Marcelo Vieira Salles critica discurso político linha-dura e diz que policial sofre consequência
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FOLHA DE SÃO PAULO
“Não há mais jagunços”. É assim que o comandante da Polícia Militar de São Paulo, Marcelo Vieira Salles, 52, resume sua crítica à política de incentivo à violência policial como forma de combate à criminalidade.
Em recado à própria tropa, diz que o policial precisa resistir a esse discurso porque, no final, as consequências recairão sobre ele. “Será ele quem vai responder diante ao júri.”
Esse tipo de posicionamento quase custou a Salles o comando da PM. Na campanha eleitoral de 2018, ele criticou a declaração do ex-prefeito e hoje governador João Doria (PSDB) de que, na gestão dele, a polícia atiraria para matar
O comandante da Polícia Militar de São Paulo, Marcelo Vieira Salles, concede entrevista à Folha em seu gabinete – Gabriel Cabral/Folhapress
Caso raro na PM, Salles resistiu à troca de governo e de secretário de Segurança Pública. Desde que assumiu o cargo, ainda na gestão Márcio França (PSB), em 2018, assiste à queda de homicídios intencionais, roubos e furtos de veículos e roubo de carga.
Qual dos índices de violência de 2019 o senhor considera mais positivos? O maior patrimônio que temos é a vida. Sem dúvida, a diminuição dos homicídios. E a redução dos crimes patrimoniais. Quando você evita que seja subtraído um bem da pessoa, aquele veículo que ela custou a comprar, ou você devolve, é uma satisfação muito grande.
Houve queda da maioria dos índices de violência, mas aumentou da letalidade policial. Por quê? Há preocupação do comando quanto a isso? Há uma grande preocupação da instituição em todas as situações em que há o evento morte, seja por parte do infrator, seja ele por parte dos policiais ou na morte de policiais no atendimento de ocorrências.
O desejável é que não morra ninguém. Mas sempre digo: a opção do confronto é do infrator. A pessoa quando sai de casa armada com um revólver, uma pistola ou às vezes um fuzil não está com as melhores intenções. Quando a polícia vai prendê-la e ela reage, o policial tem que se defender e defender a população.
Por vezes, a repercussão disso é a morte. A guerra contra o crime por vezes tem efeitos que não gostaríamos de produzir. Nem o nome guerra é bonito. Mas temos que defender [a população], cumprir a nossa missão constitucional.
Há incentivo à violência policial, inclusive de agentes públicos. Esse tipo de discurso interfere no trabalho do policial na rua? Há todo um cuidado do comando da Polícia Militar, da instituição, para combater esse tipo de incentivo. A Polícia Militar é legalista. Nós não podemos, sob hipótese alguma, sob argumento nenhum, descumprir a lei.
Eu não gosto desse tipo de discurso. É um discurso fácil, é um discurso que tem eco na nossa sociedade. Talvez um dos motivos seja a sensação da impunidade. A sociedade, por conta a impunidade, quer uma resposta rápida e, às vezes, o Estado não dá.
Às vezes o cidadão fala, como já falaram para mim uma vez: “vocês matam muito pouco, tinham que matar mais”. Isso foi em 2017. Estávamos numa pizzaria, quem disse foi um senhor que estava na mesa, amigo de um amigo nosso. E minha mulher até me cutucou, viu que eu não gostei. Respondi a ele que as coisas não são assim. E ele repetiu. “Não, vocês matam muito pouco, tinham que matar mais”.
Aí, perguntei: “Como o senhor acha que nós deveríamos matar? Afogado? Estrangulado?”. Isso depõe contra a instituição. Não existem mais os jagunços. Somos uma instituição técnica, profissional.
Nosso policial não entra para isso. Ele entra para ganhar o pão dele, sustentar a família. Mas é uma função técnica.
Temos que tomar cuidado, porque quem vai sentar no banco dos réus é o soldado da radiopatrulha. Esse é quem vai responder perante ao júri.
Na época de Paraisópolis [quando nove pessoas morreram pisoteadas durante intervenção policial em um baile funk em dezembro], o senhor disse algo sobre “Não espere reconhecimento daqueles que não conhecem o cheiro da pólvora”. O que quis dizer? Essa expressão usei na formatura de soldados da Polícia Militar. Nós vínhamos sobre uma bateria muito pesada de críticas. Críticas muito duras e injustas, em alguma medida, do trabalho da polícia.
Às vezes você nota que alguns comentaristas, não tem a melhor informação, mas começam a opinar. Gente, nós estamos falando de uma instituição que perdeu, em 2019, 36 homens e mulheres trabalhando. Eu notei um desânimo de alguns policiais naquela formatura. O meu papel como comandante é motivar, é impelir, é pedir, é convencer, é falar, é trazer todo mundo junto para um objetivo só. Isso é um dos papeis de qualquer comandante.
Talvez, tenha até exagerado, mas aquilo saiu como uma forma de falar: ‘senhores, senhoras, não esperem reconhecimento daqueles que não conhecem o cheiro da pólvora ou o calor dos incêndios.”
Os índices de violência estão caindo, mas pesquisas apontam que a sensação de insegurança nas pessoas ainda continua em alta. Isso tem explicação? Primeiro, o brasileiro é meio cético em relação a dados que venham do poder público. Nós temos uma dificuldade, e não é uma crítica à imprensa —por princípio, eu respeito e defendo a possibilidade de ser falado, a liberdade de imprensa é fundamental. Por vezes, ao meu olhar, em algumas situações, injustas, quando você tem uma ocorrência grave e começam ser veiculadas imagens de outras ocorrências que não têm nexo causal com o resultado daquela ocorrência específica.
Para tumultuar? Querem impor uma narrativa que não houve. Na coletiva do caso de Paraisópolis, às 10h do domingo, quando as informações chegaram à imprensa, não havia ainda imagens disponíveis da ocorrência. Começaram a divulgar vídeos de situações de outros locais, de outras datas [um vídeo de abuso gravado semanas antes circulou como se fosse do episódio corrente].
Caso gravíssimo, de abuso policial, mas quem não olhava de maneira atenta, achava que era daquele evento. Na entrevista coletiva fiz questão de falar isso. Cuidado. É isso que, por vezes, questiono, não concordo com esse tipo [de jornalismo]. Porém, temos que respeitar a liberdade de imprensa.
O senhor está dizendo que sensação de insegurança das pessoas se deve a informações equivocadas que a imprensa divulga? São exageradas. Nós temos 5,5 homicídios [por grupo de 100 mil habitantes] na cidade de São Paulo. Aí, você tem um problema grave, e você faz 10, 15, 30, 35 inserções daquele problema grave.
A pessoa fala: ‘não vou pra São Paulo, está perigoso. Eu vou pra Chicago.’ Chicago tem 20,8 homicídios por 100 mil habitantes [em 2018].
Dizem: “Nos EUA que é bom”. Washington, a capital do país mais rico do mundo: 22,8 por 100 mil habitantes. Nós estamos melhor do que Las Vegas, Los Angeles, Washington, Chicago. Eu até entendo. É notícia que vende.
Não estou falando em cerceamento não. Tem que falar. Total liberdade de imprensa.
O que acha de armar a população como forma de combater o crime? É preciso olhar sob alguns aspectos. Pelo aspecto técnico, policial: quanto menos arma, melhor. Agora, você tem que lembrar que a legislação brasileira é nacional. Nós não podemos ter como base a cidade de São Paulo, com 12 milhões de habitantes, com um número imenso de delegacias, uma polícia com 86 mil homens.
Como é que nós falamos lá no Alto Solimões? Será que quando a pessoa precisar, o Estado brasileiro vai estar lá? Será que a polícia, a Polícia Militar, a Polícia Civil, vão estar lá quando ele ligar para o 190? Sabemos de rincões no Brasil que se demoram horas para chegar de barco. Por isso que há pessoas que falam de legislação nacional e tem como base o minimundo que moram, que elas convivem.
Se fosse presidente, o que tentaria mudar na segurança pública? Tentaria agilizar uma resposta aos infratores da lei. Tive a oportunidade, em 2001, de frequentar um curso nos EUA. Lá, o processo é sumaríssimo. Então, você tem a prisão, se for ainda no horário de expediente, a instrução dos autos que tem em mãos, de autoria e materialidade, se tiver todos disponíveis ali, o promotor de Justiça já oferece a denúncia.
Tem a instrução criminal, já oferecida a denúncia e já responsabilizado. Nos casos que se tem indícios claros de indício e materialidade. Acho que isso seria um avanço gigantesco. Seria um grande inibidor do crime essa resposta.
O número de fuzis apreendidos pela polícia aumentou em 22% no estado de São Paulo entre 2018 e o 2019Divulgação/SSP
Que leis precisariam mudar? Às vezes a lei entra em vigor, tem sua repercussão e ninguém fala sobre ela. A lei antidrogas é de 2006. Os legisladores da ocasião entenderam que o porte de entorpecente não seria crime, entendo que é um problema de saúde pública. Perfeito. Mas, o que se colocou no lugar? Você tinha o controle policial, o controle da Justiça quando era criminalizado… Não discuto a intenção, mas eu peço uma reflexão dos resultados da lei antidrogas.
A cracolândia, ao seu ver, é fruto dessa mudança legal? É um assunto a ser discutido. Nós não tínhamos esse teatro dantesco. De pessoas errantes. Acho que deve ser feita uma análise, muito detida, de como assistir essas pessoas. É um flagelo.
É contra a liberação das drogas? Pode ter um efeito perverso. Sou contra a descriminalização das drogas. Principalmente, por essa experiência. Qual será o controle disso? Nós temos que ter cuidado para não criar titãs incontroláveis. O pai medonho de todos os crimes é o tráfico de drogas. A mãe é a impunidade.
O que senhor pode falar sobre reajuste salarial [os salários dos policiais de SP estão entre os mais baixos do país]? O policial militar ainda ganha mal. Mas não é de hoje. Então, há necessidade de recomposição salarial, o governo tem plena consciência disso.
Ele [o governador João Doria, do PSDB] declarou, e vem fazendo os melhores esforços nesse sentido, no que tange melhorar a arrecadação, a parte fiscal. Tenho contato com ele todas as quintas-feiras. Sinto nele o maior interesse, até para poder cumprir a promessa dele, de que irá recompor o salário.
Nós tivemos um aumento de 5%, o governador conhece os números, declarou para todos que foi o possível.
Acredito que o governador, ao final dos quatro anos, colocará o salário do policial militar entre os melhores do país, um vencimento que o policial mereça. O policial precisa, o policial espera e o policial merece.
Após formados, os novos profissionais reforçarão o efetivo das delegacias na capital e no interior de São Paulo
Sáb, 01/02/2020 – 10h02 | Do Portal do Governo
O Governador João Doria nomeou 250 aprovados em concurso público para a carreira de delegado de polícia. As nomeações foram publicadas na edição deste sábado (1º) do Diário Oficial do Estado (DOE).
A próxima etapa será a posse dos nomeados, que deve acontecer em aproximadamente 15 dias. Em seguida, os novos policiais iniciarão o curso na Academia da Polícia Civil (Acadepol).
