O tema também poderá ser questionado do ponto de vista constitucional porque a lei não pode ser desproporcional, dando caráter de hediondo, por exemplo, ao caso de um guarda que recebe propina para liberar um carro de uma multa ou nas situações de excesso de exação (abuso na cobrança de tributos). Questionado se deveria, então, se estabelecer um piso de corrupção para que o crime seja considerado hediondo, o jurista questionou:

– Criaríamos uma espécie de taxa de moralidade?

Claudio Abramo, diretor da Transparência Brasil, considera a proposta de mudança “absurda”:

– Embora a corrupção seja um crime sério, não pode ser comparada ao estupro de uma criança ou a um genocídio. E o pior: você pode aumentar as penas, mas de nada adiantará se as pessoas não forem punidas.

Para ele, o que garante o combate à corrupção, além dos mecanismo de controle e a mudança do sistema administrativo, é a celeridade e a garantia de julgamento dos réus:

– Não é o tamanho da pena que faz o sujeito recuar. É o aumento do risco de ser julgado e ter, de fato, de cumprir pena.

Manifestações garantem projeto Garantia da Lei e da Ordem (GLO) dando plenos poderes às Forças Armadas, sob o comando do Exército, para atuar com poder de polícia 11

Segurança será reforçada

08 Jul 2013 – O GLOBO

JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

Após onda de protestos, Forças Armadas aumentam contingente para visita do Papa

Antônio Werneck

Importantes mudanças na estratégia de defesa que as Forças Armadas vão pôr em prática durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) revelam que aumentou o nível de preocupação com a segurança do Papa Francisco depois das manifestações que se espalharam por todo o país. Para os responsáveis pela segurança do evento, que acontecerá de 23 a 28 de julho e deverá atrair ao Rio cerca de 2 milhões de pessoas, o cenário mudou com os protestos. Agora, quando o pontífice desembarcar na cidade, no próximo dia 22, haverá mais gente ao seu redor.

Inicialmente, o planejamento do esquema previa a presença nas ruas de uma tropa de 12 mil homens, sendo 8.500 das Forças Armadas. Mas o número será maior: somando os contingentes de Exército, Marinha e Aeronáutica, serão agora 9.700 militares, com a missão de ocupar os lugares estratégicos e prestar toda a segurança ao Papa, além de patrulha reforçada no ar e no mar.

Também ficou acertado numa reunião, semana passada, na coordenação geral da Divisão de Exército (DE), na Vila Militar, que cerca de 400 homens da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada farão a segurança do palco onde o Papa Francisco rezará a missa no encerramento da JMJ, em Guaratiba, na Zona Oeste. Eles dividirão o trabalho com policiais federais e a guarda pessoal de Francisco. Os militares deixarão a farda no quartel e vão trabalhar de terno.

A Polícia Militar do Rio, que ainda não fechou o número oficial de agentes que irão às ruas durante a Jornada Mundial da Juventude, já trabalha com a possibilidade de mobilizar mais de 6.500 homens e mulheres, trabalhando em regime adicional de serviço (que permite a remuneração do policial que trabalha fora da escala), além da interrupção de cursos, férias e licenças. A PM estará de prontidão com suas tropas especializadas para o caso de ocorrerem manifestações.

– Preocupam manifestações que abordem temas considerados tabus da Igreja, como aborto, uso de camisinha e casamento gay – informou um oficial envolvido no planejamento da segurança do pontífice.

Outro detalhe que revela o aumento da preocupação e a mudança de cenário para a visita de Francisco ao Rio é a decisão do general de divisão José Alberto da Costa Abreu, comandante da 1ª Divisão de Exército (DE) e coordenador de Defesa de Área da JMJ, de deslocar para o Rio parte importante do contingente da 4ª Brigada de Infantaria Leve (Montanha) que ficaria inicialmente de prontidão em Juiz de Fora (MG).

Outra medida que eleva o patamar da segurança para a Jornada já está em Brasília: o esboço do projeto da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que será ativado em Guaratiba, com a presença do Papa Francisco no Campus Fidei. A GLO dará plenos poderes às Forças Armadas, sob o comando do Exército, para atuar num raio de sete quilômetros com poder de polícia. Para ser posta em prática, a medida precisa ainda ser assinada pela presidente Dilma Rousseff.

O Exército tem previsão de usar 410 viaturas, sendo 360 operacionais e 50 administrativas, com a missão de ocupar 14 instalações estratégicas e pontos de interesse relacionados à produção e à distribuição de água, à produção, geração e distribuição de energia elétrica e às estruturas de transporte e de telecomunicações. Isso porque qualquer falha numa dessas estruturas prejudicaria o desenvolvimento da JMJ ou causaria graves transtornos para a população. Haverá ainda reforço na defesa aeroespacial e no controle do espaço aéreo, na defesa cibernética, na defesa da área marítima e fluvial e na defesa química, biológica, radiológica e nuclear. Equipes especializadas, militares e policiais treinados para ações de pronto emprego já estão realizando operações de prevenção, repressão e combate ao terrorismo, com o uso de helicópteros e ações nas fronteiras.

ESCUDO DE MÍSSEIS E BATERIA ANTIAÉREA

A Marinha informou que o comando do 1º Distrito Naval também vai aumentar sua presença na área marítima. Serão empregados cerca de 2.200 militares, seis navios, 20 embarcações de apoio, 115 viaturas operativas, oito blindados e três aeronaves. A Marinha realizará ainda ações de inspeção naval e patrulha na orla do Rio e nas baías de Guanabara e Sepetiba, bem como na costa de Angra dos Reis, na área marítima da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (usinas nucleares Angra 1 e Angra 2). Equipes de operações especiais dos fuzileiros navais estão preparadas para atuar no combate ao terrorismo e na defesa nuclear, biológica, química e radiológica.

Equipes da Aeronáutica ficarão responsáveis pela vigilância de todo o espaço aéreo do Rio, devendo mobilizar cerca de mil agentes no patrulhamento aéreo. Estarão de prontidão caças F-5 e Super Tucanos, além de um escudo de mísseis e uma bateria antiaérea, que ficarão em pontos estratégicos, como a Base Aérea de Santa Cruz. Os aviões serão acionados se uma aeronave não autorizada entrar no espaço aéreo da cidade.