Após a formação, os alunos passarão por um período de estágio probatório. Os novos policiais serão designados para reforçar o efetivo das unidades da polícia civil de todo o Estado.
Reforço de efetivo
Atualmente, já estão em formação mais de 1,4 mil novos policiais civis, sendo 166 papiloscopistas, 109 auxiliares de papiloscopista, 239 agentes de telecomunicações, 312 agentes policiais e 617 escrivães.
Além disso, há concursos em andamento para preencher 600 vagas de investigadores da Polícia Civil. A distribuição do efetivo é feita após a formatura, com o objetivo de programar a reposição dos profissionais
SÃO PAULO, SP – Janeiro chegou com uma boa notícia para os aprovados nos concursos para investigador e delegado de polícia de São Paulo. O estado homologou as seleções, realizadas pela última vez em 2017.
A novidade, no entanto, não torna mais próxima a nomeação dos aprovados, diz Raquel Gallinati, presidente do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de SP).
“A homologação foi feita, mas ninguém foi chamado ainda. Não existe nem expectativa de posse, porque os prazos começam a contar apenas a partir da nomeação.”
Segundo dados de dezembro de 2019 do Defasômetro, índice da entidade que mede a ocupação das carreiras da Polícia Civil, há hoje um déficit de 3.562 investigadores e 945 delegados de polícia em São Paulo.
A Secretaria da Segurança Pública afirma que, do concurso de 2017, 1.815 aprovados foram nomeados em novembro de 2019 e que, deste total, 1.453 compareceram à posse em dezembro e já estão na Acadepol (Academia de Polícia).
No entanto, ainda não há um prazo para a nomeação e a posse do restante dos aprovados nos concursos de 2017.
“Está em andamento a nomeação dos outros 850 aprovados, sendo 250 para vagas de delegados e, 600, de investigadores.”
A SSP diz ainda que foi autorizada a abertura de mais 2.750 vagas para concursos da instituição, sendo 250 delegados, 900 investigadores e 1.600 escrivães. Os editais, afirma a pasta, devem ser lançados ao longo deste ano.
Estado informa que autorizou a contratação de 20 mil novos policiais
A falta de policiais civis nos distritos de Campinas fez com que agentes rodoviários esperassem cerca de 13 horas para apresentarem um flagrante por embriaguez ao volante (veja texto nesta página), na noite de anteontem. Os policiais chegaram na 2ª Delegacia Seccional às 20h20, mas só começaram a ser atendidos por volta das 9h20 da manhã de ontem. Eles passaram a noite toda com o preso e não puderam sequer descansar. Eles deixaram a unidade por volta das 10h30. O motivo da demora foi o grande número de flagrantes e de atendimentos que havia na unidade, somado ao déficit de policiais civis e a sobrecarga dos serviços pelos agentes. Além de atender ao público, eles também tiveram de levar custodiados para fazer corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML).
A falta de policiais civis no Estado não é uma queixa atual. O déficit de agentes na instituição já leva cerca de dez anos, mas nos últimos meses, segundo o presidente do Sindicato dos Policiais Civis da região de Campinas, Aparecido Lima de Carvalho, a falta de efetivo tem sido cada vez maior e se agrava, ainda mais, com a reforma da previdência e o PLC (Projeto de Lei complementar) 80/19, que impulsiona muitos policiais civis a solicitarem suas aposentadorias temendo perda de direitos.“Aproximadamente 40% do efetivo já têm condições de se aposentar. Ou seja, a Polícia Civil está velha e o Estado não repõem seu efetivo”, comentou Carvalho.
Além disso, segundo os policiais, a falta de funcionários se dá também pelo baixo salário que tem desestimulado tanto quem está na instituição como quem quer entrar, já que outras profissões, financeiramente, são mais vantajosas.
Somente na 2ª Delegacia Seccional, que atende cerca de 60% da demanda da cidade, responsável pelos distritos de Aparecida, Ouro Verde, Campo Grande e regiões do São José, Campos Elíseos e Campo Belo, registra uma média de 24,38 ocorrências por dia, incluindo flagrantes.
Em 2019, a unidade registrou 7.850 boletins de ocorrências, incluindo o atendimento de cerca de 800 flagrantes. Quando a unidade foi inaugurada, em 2014, cada plantão contava com quatro agentes para o atendimento, dois delegados, dois escrivães e uma agente de telecomunicações.
Atualmente esse quadro reduziu em 50%. Cada turno, trabalha com um delegado, um escrivão, dois investigadores, que atendem o público, e uma agente de telecomunicações, além dos agentes que trabalham no setor administrativo durante o expediente.
Além de atender as ocorrências simples e flagrantes, os policiais são obrigados a parar o atendimento e levar drogas no Instituto Criminalístico (IC), presos para exames de corpo de delito no IML, locais de crimes, como homicídio, suicídio e de acidentes com vítimas fatais e também levar presos para cadeias. O transporte de custodiados tem que ser feito separado por sexo e idade. Ou seja, adolescentes não podem ser colocados na mesma viatura de um maior.
“Infelizmente o policial que está no atendimento tem de parar tudo e se deslocar para o IC, IML, pois não há funcionários. Isso gera uma morosidade enorme no trabalho e a população não quer saber, ela quer ser atendida. Muitas pessoas saem das unidades dizendo que vão fazer queixa na corregedoria”, disse um policial, cujo nome foi preservado.
Na noite de anteontem, a unidade registrou a apreensão de quatro menores e a prisão de três maiores em ocorrências distintas. Em todos os casos, os detidos precisaram ser encaminhados ao IML para exame de corpo de delito. Como a remoção de presos era feito pela equipe do “Bonde”, desde o dia 20 deste mês, por falta de funcionários, o serviço passou a ser feito pelos policiais que estão nas unidades, ou seja, plantonistas que estão no atendimento.
O Bonde, que trabalha com apenas duas equipes, se reveza durante o expediente. “Diante do paradoxo, o que o governo poderia e deveria adotar era um plano ‘B’, como, por exemplo, contratar policiais aposentados para serviços administrativos, desafiando desta forma, os policiais civis que estão em desvio de função”, comentou Carvalho.
A falta de policiais civis em Campinas não reflete apenas na 2ª Delegacia Seccional. Atinge também o plantão da 1ª Delegacia Seccional e das unidades que trabalham em horário de expediente. “Fazemos o possível para prestar bom atendimento para a população, mas nosso maior medo é que em algum momento possa acontecer algo de pior. Como por exemplo, um preso fugir ou acontecer algo grave durante a ausência do policial no atendimento na unidade”, falou um policial.
Outro lado
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que durante a atual gestão autorizou a contratação de mais de 20 mil novos policiais. Só para a Polícia Civil são mais de 5.400 novas vagas. Já estão na Acadepol os 1.453 aprovados no concurso de 2017 e empossados em dezembro. Atualmente, está em andamento a nomeação de outros 850 aprovados no mesmo certame, sendo 250 para vagas de delegados e 600, de investigadores.
“Aconteceu tudo ao mesmo tempo, os textos saíram, no ano seguinte eu sou aposentado; no outro ano recebo um procedimento de exclusão”, diz Martel Alexandre del Colle, de 29 anos, policial militar do Paraná, autor de textos críticos à PM e aos governos federal e paranaense.
À Agência Pública, Martel falou sobre o processo administrativo que pode expulsá-lo da corporação. Ele é acusado pelo Conselho de Disciplina da PM de “trazer a conhecimento público [em textos publicados no site Justificando] imputações graves contra a instituição Polícia Militar do Paraná bem como em desfavor de autoridades civis constituídas”. No último dia 21 de janeiro, ele foi notificado da investigação interna que resultou na acusação.
Aposentado desde o final do ano passado por causa de um quadro de depressão, Martel ganhou repercussão na internet em outubro de 2018, depois de ter publicado: “Ele não porque eu sou policial”, em que declarava voto contra o então candidato a presidente Jair Bolsonaro.
Desde então, o Martel passou a publicar textos críticos e analíticos sobre a própria Polícia Militar e sobre políticas de segurança pública de Bolsonaro e de Ratinho Jr., governador paranaense.
Martel é também coordenador no Paraná do grupo Policiais Antifascismo, movimento formado por agentes de segurança pública que defende democracia nas polícias e pautas como desmilitarização e fim da guerra às drogas. Para ele, os códigos de ética da PM e o regulamento disciplinar do Exército, que são utilizados para punir policiais que criticam a corporação, vão contra direitos constitucionais como a liberdade de expressão.
Geralmente aplicado em casos graves, quando policiais cometem crimes e se considera que o agente não tem mais condição de permanecer na corporação, o processo contra a opinião de Martel pode fazer com que o policial seja expulso e deixe de receber sua aposentadoria. Procurada, a PM do Paraná não respondeu até a publicação.
Você está aposentado desde quando?
O meu procedimento de aposentadoria começou mais ou menos em abril de 2019. Fui chamado na junta médica da polícia e fiz uma consulta com o setor psiquiátrico – eu estava lidando com uma depressão e tinha ficado internado, inclusive. Soube que estava rolando um boato entre os policiais de que eu ia ser aposentado. Em setembro ou outubro, um policial veio até a minha casa para que eu assinasse o documento da aposentadoria.
Não foi algo que partiu de você?
Não, eu não tive escolha. De fato, estava fazendo tratamento psicológico. Eu lido com a depressão já faz um tempo, no começo do ano [2019] eu tinha ficado internado uns 30 dias. Mas, eu não sabia, levou meses pra que eu conseguisse diluir a notícia. Ter 29 anos e ser aposentado não é uma coisa que acontece com todo mundo.
Você vê relação da aposentadoria com o fato de você publicar textos críticos?
Sinceramente, não sei. Não consigo ter uma resposta clara porque não sei o quanto influenciou, se influenciou; não sei quantos policiais são aposentados da polícia por depressão. Acredito que os médicos que trabalham na junta médica fazem um trabalho sério e que eles entenderam que eu não tinha mais condição de estar na rua. Mas isso aconteceu tudo ao mesmo tempo: os textos saíram, no ano seguinte eu sou aposentado; no outro ano recebo um procedimento de exclusão.
O seu primeiro texto de repercussão é quando você apoia o #EleNão?
Eu sabia que essa minha crítica passava muito além do Bolsonaro e que eu poderia sofrer mais do que só dizendo “eu não voto no Bolsonaro porque eu não concordo”. Mas eu quis fazer porque nós estávamos no momento do segundo turno onde a chance dele ganhar estava começando a crescer, o que era inacreditável pra mim. Pra mim, ele é um cara que não tem nenhum conhecimento, que não tem capacidade de exercer nenhum cargo. Quando vi que estava se tornando uma possibilidade real, achei que era necessário puxar a responsabilidade para toda a polícia e para todos os órgãos. Eu fiz um texto um pouco mais duro na tentativa de chamar os policiais para a reflexão. Acho que alcançou o objetivo. Sei que muitos policiais não gostaram.
Qual foi a reação ao texto?
Escrevi num dia e no outro dia tinha alguns policiais, amigos, colegas, falando que “o texto tá em toda polícia, tá todo mundo sabendo desse texto”. O alcance foi até maior do que eu imaginava. Ficou dividido basicamente em três grupos: o grupo que concordava, que pensa como eu; o segundo grupo que, apesar de não concordar com tudo que eu escrevi, falou que eu tinha direito a me expressar, que a minha opinião era importante porque ela dentro da polícia equilibra e traz a reflexão; e teve o terceiro grupo que foi o que não gostou, achou que não deveria, que policial não pode escrever, principalmente falando mal dessas autoridades – jamais do Bolsonaro e do Sergio Moro.
Ocorreu um processo dentro da polícia por conta desse texto?
Escrevi o texto e na mesma semana a corregedoria da polícia me chamou para ser ouvido. Eu não sabia nem sobre o que era, cheguei lá e eles também não sabiam. Desconfio que alguém tenha mandado eles fazerem isso como forma de represália, mas eles também não souberam como lidar com isso.
Depois abriram sindicância para avaliar os meus textos e também nessa época me transferiram – uma transferência muito atípica. Isso não acontece na polícia, de você acordar um dia e falarem que você está sendo transferido para outro lugar, sem ninguém te avisar nada. Ficou muito nítido que era uma perseguição, uma forma de represália.
Eu fui até a diretoria da polícia dizer que era uma forma de represália, enquanto isso estava rolando o prazo da minha transferência, e aí eles argumentaram que eu não me transferi em tempo hábil e depois me condenaram à prisão no ano de 2019.
Você chegou a ficar preso?
Sim, fiquei preso lá em Matinhos [cidade do Paraná]. Peguei um dia.
As razões do voto contra Bolsonaro permanecem?
O Bolsonaro para mim continua sendo a mesma pessoa. Ele não faz nada além de fazer polêmica. A ideia é manter o povo sempre no ódio, nessa não reflexão sobre a realidade, enquanto algumas pessoas estão pagando um preço muito caro por isso.
Qual o retorno dos textos que você tem feito?
Quando comecei a escrever, muitas pessoas vinham no Facebook dizer que era policial militar, que concordava comigo, que eu estava ajudando na compreensão do tema, mas que tinha medo de se identificar. Muitos policiais falavam: “Ó, eu concordo, mas por favor não fale pra ninguém, não quero me expor”. Muitos policiais me traziam histórias deles, que tinham sofrido abuso de autoridade na polícia, assédio, e pediam pra que eu publicasse, só que sem nome, de maneira anônima.
O mais grave não é nem a questão de os policiais concordarem ou discordarem da minha opinião, mas o fato de um policial ter medo de expressar a sua opinião. É algo muito grave, principalmente se a gente não vê esse medo em certas ideologias políticas.
É muito fácil você abrir as redes sociais e ver muitos policiais que falam que o Lula é ladrão, dizendo xingamentos machistas contra a Dilma, criticando ministros do STF por causa de algumas decisões. E eu nunca vi um procedimento ser aberto por causa disso. É muito curioso que os policiais que têm uma ideologia diferente tenham medo de se expressar, enquanto o outro lado não tem vergonha de se expressar, e nem seja cogitada uma punição para esse tipo de atitude.
Em relação aos processos, o que se pode dizer dos encaminhamentos?
Esse da corregedoria foi bem estranho. Eles me chamaram, houve intimação, mas não houve nenhum processo, nenhum procedimento, nada. Me chamaram porque eu tinha escrito o texto e não aconteceu mais nada. E aí abriu-se uma sindicância depois.
A sindicância foi concluída, mas eles não me avisaram da conclusão. Eu fiquei sabendo agora que a conclusão é que haja um conselho de disciplina que pode levar à minha exclusão.
Então a sindicância que foi aberta depois da publicação do texto resultou nesse processo que saiu agora?
Isso, essa sindicância está anexada nesse processo e é o seu motivo gerador.
Você esperava que chegasse a esse ponto?
Jamais esperava, por vários fatores. Primeiro, porque o conselho de disciplina, o ADL (Apuração Disciplinar de Licenciamento), que é uma outra ação disciplinar da polícia, são documentos usados para casos extremamente graves. Por exemplo, o policial executou alguém, ou está envolvido em grupo de extermínio, ou roubou uma pessoa. Então, colocar a minha opinião no mesmo patamar desses crimes gravíssimos já é algo, para mim, que foi muito surpreendente. Mostra como alguns cidadãos dentro da polícia estão enxergando o fato de eu dar minha opinião, principalmente uma opinião contrária à que eles queriam que eu desse.
A segunda surpresa é porque já fui preso, já respondi sindicância, já tinha respondido ação disciplinar, me aposentaram, então acreditei que já tinham deixado para lá. É inacreditável, acho que foi cruzado um limite que eu não imaginava.
Quais são e o que falam os regimentos internos da polícia que versam sobre a liberdade de opinião dos policiais? E qual a crítica que vocês [Policiais Antifascismo] fazem a isso?
Nós somos regidos pelo regulamento disciplinar do Exército, pelo código de ética da PM e outros códigos. O problema principal é a questão do militarismo, porque o regulamento disciplinar do Exército é muito amplo, e é para uma função totalmente diferente.
A crítica do militar é reduzida porque, geralmente quando o Exército é chamado para uma ação, ela envolve a segurança do país, envolve soberania nacional, outro patamar de questões, mas a Polícia Militar não cumpre essa função. Nossa função é muito mais social. Esses regulamentos criam uma situação muito estranha em que o policial não pode criticar a sua corporação. Torna-se corporativista.
Você acredita que a aplicação desse regulamento fere a Constituição?
Há um conflito entre o direito constitucional e esses regulamentos administrativos infraconstitucionais. Só que isso nunca foi avaliado, justamente porque a gente saiu da ditadura militar com um desejo de não discutir tudo aquilo que tinha acontecido. Só que cedo ou tarde esses conflitos iam acontecer, cedo ou tarde alguém iria criticar e receber um procedimento.
Qual é a estratégia de sua defesa?
É tudo muito recente. Eu recebi a ajuda de muitas pessoas, e só tenho a agradecer a elas. A gente tá tentando definir uma estratégia.
Esse tipo de processo tem sido recorrente contra outros policiais que se posicionam como você?
Desse nível de gravidade, eu não conheço nenhum. Mas dentro do Policiais Antifascismo e fora dele tenho visto policiais, principalmente nessa questão de opinião, quando é de um setor mais progressista, que estão respondendo a processos administrativos, respondendo a outros tipos de processo por dar a sua opinião. O que tem de inédito no meu é que eles foram pro nível mais grave. Eu estou sendo equiparado aos policiais que cometem as coisas mais terríveis dentro da polícia.
Como você entrou no Policiais Antifascismo?
É um movimento bem importante no país, é uma coisa bastante revolucionária só pelo nome. Policiais falando que não querem estruturas fascistas é surpreendente. Por causa dos meus textos, algumas pessoas foram me conhecendo e me convidaram para participar do grupo desde a inauguração em Curitiba. Em setembro do ano passado, houve um congresso e a gente decidiu algumas coisas, incluindo que cada estado teria um coordenador, e eu fui eleito coordenador do movimento aqui no Paraná.
Basicamente, o que a gente quer é trazer a democracia para dentro da polícia. A minha visão é de que não existe um sistema democrático sem uma polícia democrática. Primeiro entender o policial como um trabalhador, deixar essa ideia de que pode fazer qualquer coisa com o policial, que ele não tem direitos, que não precisa ter contato com a sua família, não tem direito a felicidade, não tem direito a um atendimento psicológico caso tenha algum problema devido à sua atividade. Nós não entendemos o policial como fascistas. Isso não significa que não existem policiais fascistas, mas a nossa ideia é mudar uma estrutura que possa promover ideias fascistas.
Raquel Gallinati é presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia Civil de São Paulo Imagem: Divulgação
Camila Brandalise
De Universa
03/01/2020 04h00
Convidada certa vez para participar de um evento sobre segurança pública, a delegada Raquel Kobashi Gallinati, 43 anos, primeira mulher a presidir o Sindpesp (Sindicato dos Delegados da Polícia Civil de São Paulo) em 31 anos, ouviu seu nome ser chamado por uma das autoridades com um complemento: “Venha embelezar a mesa”.
Com o microfone na mão, disse: “Muito obrigada, me sinto lisonjeada, mas o fator que me faz compor essa mesa é representar todos os delegados de polícia do estado de São Paulo”.
Em outro momento, em uma reunião com 20 pessoas, sendo ela a única mulher, Raquel ouviu de um colega delegado, após dar uma opinião sobre determinado assunto: “Ela é louca, descontrolada”. “Falei: ‘Fulaninho, mais respeito ao falar comigo, vai tomar um remedinho porque você está completamente desequilibrado”, relembra.
Na sala de reuniões do sindicato, onde recebeu a reportagem de Universa para esta entrevista, Raquel bateu três vezes na mesa com a lateral da mão ao falar sobre uma pergunta que a persegue desde que assumiu a função de representante dos delegados paulistas, em 2016. “Por que as pessoas depreciam o que eu faço se eu trabalho dez [primeira batida] vezes [segunda batida] mais [terceira batida] do que um homem medíocre?”
Por homem medíocre entende-se o “homem médio”, explica Raquel, não no sentido pejorativo, mas no que se refere ao sujeito sem nenhuma qualificação de destaque. “Eles são presidentes, CEOs de grandes empresas ou diretores de departamentos institucionais, públicos e privados, e não são questionados o tempo todo sobre sua competência. Eu, ao contrário, estou sempre sendo sabatinada.”
Mais mulheres na segurança pública
Raquel diz que cogitou desistir do cargo um ano após assumir a presidência. “Pensei: não quero ficar aqui. Mas agora vou dar crédito aos próprios homens: foram eles que me apoiaram quando reclamei e disseram que não iam admitir preconceito contra mim”, relembra.
Também por causa das situações que já passou, decidiu criar, em novembro de 2019, o movimento Mulheres na Segurança Pública ao lado de outras três delegadas do estado. Uma das ideias é dar suporte a profissionais femininas do meio que estejam passando por situações similares e incentivá-las a perseguir posições de liderança.
Além disso, quer estimular jovens estudantes a entrarem para a polícia e ocuparem cargos altos. Como consequência, a ideia é que haja mais mulheres no atendimento de vítimas de violência de gênero, para que elas se sintam incentivadas a denunciar.
“Meu filho vai saber que mulher pode prender bandido com metralhadora empunhada”
A delegada é bastante enfática ao dizer que mais leis ou prisões não são suficientes para acabar com a violência doméstica. “É um pensamento ingênuo. O problema é muito mais complexo.”
É preciso, antes de tudo, que cada um reconheça e admita o próprio machismo. Depois, políticas públicas para educar a população a mudar de comportamento em relação ao tratamento dado às mulheres. Acredita, na verdade, que isso tenha que começar em casa.
“Pais e mães precisam ensinar aos filhos que mulheres podem ter o mesmo papel que os homens. Eu, se tiver um filho, e se Deus quiser terei, ele vai saber que mulher não tem que ficar em casa cozinhando, que ela pode estar prendendo bandido com uma submetralhadora empunhada”, afirma. Raquel é uma das poucas mulheres do estado a ter habilitação para manusear submetralhadoras, fuzis e carabinas.
Raquel e o noivo, com que se casa em abril de 2020: “Meu filho vai saber que mulher pode prender bandido e empunhar submetralhadora”
Imagem: Divulgação
O plano de ter um filho será colocado em prática ainda em 2020. Em abril, ela se casa com um investigador de polícia com quem começou a namorar em março de 2019. “Estava pensando mais seriamente em uma produção independente, mas coincidiu de o Marcel [o noivo] aparecer”, diz. E sorri
“Vítima de violência doméstica é como dependente química”
Nos quatro anos em que foi delegada, de 2012 a 2016, diz ter presenciado diversas situações de violência contra a mulher que a chocaram. Mas ressalta uma cena que se repetiu e que explica o ciclo em que as vítimas estão inseridas.
“A mulher estava com a cara deformada de tanto apanhar, o agressor era preso em flagrante e depois ela pagava a fiança para soltá-lo. Aconteceu algumas vezes e chegou uma hora que eu não arbitrava mais fiança”, diz.
“Eu costumo associar essa mulher a uma dependente química. É aquela dependência que ela sabe que faz mal, mas a abstinência a deixa desesperada”, explica Raquel.
A delegada diz que, antes de julgar, é preciso entender que a vítima está envolta em uma situação que, inclusive, lhe tirou a autoestima e a força para superar. “É um crime que se perpetua por quê? Porque quando a mulher fala que não aguenta mais, ‘você me trai, me ofende’, ele diz: ‘Não farei mais isso’. A esperança na relação se renova, e ela fica cada vez mais codependente.”
Proposta de Doria sobre delegacias da mulher é “irresponsável e incompetente”
Raquel não espera o fim da pergunta sobre sua avaliação do primeiro ano do governador João Doria (PSDB-SP) no que diz respeito à proteção das mulheres para responder: “Péssima”.
Em sua opinião, Doria se aproveitou do fato de mais mulheres estarem denunciando e falando sobre violências para usar como bandeira de campanha, de uma maneira “irresponsável e incompetente”.
A maior crítica é para o projeto de aumentar o número de delegacias da mulher que funcionem 24 horas. Em março de 2019, ele anunciou a abertura de seis na capital. “Para fazer isso precisa de estrutura. E a principal estrutura são pessoas: policial, escrivão, investigador. Nós temos hoje um contingente deficitário que supera 13 mil policiais. Então, com abertura de novas delegacias, os profissionais estão acumulando funções”, afirma.
“Abriram algumas, mas não estão funcionando como deveriam porque não há gente suficiente. Outras até fecharam. O governador faz uma propaganda enaganosa”, reforça. “Sem contratação de mais policiais, é realmente para inglês ver, para o eleitor acreditar que existe algo sendo feito. O governador tem que cumprir com sua promessa e sua palavra e dar estrutura para que a polícia civil possa exercer as sua atribuições. É isso que exigimos.”
‘Monstro, prostituta, bichinha’: como a Justiça condenou a 1ª cirurgia de mudança de sexo do Brasil
Amanda Rossi
Da BBC Brasil em São Paulo
Direito de imagemBBC BRASILImage captionFotografia de Waldirene em laudo do IML, feita em 1976; ela teve negado o pedido do habeas corpus preventivo para não ser submetida ao exame (a marca protegendo os seios foi feita pela BBC Brasil)
Waldirene estava constrangida e acuada. Na noite anterior, dois homens haviam entrado na escola onde ela estudava inglês, no interior de São Paulo, para levá-la coercitivamente para o Instituto Médico Legal da capital, a mais de 400 quilômetros. Ao chegar lá, foi obrigada a se despir, mantendo apenas as sandálias de salto plataforma baixo. Era 1976, em plena ditadura militar – o diretor do IML, Harry Shibata, seria posteriormente considerado conivente com a repressão.
Nua, Waldirene passou a ser fotografada. Primeiro, de frente. A jovem loira, de 30 anos, 1,72 metro de altura, olhava para o chão, evitando o homem por trás das câmeras. Seus lábios estavam cerrados. Os braços, colados ao lado do corpo, enquanto as pernas apertavam-se uma contra a outra, em uma tentativa de se proteger da exposição. Pediram a ela que se virasse de um lado, de outro e depois se sentasse. Em cada posição, uma nova foto.
Waldirene foi ainda submetida a um exame ginecológico. Um espéculo de metal foi introduzido em seu corpo e, dentro dele, uma fita métrica. A cena foi fotografada para registrar o comprimento e a largura do canal vaginal. A jovem, que trabalhava como manicure no interior, havia pedido um habeas corpus preventivo para não ser submetida a tudo isso. Mas a Justiça paulista negou.
O objetivo do IML era extremamente peculiar: verificar se Waldirene era mulher. O nome que constava em sua ficha era outro, Waldir Nogueira.
Cinco anos antes, em dezembro de 1971, Waldirene havia sido submetida a uma cirurgia para mudança de sexo genital – de masculino para feminino. Ou melhor, “para a fixação do seu verdadeiro sexo, que sempre foi feminino”, segundo ela mesma. Essa é considerada a primeira operação do tipo feita no Brasil.
A cirurgia foi realizada no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, por Roberto Farina, naquele momento um dos mais importantes cirurgiões plásticos do país. Antes disso, Waldirene foi acompanhada durante dois anos por uma equipe interdisciplinar do Hospital das Clínicas, que a identificou como transexual, condição em que o gênero é diferente do sexo físico.
Em outras palavras, é como ser mulher, tendo nascido em um corpo masculino – ou o contrário. A cirurgia é, assim, uma forma de adequar o corpo ao verdadeiro gênero – quando assim desejado pelo indivíduo.
“Minha vida antes da operação era um martírio insuportável por ter que carregar uma genitália que nunca me pertenceu. Depois da operação fiquei livre para sempre – graças a Deus e ao dr. Roberto Farina – dos órgãos execráveis que me infernizavam a vida, e senti-me tão aliviada que me pareceu ter criado asas novas para a vida”, escreveu Waldirene na época.
Tudo correu bem. Até que, em 1976, o Ministério Público de São Paulo descobriu a intervenção médica e denunciou Farina por lesão corporal gravíssima, sujeita a pena de dois a oito anos de prisão.
Waldirene foi considerada vítima, à sua própria revelia. Os órgãos masculinos retirados na operação foram tidos como um “bem físico” tutelado pelo Estado, “inalienável e irrenunciável”. “Dizer-se que a vítima deu consentimento é irrelevante”, afirmou relatório policial sobre o caso.
“Não há nem pode haver, com essas operações, qualquer mudança de sexo. O que consegue é a criação de eunucos estilizados, para melhor aprazimento de suas lastimáveis perversões sexuais e, também, dos devassos que neles se satisfazem. Tais indivíduos, portanto, não são transformados em mulheres, e sim em verdadeiros monstros”, denunciou o procurador Luiz de Mello Kujawski em pedido de instauração de inquérito policial.
“Eu não tinha lei a meu favor, era tudo contra mim. Eu era tida como puta. Não consigo me desvencilhar dessas coisas até hoje”, diz Waldirene, agora uma senhora de 71 anos, ainda manicure no interior de São Paulo.
“Eu fui pioneira. Segurei bandeira até para quem não me conhece.” Ela não quis ser fotografada hoje por medo do retorno do “pesadelo” que viveu no passado. Para preservá-la, a BBC Brasil omitiu o nome da cidade onde vive. Já Roberto Farina faleceu em 2001, aos 86 anos.
Direito de imagemARQUIVO PESSOALImage captionWaldirene no Carnaval, na década de 1970; ela passou toda a infância dormindo em um quarto separado dos irmãos e irmãs
A garota brasileira
Waldirene nasceu em 1945, no interior de São Paulo. O pai, caminhoneiro, e a mãe, dona de casa, tiveram nove filhos: “quatro meninos, quatro meninas e eu”, diz ela.
Os meninos dormiam em um quarto, as meninas em outro. Já para Wal (seu apelido), o pai construiu um dormitório separado, onde antes ficava a despensa da casa. É ali que ela dorme até hoje – agora, a única moradora da residência.
“Eu sempre fui Waldirene”, fala ela. Na infância, preferia as brincadeiras de menina. Enquanto os irmãos fingiam que eram caubóis, ela era a mocinha. “Queria ser igual às minhas irmãs. Por que eu nasci como eu era?”
Na adolescência, a feminilidade foi se acentuando. Não tinha pelos no rosto, sua voz não engrossou, sua cintura era levemente marcada. Além disso, passou a se interessar por homens.
Os problemas com a família também foram aumentando. O pai, inclusive, tentou tratar o filho “meio-termo” com hormônios masculinos. Até que Wal decidiu se afastar da família e foi viver em uma cidade próxima, também no interior de São Paulo, ganhando a vida como manicure.
Era apaixonada pelo mundo do cinema. Um dos seus passatempos era recortar fotos de atores e atrizes estrangeiros em revistas da época. Foi assim que conheceu a história de Coccinelle, dançarina de cabaré francesa que nasceu homem e foi operada. Wal passou a desejar para si a mesma metamorfose.
Sua transformação começou quando um médico do interior lhe orientou a procurar a endocrinologista Dorina Epps no Hospital das Clínicas de São Paulo, em 1969. “Logo que ela me viu, quis me ajudar. Foi muito minha amiga, muito atenciosa, devo muito a ela”, lembra Waldirene.
Dorina Epps, hoje com 94 anos e impedida de falar por problemas de saúde, foi pioneira nos estudos de gênero no Brasil. Nas Clínicas, sob direcionamento dela, Waldirene foi extensivamente examinada. Também passou a frequentar sessões de terapia semanais. Logo, veio o laudo: “Trata-se de paciente que demonstra possuir personalidade com características claramente femininas, estruturadas desde a infância”.
Em um primeiro momento, foi aventada a possibilidade de levar Waldirene para ser operada nos Estados Unidos – naquela época, a cirurgia só estava disponível no exterior. Foi então que o caso chegou a Roberto Farina, professor da Escola Paulista de Medicina. O médico já era pioneiro em cirurgias urogenitais, mas nunca tinha feito operações de mudança de sexo.
“Diante do caso, adquiri literatura especializada e realizei em cadáveres várias operações plásticas com a finalidade de alcançar conhecimento necessário para realizar a operação em Waldir”, disse o médico em depoimento judicial. A cirurgia consiste na retirada dos órgãos sexuais masculinos e na construção de uma vagina.
Waldirene não temeu o pioneirismo. “Eu não tinha medo da operação, só queria resolver o meu problema”, conta.
A cirurgia, feita sem nenhum custo para a paciente, ocorreu cerca de vinte anos depois do primeiro caso bem-sucedido conhecido no mundo, o da americana Christine Jorgensen, operada na Dinamarca em 1952. Ainda antes, na década de 1930, Lili Elba passou pela primeira tentativa de cirurgia transgênero, mas morreu em uma das operações – sua história inspirou o filme A Garota Dinamarquesa (2015).
Já recuperada, Waldirene voltou para sua cidade natal como uma nova mulher, os cabelos loiros crescidos, o corpo feminino e uma alegria inédita. Um dos motivos do retorno foi uma paixão por um estudante universitário que era a cara do personagem do ator Robert Redford no filme Proposta Indecente (1993), lembra ela. O romance ocorreu às escondidas. “Ninguém poderia saber, seria um escândalo para ele.”
Mas, quando o rapaz terminou a faculdade, a história acabou. Waldirene ficou desolada. Seria só o começo de uma história de infortúnios.
Direito de imagemARQUIVO DA FAMÍLIA DE ROBERTO FARINAImage captionO cirurgião plástico Roberto Farina foi o primeiro a realizar cirurgias em transexuais femininos e masculinos no Brasil
O pioneiro
No final de 1975, Farina anunciou em um congresso científico que vinha realizando cirurgias de mudança de sexo no Brasil. Além de Waldirene, tinha feito cerca de uma dezena de operações – outros pacientes estavam na espera, entre eles um índigena da tribo carajás. A princípio, o caso foi visto pela comunidade médica como uma inovação. Porém, logo chegou à esfera judicial.
Ciente do caso, o Ministério Público pediu que Farina fosse investigado por lesão corporal, por estar “mutilando” homens. A polícia, então, intimou o médico a fornecer o nome completo e o endereço de todos os pacientes que tinha operado – o que ele se recusou a fazer.
A história poderia ter sido encerrada aí, não fosse por outro processo judicial. Waldirene tinha entrado na Justiça para mudar o nome nos documentos – oficialmente, ela ainda era Waldir. Assim, o Ministério Público descobriu sua identidade. Era o que bastava para começar o cerco judicial.
O laudo do IML foi uma das primeiras providências. Apesar do constrangimento sofrido por Waldirene, os médicos-legistas concluíram que ela era mulher. Além disso, apoiaram Farina: “Acreditamos ter sido a intervenção terapeuticamente necessária”.
O resultado, embora surpreendente, não freou o ímpeto do novo promotor do caso, Messias Piva: “Não deve o jurista impressionar-se com as atitudes sentimentais expressas por Waldir e afirmadas, com certo sensacionalismo pelos médicos, mediante alusões ao ‘seu sonho de ser mulher’. A realidade é outra (…) Waldir Nogueira é um doente mental”. Piva já é falecido. O Ministério Público de São Paulo não quis comentar.
O processo provocou comoção na comunidade científica internacional. Quase duas dezenas de pesquisadores de diversos países enviaram cartas de apoio a Farina – já no Brasil, foram poucos os que o apoiaram além da equipe que participou do caso de Waldirene no Hospital das Clínicas.
“Seria um erro das autoridades judiciais no Brasil de processar o Dr. Farina por seguir um procedimento médico e cirúrgico internacionalmente respeitado e aceito”, escreveu, em 1976, o cirurgião plástico John Money, da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.
“Em nenhum dos outros países do mundo onde esse tipo de tratamento médico foi praticado, um médico foi acusado de conduta criminosa pelo Estado. É um retrocesso muito danoso para a imagem do Brasil”, apontou o psiquiatra Robert Rubin, da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em Los Angeles, também em 1976.
Nada disso bastou para convencer o juiz Adalberto Spagnuolo. Em 6 de setembro de 1978, o magistrado condenou Roberto Farina a dois anos de reclusão por lesão corporal de natureza gravíssima em Waldir Nogueira.
Na sentença, sugeriu que o paciente deveria ter sido “submetido a tratamento psicanalítico de longa duração como tentativa de cura”. Spagnuolo tem hoje 80 anos e está aposentado. A BBC Brasil não conseguiu contato com o juiz. O Tribunal de Justiça não quis se manifestar.
“Foi um caso de manipulação da ciência em nome dos costumes”, resume Angela Caniato, coordenadora de gestão documental do Tribunal de Justiça de São Paulo, que encontrou o processo.
Direito de imagemBBC BRASILImage caption‘Monstro’, ‘prostituta’, ‘doente mental’, ‘mutilado’, ‘eunuco’, ‘bichinha’ foram algumas das palavras usadas pelo Ministério Público paulista para se referir a Waldirene no processo contra Farina
Pessoa idônea
A condenação de Farina alarmou seus pacientes. Entre eles, João W. Nery. Quando ele leu a notícia nos jornais, “foi como se tivesse levado um soco no estômago. O coração parecia sair pela boca. O corpo todo tremia pedindo mais ar”. “O meu médico foi condenado, não pode mais operar”, disse ele.
Um ano antes, em 1977, João fora operado por Farina, deixando para trás o corpo de Joana – sua cirurgia é considerada a primeira operação em um transexual masculino no Brasil. O relato está no livro de memórias Viagem Solitária, no qual João agradece o médico “pelo pioneirismo cirúrgico em nos fazer renascer”.
Tanto a defesa quanto a acusação recorreram da sentença, e o caso foi para a segunda instância. Farina pôde esperar pelo julgamento em liberdade.
O Ministério Público pediu o aumento da pena: “Admitindo-se que ele (Waldir) possa oferecer sua neovagina a homens, então somos forçados a concluir que agora ele é uma prostituta”, afirmou o promotor Piva, em 1978. “Embora mutilado, Waldir continuará sendo o que sempre foi, ou seja, um homem que mantém relações sexuais com outros homens. Mas a prática de relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo será sempre uma aberração, tanto à natureza como à lei.”
E continuou: “Farina quer que os portadores de distúrbios mentais possam autorizar a realização em seus próprios corpos de cirurgias mutiladoras; que os homossexuais – ‘bichinhas’ – entrem em fila para conseguirem a cirurgia; que os pais de família sejam obrigados a suportar, em seus lares, filhos homossexuais – do que ninguém está livre – e ainda mutilados”.
A defesa ficou indignada com o palavreado e acusou a Promotoria de “pura demagogia, preconceito e paixão, incompatíveis com um julgamento sério”. Já Waldirene partiu em defesa de Farina, a quem considerava seu “herói” e seu “segundo pai”, recolhendo cartas de apoio na sua cidade natal, em 1978.
“Waldirene Nogueira é pessoa de bom caráter, de princípios morais e comportamento exemplar, tratando-se pois de pessoa equilibrada e socialmente adequada”, escreveu o então prefeito da cidade.
“Trata-se de pessoa idônea, de boa formação moral, intelectual e profissional, nada me constando, até a presente data, que possa vir em desabono a sua conduta no seio dessa comunidade”, declarou o delegado local de polícia.
Advogados, ex-prefeitos, presidentes de associações também emitiram suas cartas, todas registradas em cartório. O próprio cartorário, comovido, resolveu aderir à causa. Além disso, um abaixo-assinado reuniu cerca de 350 assinaturas.
A última declaração de apoio juntada ao processo foi de Espiridião, um homem de idade, que a princípio rejeitou a transformação de Waldir: “Declaro que minha filha Waldirene Nogueira sempre viveu em nossa casa, com seus pais, achando-se depois da cirurgia realizada em 1971 em condições ótimas de saúde e com comportamento normal, relacionando-se bem com todas as pessoas de suas relações sociais”.
Em novembro de 1979, os desembargadores que julgaram o caso em segunda instância anularam a condenação de Farina.
Direito de imagemBBC BRASILImage caption‘Antigamente, (a transexualidade) era vista como um pecado ou um crime. Hoje é vista como uma condição médica e assim é tratada’, escreveu o médico John Money em apoio a Roberto Farina em 1976
Pênis no nariz
“Farina foi ridicularizado por causa do processo. Teve uma grande perda de clientela. Faziam piadas, diziam que quem fosse operar o nariz com ele sairia com um pênis implantado no rosto. Mesmo assim, continuou a fazer as operações (de mudança de sexo). Dizia que não podia virar as costas para os transexuais”, recorda Glaucio Farina, sobrinho do médico e também cirurgião plástico.
Depois da vitória na segunda instância, o pioneirismo de Farina acabou produzindo um legado positivo. Ainda em 1979, uma emenda a um projeto de lei abriu brecha para realizar esse tipo de cirurgia no Brasil. Ficou estabelecido que a retirada de órgãos não era punível quando considerada necessária em parecer médico unânime e com consentimento do paciente. O texto não fazia menção direta à mudança de sexo, mas era uma forma de proteger médicos como Farina de futuros processos.
Porém, foi apenas em 1997 que o Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizou a realização de cirurgias de mudanças de sexo em transexuais – inicialmente, em caráter experimental. A partir de 2008, a cirurgia foi incluída no Sistema Único de Saúde (SUS) – os nomes utilizados atualmente são cirurgia de redesignação sexual, processo transexualizador ou cirurgia de afirmação de gênero. Desde então, mais de 400 procedimentos hospitalares foram realizados na rede pública.
“Farina foi um grande pioneiro, mas seu trabalho é pouco divulgado até hoje. O processo judicial contribuiu muito para o afastamento da academia e até do CFM em relação a ele. É preciso desfazer isso historicamente”, diz o endocrinologista Magnus Regios Dias da Silva, coordenador do Núcleo de Ensino, Pesquisa, Extensão e Assistência à Pessoa Trans da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), batizado em homenagem a Roberto Farina.
Criado há um ano, com participação da população trans, o núcleo conta com um ambulatório de atendimento de saúde. “Hoje, em 2018, é difícil trabalhar com esse ambulatório. Sofro todos os tipos de pressões transfóbicas – religiosas, políticas e até da academia. Imagina então naquela época, quarenta anos atrás. Farina foi um guerreiro, um visionário”, compara Magnus. Segundo ele, o cirurgião antecipou a concepção de atendimento à pessoa trans que o Brasil implementa hoje.
Em 1982, Farina publicou o livro Transexualismo e escreveu: “Lamentavelmente, as nossas leis, costumes e tradições não têm um mínimo de compreensão, tolerância e consideração para os transexuais (…) A investigação científica, paralelamente ao avanço da tecnologia, aos poucos vai vencendo os seus maiores inimigos que são a ignorância e a superstição”.
Apesar da absolvição de Farina, a Justiça condenou Waldirene a viver com o nome de Waldir. A manicure perdeu o processo em que lutava para mudar os documentos. Isso inviabilizou, por exemplo, que pudesse exercer a carreira de contabilidade, na qual tinha se formado antes da cirurgia. Afinal, como se apresentar como mulher, mas assinar os documentos dos clientes como homem? Para evitar esse mesmo constrangimento, ela nunca tirou carteira de motorista.
Sua certidão de nascimento só foi alterada quando tinha 65 anos, em outubro de 2010. O RG, em janeiro de 2011. A conquista veio depois de uma nova batalha judicial, com um advogado que não cobrou nada pelo serviço, indicado por Dorina Epps, a médica que a recebeu nas Clínicas em 1969. “Meu pai e minha mãe morreram, e eu ainda não tinha o nome correto”, lamenta.
Agora, mais nenhuma pessoa trans precisará passar por isso. Em primeiro de março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a mudança do nome e do sexo diretamente em cartório, sem necessidade de autorização judicial. Também não é necessário ter passado por cirurgia de redesignação sexual ou terapia hormonal, nem apresentar pareceres ou laudos médicos – muito menos do IML, como ocorreu com Waldirene na década de 1970.
Direito de imagemBBC BRASILImage captionCarta de Waldirene para os advogados do médico Roberto Farina, em 1978, após a condenação em primeira instância
Uma mulher fantástica
A vida de Waldirene mudou completamente depois do processo contra Farina. Humilhada na Justiça, na imprensa e na cidade, a garota extrovertida começou a ter medo de sair de casa. Ainda hoje, quarenta anos depois, quando está em local público, ela tem a sensação de que está sendo observada e de que as pessoas estão comentando sobre ela. O resultado é que passa a maior parte do tempo sozinha. A única exceção é o Carnaval, “uma oportunidade de sair da ostra”.
Waldirene continua a trabalhar como manicure, para complementar a aposentadoria de um salário mínimo. A clientela é esporádica – no dia da visita da BBC Brasil, atendeu apenas uma pessoa. Cobra 30 reais para fazer pé e mão. O salão fica na antessala da casa onde vive. Os móveis, os objetos e parte dos eletrodomésticos parecem brotar dos anos 1980, intocáveis desde que os pais de Wal morreram.
“Tenho uma vidinha boa. Mas é uma vidinha. Não posso ter grandes sonhos”, diz ela. “Falar que a vida é bela? Não dá.” Os problemas de saúde estão se acumulando, e é difícil encontrar médicos que entendam – e aceitem – suas cirurgias do passado. Um médico urologista com quem se consultou disse que “não acreditava” na sua vagina. Um oftalmologista quase caiu da cadeira quando ela contou que nasceu Waldir.
A garota do interior nunca se casou nem teve um relacionamento duradouro. Os homens da cidade falavam para ela: “Se eu posso ter uma mulher normal, por que vou ficar com uma imitação?”. Ela reclama que eles só queriam sexo, nunca amizade, companheirismo, romance. “Hoje eu sou solitária porque eu não quero ninguém se divertindo à minha custa.” Ainda hoje é uma mulher bonita, loira, curvilínea, quase sem rugas – embora custe a acreditar nisso.
Entre solidões e amarguras, Waldirene faz uma pausa na conversa com a BBC Brasil por causa de uma lembrança. Na juventude, ela cantava em serenatas, mas parou porque o pai achava que estavam tirando sarro dela. Agora, se recordou de uma interpretação de Nora Ney para um samba de Nelson Cavaquinho e sentiu vontade de cantar outra vez. Ela abre os braços e solta a voz:
“Sei que amanhã Quando eu morrer, Os meus amigos vão dizer Que eu tinha um bom coração / Alguns até hão de chorar E querer me homenagear, Fazendo de ouro um violão / Mas depois que o tempo passar, Sei que ninguém vai se lembrar Que eu fui embora / Por isso é que eu penso assim, Se alguém quiser fazer por mim, Que faça agora / Me dê as flores em vida, O carinho, a mão amiga, Para aliviar meus ais / Depois que eu me chamar saudade, Não preciso de vaidade, Quero preces e nada mais.”
Direito de imagemBBC BRASILImage captionWaldirene foi manicure durante toda a vida; formada em contabilidade, ela não pôde trabalhar na área por ter sido proibida de alterar o nome de nascimento
Neste dia nacional da visibilidade trans deve-se abordar um assunto que virou rotina nas delegacias de polícia e escritórios de advocacia: mulheres trans vítimas de cirurgiões incompetentes, verdadeiros açougueiros .
A cidade de São Paulo está repleta desse tipo de profissional que , alardeando falsamente cursos de especialização no exterior , exploram a fragilidade de moças que vão em busca da tão sonhada redesignação ou mesmo de reparação a cirurgias pessimamente executadas por outros “médicos especializados”.
A paciente, sofrendo psiquicamente, pois não raro é humilhada por namorados e companheiros com o rotineiro: “não é mulher de verdade” , não é alertada sobre os riscos da cirurgia, tampouco para a grande probabilidade do insucesso desse tipo de intervenção cirúrgica.
Quando verifica que , em vez de melhores resultados, ficou ainda pior , o “doutor” vem com a desculpa de que no site e no contrato há os necessários alertas sobre os riscos.
E aproveitando-se do desconhecimento sobre a lei, ainda , fazem com que a paciente subscreva um contrato padrão , pelo qual teria tomado ciência de que toda e qualquer intercorrência seria de responsabilidade da contratante. Isentando , assim, o cirurgião de quaisquer responsabilidades sobre o resultado.
Ou seja, a vítima paga para correr risco de morte e lesão corporal gravíssima.
Com efeito, esse suposto assentimento da vítima não isenta o médico da responsabilização penal , civil e administrativa. Se há todos esses riscos não se deve operar, ainda mais quando se trata da estética intima .
Ao contrário , durante a consulta se faz muitas promessas, tipo: “dou o melhor de mim sempre” , “ a melhor cirurgia de qualquer cirurgião é sempre a mais recente, pois as anteriores o prepararam para a do dia presente”.
Conversa de vigarista!
A iludida , entrega o pouco que tem , economizado com muito sacrifício , recebendo em troca maiores cicatrizes , mutilações , hemorragias com risco de morte e fistulas decorrentes de lesões na vagina e na bexiga.
Para consertar, depois de muitos meses sofrendo , tem que buscar o SUS.
O charlatão não se responsabiliza por nada em relação ao fracasso decorrente da sua imperícia, imprudência e negligência. Esse tipo de cirurgião criminoso enriquece causando mal físico e mental a pessoas hipossuficientes que, de regra, têm medo de buscar seus direitos junto aos órgãos da justiça.
Sabem que serão tratadas com total desprezo …
Muitas vão buscar alívio no suicídio ou refugio no exterior , onde não serão tratadas como meras prostitutas ou doentes mentais sem quaisquer direitos.
Nenhuma cirurgia estética deve ser realizada apenas pela solicitação da paciente. O médico , antes de buscar os honorários vultosos , deve atentar que a correção de danos estéticos não implique maior vexame, sofrimento moral e perturbações à saúde física e mental das mulheres trans.
Enfim, o local para esse tipo de médico é a cadeia!
Observem o verdadeiro objurgatório cruel que disparam contra as suas vítimas:
“Não se preocupe , toda cirurgia fica bonita quando a beleza vem de dentro”!
A coitada ao atentar para a frase empregada como apresentação do cirurgião entende que , além de disfuncional , é feia de alma!
Perdeu o dinheiro , quase morreu , perdeu a saúde , ficou meses sem trabalhar até um médico do SUS lhe atender , por CASTIGO DIVINO!
Do transexualismo
Segundo Farina, o transexualismo consiste em uma “pseudo-síndrome psiquiátrica,
profundamente dramática e desconcertante, na qual o indivíduo se identifica com o gênero
oposto. Constitui um dos mais controvertidos dilemas da Medicina moderna, em cujo recinto
poucos médicos ousam adentrar. O indivíduo nega o seu sexo biológico e exige a operação de
reajustamento sexual a fim de poder assumir a identidade do seu verdadeiro gênero, que não
condiz com seu sexo anatômico.
Em outras palavras, são indivíduos que apresentam, ao simples exame ocular, genitais
externos do tipo masculino e são portadores de uma psique totalmente ou predominantemente
feminina, e vice-versa, conforme já se acentuou. Desde criança sofre o indivíduo um imenso
conflito oriundo de uma ruptura entre sua psique e a realidade corporal. Com o advento da
puberdade, o indivíduo adquire a consciência plena de sua anomalia, surgindo,
freqüentemente, um duplo conflito: de um lado, o conflito interno, que consiste em um
permanente desgosto, senão em revolta, em relação aos seus órgãos genitais e aos atributos
secundários de um sexo que o indivíduo sente não ser o seu; do outro, o conflito externo,
oriundo de sua vida de relação. O ambiente social onde vive lhe é hostil. A sociedade não
compreende a anomalia. O preconceito, a falta de solidariedade, acabam por levar o
transexual ao próprio isolamento e a uma extremada solidão. Esta é uma das razões pela qual
alguns transexuais recorrem ao tranvestimento, procurando, deste modo, ocultar a triste
realidade.
Da etiologia do transexualismo
A origem da síndrome do transexualismo é controvertida. Os estudos etiológicos do
fenômeno transexual são explicados em duas grandes correntes.
A primeira corrente parte da análise dos fatores relativos ao ambiente social onde o
indivíduo se desenvolve, após o seu nascimento. Esta teoria procura suas justificativas na
Psicologia e é denominada de teoria psicossexual.A outra considera os fatores endócrinos no
desenvolvimento pré-natal do indivíduo – chamam-na de teoria neuroendócrina, teoria esta
que, pelas razões que justificaremos a seguir, melhor nos parece para tentar explicar o
fenômeno.
Segundo os mais recentes estudos, o hipotálamo, controlador do comportamento
sexual, é, em todos os fetos, fundamentalmente feminino, independentemente de serem fetos
geneticamente masculinos ou femininos.
Um excesso de estrógenos na mãe, ou a falta de funcionalidade dos órgãos neurais,
causaria a permanência do centro hipotalâmico com características femininas, deflagrando,
mais tarde, um comportamento sexual anormal nos indivíduos. A transexualidade, portanto, é
resultante de uma alteração genética no componente cerebral,
Esclarece Olázabal4
que a gênese do transexualismo implica em “alterações nas
estruturas dos centros de identidade sexual do hipotálamo”, uma vez que a secreção
androgênica, produzida pela gônada primitiva, não atinge aquele centro ou este não responde
a essa secreção.
Academias de Polícia são verdadeiros túmulos da ciência e da cultura.
Os concursados nelas ingressam com algumas qualidades ; lá acabam deformados e desinformados .
Não sem razão , nos círculos mais cultos , policiais não são bem recebidos…
Pouco importando pertencerem aos quadros mais qualificados: Oficiais PM, Peritos, Legistas ou Delegados de Polícia.
De regra, se tornam ignorantes e alheios a quaisquer assuntos que não digam respeito aos seus próprios interesses pessoais e corporativos.
Na Academia da Polícia Civil do Estado de São Paulo ainda se ensina , como se estivéssemos nos anos 1930 do século passado, que o transexual é portador de transtorno do instinto sexual denominado INVERSÃO, decorrente de “vício” , fato congênito ou sintoma de mal mental adquirido.
Os dois maiores ignorantes a propagar tal doutrina foram os festejados médicos: FLAMÍNEO FÁVERO E AFRÂNIO PEIXOTO. E na esteira desses dois “mestres” seguiram-se muitos outros .
Segundo os festejados doutores de medicina legal: o transgênero não passa de um pervertido sexual.
Por conta da degeneração sexual , o invertido ” entrega-se preferivelmente ao exercício de profissões do sexo oposto ao seu do qual, ainda, assume , certas particularidades de caráter, atitude, vestes ( travestismo ou disfarcismo), etc. ” ( “sic” , Medicina Legal, Flamíneo Fávero, fl. 803, 12ª edição , 1980 ) .
Sim , a obra é vetusta e completamente desatualizada, mas continua fazendo seguidores…
É como o Hely Lopes Meirelles , quando se trata de Direito Administrativo, as lições são tão cadavéricas quanto o autor, mas ainda repetidas por 9 entre 10 , “juristas” .
Os autores de obras de Medicina Legal, aparentemente , são avessos a transformações, pois compulsando a obra Medicina Legal e Noções de Criminalística, a Dra. Neusa Bittar , trata a questão como um forma de condutopatia , de se ver fl. 359, Editora Juspudivum, 8ª edição, 2019 .
Com efeito , não bastasse tais absurdos , ainda nas aulas de defesa pessoal alerta-se para o extremo perigo que os travestis representam para os policiais; para os quais deve-se dedicar muita atenção nas revistas pessoais, especialmente: lâmina gilete dentro da boca.
Enfim, não me surpreenderia o fato de muitas dessas mortes relatadas na matéria da Ponte Jornalismo , ser mais uma forma de “limpeza social” executada por “Guerreiros do Senhor” ( nova denominação para certos policiais bandidos ).
Por outra via , em diversos casos que atendemos , a vítima foi morta após o “hétero” surtar em razão da culpa de se deixar possuir pela ” menina linda bem dotada”!
É bem assim: o machão enche a cara , cheira cocaína, da o cu para o traveco e depois, arrependido , comete assassinato.
Quando preso alega que foi enganado e que seria a vítima de roubo e violência.
Pra mulher , se for evangélica, basta dizer que a culpa foi do diabo…Tá perdoado!
Pelo 11º ano consecutivo, Brasil lidera ranking mundial de assassinatos; mulher trans ou travesti, negra e profissional do sexo é o perfil das vítimas
II Caminhada pela Paz Sou Trans Quero Dignidade e Emprego de 2017, em SP | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
O número de assassinatos de pessoas trans saltou de 14 para 51, um aumento de 66,7% de 2018 para 2019, no estado de São Paulo. O índice nacional teve redução de 24%: foram 163 casos de pessoas trans mortas em todo no Brasil em 2018 e 124 no ano passado.
Os dados são do Dossiê Trans, uma pesquisa organizada pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e pelo IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação), assinada pelas pesquisadoras Bruna Benevides e Sayonara Nogueira, que pode ser vista na íntegra aqui.
Diante disso, pelo 11º ano consecutivo, o Brasil lidera o ranking mundial de país que mais mata transexuais e travestis no mundo. Para se ter uma ideia, em 2019, o México, segundo colocado no ranking, registrou 63 casos, seguido pelos Estados Unidos com 30.
O dossiê também traça um perfil das vítimas: jovens negras de 15 a 29 anos, que reivindicam ou expressam o gênero feminino (mulheres trans e travestis) e que tem como fonte de renda a prostituição. Mortes por arma de fogo totalizam 43 assassinatos em 2019, seguido por 28 assassinatos com uso de faca.
Maioria das vítimas de assassinatos é profissional do sexo
Em entrevista à Ponte, a pesquisadora Bruna Benevides, 40 anos, que é militar da Marinha e secretária de comunicação da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), não podemos comemorar a diminuição dos assassinatos em 2019, pois eles não representam mudanças.
“É importante observar que 2017 foi um ano fora da curva. Na história do Brasil foi o ano com mais números de assassinatos, então não pode ser o parâmetro. Para nós, que lutamos para a queda real da violência, o parâmetro é o ano que teve menos números e não o que teve mais. A média anual é de 118 assassinatos”, explica Benevides.
Pessoas trans negras são as principais vítimas de assassinatos
Bruna também cobra uma análise do governo sobre os assassinatos da população LGBT. Ela argumenta que políticas públicas só são feitas se há dados que as justifiquem. “Estimamos que seja pelo menos o dobro de números de assassinatos se os dados fossem levantados por esferas governamentais”.
“A partir disso entendemos que a omissão do estado frente ao levantamento de dados, de certa forma, se torna muito confortável, porque, se ele não levanta os dados, se ele não reconhece essa violência que é específica, ele não tem que tomar ações específicas”, aponta Benevides.
Para a pesquisadora, o dado mais importante do dossiê é o perfil das vítimas, pois, a partir dele, é possível pensar em políticas públicas que protejam essa população. “A questão da violência não pode ser tratada apenas com medidas que enfrentem as consequências, tem que enfrentar as causas e de forma preventiva, alinhada a campos que não só o da segurança pública”.
Assassinatos de pessoas trans por estado
“Elas morrem trabalhando nas ruas, não por ser uma atividade perigosa, mas por que não conseguimos que elas desenvolvam a sua atividade profissional sem sofrer violência. Mesmo uma menina trans que está trabalhando em um emprego formal, muito provavelmente ela vai passar por outros processos de violência, simbólicos e psicológicos”, argumenta Bruna.
Benevides chama a atenção para o paradoxo de São Paulo, estado que mais acolhe as lutas LGBTs, em determinados momentos do ano, como a semana da Parada da Diversidade, que reúne milhões de turistas e move a economia da capital paulista, e é, ao mesmo tempo, o local em que pessoas LGBTs mais são assassinadas.
“É extremamente assustador. Porque, embora seja um local que é friendly em alguns períodos do ano, é um local com índices populacionais muito altos e que sofre processo de sucateamento das políticas públicas. Esse aumento é decorrente da falta de ações e, óbvio, a eleição de governos que tem um viés antidemocrático e autoritário”, critica.
‘A pessoa trans no Brasil já nasce morta’
Além de trazer dados sobre os assassinatos da população trans, a 3ª edição do Dossiê Trans também chama atenção para outro tipo de assassinato: o social. Essa é a expressão usada na pesquisa para falar da falta de acesso à educação, saúde, emprego, uso do banheiro e respeito ao nome social.
“Nós, ativistas, dizemos que qualquer pessoa trans no Brasil já nasce morta pela dificuldade de acesso a qualquer tipo de política pública. As nossas lutas ainda são muito primárias. Somente em 2018 tivemos a garantia do direito ao nome. Se fizermos uma analogia com o restante da população, direito ao nome é o primeiro direito que qualquer cidadão recebe depois do direito à vida”, explica Bruna Benevides, pesquisadora do Dossiê.
“Se formos analisar, quando o espantalho da ideologia de gênero é amplamente difundido neste governo, ele se torna uma bandeira de luta contra a existência das pessoas trans. A ministra não está falando de cores, ela está falando de meninos que vestem rosa e meninas que vestem azul que não podem conviver pacificamente, já que não existem campanhas, por exemplo, para enfrentar o bullying LGBTfóbico nas escolas”, critica Benevides.
Discursos como esses, para Bruna, são responsáveis pela falta de discussão dentro das casas, que é responsável pela expulsão de crianças e adolescentes transexuais e travestis. “Quando os pais se deparam com a possibilidade de ter um filho trans, muitas vezes a reação é expulsar de casa. A expulsão acontece, em média, aos 13 anos e é aos 13 que as pessoas começam na prostituição. É um ciclo de violência que vai se somando ao longo da existência, da sobrevivência e na tentativa de resistência dessa pessoa”, explica.
Outro ponto destacado no Dossiê é o tratamento que a mídia dá aos casos de assassinatos de pessoas trans. Segundo a pesquisa, em 2019, 29% dos casos notificados não respeitaram a identidade de gênero das vítimas e 91% dos casos expuseram seu nome de registro.
Para Benevides, não respeitar a identidade de gênero e o nome social de pessoas mortas é cometer um duplo assassinato. “Assim se apaga a história e a própria existência daquela pessoa. É um processo violento que a mídia precisa rever. A exposição do nome de registro é extremamente desnecessária, pois, quem deveria ter o nome exposto, são os assassinos. Mas não vemos a mesma proporção”, pontua.
“Ficamos preocupadas, porque expor o nome de registro de uma pessoa corrobora para um processo de violência e naturalização de uma identidade que não reflete de fato o que essa pessoa é”, finaliza.
Após o recesso parlamentar, o debate sobre a legalização de bingos, cassinos e jogo do bicho voltará ainda mais forte após 1º de fevereiro.
O tema conta com aval , ainda que velado , do presidente da República, Jair Bolsonaro.
A Frente Parlamentar Mista pela Aprovação do Marco Regulatório dos Jogos, possui , atualmente, mais de 220 parlamentares, entre deputados federais e senadores.
A frente pró-jogo tem como argumento mais forte o fato de que este setor no país poderá gerar mais de um milhão de empregos diretos, movimentando cerca de R$ 150 bilhões por ano, além do que será capitalizado por outros setores como o Turismo e o Comércio das cidades.
Estima-se que os cofres do governos poderão recolher até R$ 20 bilhões anuais; entre vários tributos
EMPREGOS
A Frente vai trabalhar pela aprovação do PL 442/91.
A legalização, também, geraria 40 mil empregos para pessoas com deficiência, conforme o professor Magno José, presidente do Instituto Jogo Legal, considerado hoje o maior especialista na área.
Ainda segundo Magno, os atuais 450 mil empregados do jogo do bicho deixariam a clandestinidade.
NOS ESTADOS UNIDOS
O empreendedorismo dos jogos nos Estados Unidos, apenas para exemplificar , gera 1,7 milhão de empregos por ano e movimenta US$ 74 bilhões durante esse período.
Dos membros da ONU, 75,5% países autorizam bingos e/ou cassinos.
GUERRA PERDIDA
O governo foi alertado que em razão da digitalização das apostas – e do respectivo pagamento por meio de cartão de débito ou crédito – não é mais possível reprimir os jogos, tampouco a subsequente lavagem de dinheiro operada pelos banqueiros do jogo de bicho.
Estes , depois de vários reveses , desde a ampliação da lei de lavagem de capitais e organizações criminosas , agora se valem do sistema financeiro de grandes potenciais internacionais como a Russia.
As bancas , atualmente , são plataformas digitais como o comercio eletrônico, só que por meio de provedores localizados em países estrangeiros .
PLATAFORMAS ON LINE
Também é alarmante a evasão de divisas via Cassinos online, cujas plataformas são criadas, administradas e operadas do exterior, muitas no Uruguai e Paraguai .
MAQUININHAS E APOSTAS ELETRÔNICAS
Na esteira dos poderosos banqueiros do jogo de bicho seguem os empresários que exploram os caça-níqueis em bares e pequenos cassinos clandestinos, os que ainda mais sofrem com as ações das polícias , do Ministério Público e, também, da fiscalização municipal. Rotineiramente com truculência e com a finalidade de extorsão.
A BANCADA EVANGÉLICA E A BANCADA DA BALA
A maior dificuldade que se enfrenta para a legalização dos jogos de azar no Brasil é a oposição religiosa e a policial.
Os políticos que formam o ‘Banco Evangélico’ no Congresso são numerosos , para esses falsos cristãos o jogo, a cultura e a diversão em geral , são fortes concorrentes comerciais.
Segundo a visão dessas pessoas, o que um potencial cliente dos pastores gasta com jogos e diversão, pode ser apropriado para as contas dos líderes dessas máfias que se dizem evangelizadoras.
Para a bancada da bala – a maioria policiais civis e militares – a legalização do jogo retiraria uma das fontes de renda ilícitas de maus servidores e seus representantes; muitos fazendo campanha eleitoral com dinheiro exigido de quem opera os jogos.
Se vocês não transarem antes do casamento, talvez não transem nunca mais!
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Jovens deste Brasil, transai e gozai e não vos multiplicai. Usem camisinha, tomem pílula e transem. Amem, se apaixonem, namorem e transem. Sintam tesão e depois fiquem só amigos, mas transem. Daqui a 10 ou 15 ou 20 anos, se quiserem, tenham filhos, porque é um dos ápices da vida adulta, mas, por ora, foquem o grande ápice da juventude e transem!
Deixem-me alertá-los: a melhor fase da vida é quando as costas não doem constantemente apesar de tantos tratamentos e médicos, os joelhos ainda não estalam (e o barulhinho começa a ficar viciante, porque a gente vicia em cada merda), a neurose está diluída em hormônios, a enxaqueca não funciona como o apito de uma panela de pressão avisando que é hora de parar de pensar em problemas e os antidepressivos ainda não aleijaram nossa excitação. Por favor, jovens, não escutem a tia Damares e transem muito.
O que a ministra do velório libidinal não conta a vocês é que a abstinência acontece, sem nenhum esforço por parte dos envolvidos, DEPOIS do casamento. Então, jovens, se vocês não transarem ANTES do casamento, talvez vocês não transem nunca mais!
A ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) chega para participar de cerimônia alusiva aos 100 dias de governo Bolsonaro, no Palácio do PalantoPedro Ladeira – 11.abr.2019/Folhapress
No escuro da noite, quando as crianças não choram por tudo, os maridos finalmente tiraram o fone de ouvido que usam o dia inteiro, as mães não destroem nossa autoconfiança, os colegas de trabalho finalmente pararam de mandar mensagens, a única coisa que movimenta (em um contido sorriso) meu bigode chinês com preenchimento é lembrar que eu já fui um ser muito transante. Eu já fui jovem e, por Deus, passei o rodo nesse país outrora divertido.
Um dia revelarei aos meus netos: “Vovó aprontava altas!”. E eles, que se tudo der certo serão livres e felizes e terão pais progressistas e estudarão em escolas progressistas e terão psicanalistas freudianos ou lacanianos progressistas, dirão, desapontados: “Não deveria ter parado jamais!”.
Eu tenho saudade da escada do prédio da minha mãe. Eu tenho saudade das escadas dos prédios das agências de publicidade onde trabalhei. Eu tenho saudade das escadas das festas que eu frequentava.
Hoje em dia eu tenho preguiça até de conversar em pé, que dirá namorar. Eu olho uma escada já me cai a pressão. Não fosse o elevador, eu moraria para sempre no primeiro andar da minha analista.
Um dia eu e meu marido voltaremos a transar, porque os 40 são os novos 38. A esperança é que seja um com o outro. Rimou! Um dia eu vou estar menos cansada, menos medicada e menos chateada. Rimou! Em vez de rimar, eu preferiria transar. Rimou de novo ! Percebam: uma hora nossa mente começa a funcionar para versificar os dias e a casa. Tudo em caixinhas musicais, porque fica mais fácil terminar o dia.
Saudade de perder madrugadas amando, de desaguar rios de lágrimas porque o amor acaba, de começar tudo de novo porque ainda dá tempo.
Jovens, por favor, transem; e ao transar, por favor, se cuidem. Cuidem-se para não pegar doenças, cuidem-se para não engravidar antes da hora e cuidem um do outro. Depois votem direito, votem em um governo que trate de vocês como humanos e não como robôs ou rebanhos ignorantes e assexuados. E transem, por favor. Transem por mim, pela Damares, por seus avós e, sobretudo, por este país
(Vídeo) PM acaba com ensaio de grupo de maracatu e chama integrante de vadia
O grupo de maracatu “Baque Mulher” fazia um ensaio na Praia Brava, em Matinhos (PR), quando foi interrompido de forma agressiva por policiais militares, que ofenderam uma das integrantes de “vadia”; assista
(Foto: Reprodução)
l Foum – Os ensaios do grupo de maracatu Baque Mulher acontecem todas as semanas perto da Praia Brava, em Matinhos (PR). Nesta quarta-feira (22), no entanto, as integrantes foram surpreendidas com uma ação desproporcional da Polícia Militar, que tentou apreender instrumentos com a alegação de que elas estavam incomodando moradores. Três delas foram detidas, mas já liberadas.
Vídeo publicado pela página de Facebook Boca no Trombone mostra a confusão criada pelos policiais militares, que não queriam o prosseguimento do ensaio. As imagens demonstram a forma agressiva que os oficiais abordaram as percussionistas, que disseram que só sairiam do local com a presença de um advogado. Uma delas, inclusive, foi chamada de “vadia”.
Gentiliza do leitor MOTOROLA
E esse vídeo, Guerra? Aos 7:00, o tenente diz que não é funcionário público, é militar.
Em sociedades mais desenvolvidas os policiais e autoridades da justiça adotam como lema de vida: se não posso ser rigoroso com os fortes serei benevolentes com os fracos!
Aqui como não podem ser rigorosos com os fortes descarregam suas frustrações nos iguais: no populacho !
O presidente Bolsonaro deixa o Palácio do Alvorada na quarta (22), dia da reunião com secretários – Adriano Machado – 22.jan.2020/Folhapress
O colegiado que reúne os secretários, o Conselho Nacional de Segurança Pública, tinha reunião marcada para as 9h da quarta, em Brasília. A recriação da pasta oriunda do governo Michel Temer (MDB) não constava da pauta.
Duas horas antes do encontro, o secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Gustavo Torres, foi recebido por Bolsonaro no Planalto.
Por volta das 11h, Torres informou o presidente do Conselho, o secretário baiano Maurício Teles Barbosa, que haveria a possibilidade de encontrar Bolsonaro naquela tarde e que o tema da reunião seria a recriação da pasta —que foi fundida à da Justiça, criando o superministério entregue a Moro pelo presidente.
Os secretários e seus representantes presentes estranharam, segundo o relato de três dos presentes. Foi feita uma votação, que registrou 11 votos a favor da confecção do pedido de recriação em carta, e 9 contrários.
Apesar do quase empate e de o fórum não estar completo, o encontro no Planalto ocorreu. Um dos argumentos entre os presentes é que o fórum havia pedido há um ano um encontro com Moro e não havia sido atendido ainda.
O Ministro da Justiça Sérgio Moro acompanha o presidente Jair Bolsonaro para a cerimônia de comemoração do 154º Aniversário da Batalha Naval do Riachuelo e imposição da Ordem do Mérito Naval, no Grupamento dos Fuzileiros Navais, em BrasíliaAndre Coelho – 11.jun.2019/Folhapress
Isso não dirimiu divergências, contudo. Estados como São Paulo são contrários à divisão por considerar que ela dobraria algumas burocracias.
Com a ação transposta ao Planalto, mais sinalizações estranhas para o time de Moro. O ministro não foi chamado para a reunião, e oficialmente foi divulgado que ele faltou porque estava em um encontro sobre segurança cibernética com americanos.
O ex-juiz teve um encontro com Bolsonaro no Planalto às 11h30, mas o assunto da conversa não foi revelado.
Um representante da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública) foi ao Planalto, mas não teve acesso ao encontro entre o presidente e o ministro. O órgão é quem coordena a interação das secretarias estaduais com o ministério de Moro.
Na reunião com os secretários, participaram Bolsonaro e os ministros Augusto Heleno (Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral).
O general da reserva Heleno negou, em uma postagem no Twitter, que a ideia de recriar a pasta da Segurança tenha partido do Palácio do Planalto.
General Heleno
✔@gen_heleno
A proposta de recriar o Ministério da Segurança Pública não é do Presidente Jair Bolsonaro, e sim da maioria dos Secretários de Segurança Estaduais, que estiveram em Brasília; nesse 22 de janeiro. Em nenhum momento, o Presidente disse apoiar tal iniciativa.
“A proposta de recriar o Ministério da Segurança Pública não é do presidente Jair Bolsonaro, e sim da maioria dos secretários de Segurança estaduais”, disse, completando que “em nenhum momento o presidente disse apoiar tal iniciativa”.
O pivô do movimento foi o secretário Torres, um aliado fiel de Bolsonaro e cotado desde o ano passado para substituir o diretor da Polícia Federal, Maurício Valeixo. A Folha o procurou, sem sucesso.
Torres é próximo ao ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), antigo companheiro de Bolsonaro em iniciativas da dita bancada da bala no Congresso, que segundo conhecidos acalenta o sonho de virar ministro da Segurança. Fraga é um crítico contumaz de Moro e é considerado uma das vozes do presidente no Congresso.
Conforme aliados do ex-juiz, a sinalização dada por Bolsonaro é de desgosto pelo desempenho do ministro em sua entrevista na segunda (20) ao programa Roda Viva (TV Cultura), na qual não teria sido enfático na defesa do chefe ante críticas de jornalistas.
Críticos do ministro no governo viram na entrevista a figura de um candidato a presidente, e não a de um servidor do governo —ou da “causa”, como gostam de dizer bolsonaristas mais fiéis.
O ministro da Justiça, Sergio MoroMathilde Missioneiro/Folhapress
O flanco de ataque é o mesmo do ano passado, quando Moro quase foi demitido no segundo semestre. Bolsonaro ensaiou remover Valeixo e Moro se colocou frontalmente contra a ideia.
Agora, se o ministério for recriado, a Polícia Federal e outras estruturas automaticamente saem do controle do ex-juiz símbolo da Operação Lava Jato.
Torres é visto com reserva na corporação, da qual se afastou há quase uma década —é delegado federal. Ele foi alvo de uma acusação, arquivada, de tortura numa operação policial.
Como o próprio ministro irá participar dos prometidos estudos sobre a cisão de sua pasta, é provável que ela só aconteça se houver uma ordem direta de Bolsonaro para tal.
ALTOS E BAIXOS DE SERGIO MORO NO GOVERNO BOLSONARO
Atritos
Ministério da Segurança
Bolsonaro afirmou que pode recriar a pasta da Segurança Pública, que hoje integra o Ministério da Justiça. Com isso, a área sairia da alçada de Moro. O ministro, contudo, tem usado como principal vitrine da sua gestão a redução de homicídios, que foi iniciada no governo de Michel Temer (MDB)
Mensagens da Lava Jato
A divulgação de mensagens trocadas entre o então juiz da Lava Jato e procuradores da operação colocou em dúvida a imparcialidade de Moro como magistrado
Pacote anticrime A lei sancionada por Bolsonaro foi um tanto diferente do projeto apresentado por Moro à Câmara no início de 2019. Foi removida pelo Legislativo, por exemplo, a ampliação das causas excludentes de ilicitude (que abria espaço para a isenção de agentes que cometessem excessos por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”). Das 38 sugestões de vetos que constavam em parecer do Ministério da Justiça enviado ao Planalto, cinco foram atendidas por Bolsonaro (uma de forma parcial). Uma das indicações ignoradas era o veto ao juiz das garantias, que divide a condução do processo penal entre dois magistrados
Fôlego
Popularidade e confiança
Moro tem melhor avaliação e mais credibilidade junto à população que Bolsonaro, segundo levantamentos do Datafolha. Na última pesquisa, realizada em dezembro, o ministro era aprovado por 53% dos entrevistados. No caso do presidente, o índice é de 30%