JORNAL DO BRASIL Rio de Janeiro, Domingo, 06 de abril de 1986
Fiel Transcrição
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O caçador de manchetes
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ROMEU TUMA: O hábil Vice-Rei continuava o profissional de imagem ilibada — que trabalhara ao lado do truculento delegado Fleury, sem se contaminar pela péssima fama do colega E que estava ao lado do Coronel Erasmo Dias na invasão da PUC paulista, mas transferindo o peso da desastrada operação para cima do Secretário de Segurança. O episódio, aliás, demonstrou como um bom artista pode se sair bem em qualquer enredo. Enquanto o canastrão Erasmo Dias atropelava os estudantes, o habilidoso Tuma reservava para si o simpático papel de fazer a triagem dos prisioneiros — depositando os inocentes, a grande maioria, nos braços agradecidos dos pais. Virou herói. Com direito a reprise. Em 79, na greve dos jornalistas, foi esse herói quem delegou aos seus auxiliares a tarefa de prender, fichar e interrogar os presos, enquanto na outra sala consolava e tranquilizava os parentes dos jornalistas
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Míriam Leitão
O telex de Brasília informando que o delegado Romeu Tuma, diretor-geral da Polícia Federal, tinha convocado uma entrevista para as 19 horas da última quarta-feira, dispara dentro do JORNAL DO BRASIL uma série de providências que dão a medida de que homem é esse Tuma — o caçador de manchetes. O editor da seção Nacional precisa garantir um espaço porque o delegado pode dar novas declarações sobre o caso do reitor Horacio Macedo. Mas antes tem que consultar a editoria Internacional: a anunciada entrevista pode ter a ver com o cargueiro apreendido com armas; ou, quem sabe, com a extradição do torturador haitiano Pierre Albert. Mas que tal falar com a editoria de Economia? Afinal, é possível que o delegado tenha algo a dizer sobre controle de preços ou que queira promover novas reuniões com empresários. E se ele tiver desbaratado uma nova rede de traficantes de drogas ou descoberto os restos de um último carrasco nazista?
Não era nada disso. Dessa vez, o surpreendente Tuma queria falar das ameaças líbias contra a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília. E o fez como sempre faz. Paciente e gentil, como na terça-feira no Rio em que respondeu dezenas de perguntas sobre o caso do reitor da UFRJ, coçou o nariz para brincar com os fotógrafos e sorriu revelando os dentes irregulares e separados nesta simétrica fisionomia de traços árabes. Guardou, contudo, as melhores Informações para com elas brindar as pessoas certas nos lugares certos Não há dúvida: se não tosse delegado por, vocação, Tuma seria um bem-sucedido Jornalista. O seu faro o instala sempre dentro das melhores manchetes. Nos últimos anos, a lista dos grandes acontecimentos em que ele fez o papel de mocinho é Interminável.
Só Magnum, talvez, conseguiu feitos semelhantes, mas para isso precisou de uma série inteira de TV. O nosso herói prendeu o nazista Gustav Franz Wagner, em 1978, em Atibáia; desvendou uma série de sequestros de filhos de gente famosa em São Paulo no começo dos anos 80; encanou o empresário. Mário Tieppo, em 82; trancafiou o mafioso Tomaso Buschetta; comandou a operação contra o tráfico de drogas, a Operação Eccentric; esclareceu o sequestro do empresário José Mindlin; descobriu as fraudes contra o INAMPS; desenterrou Mengele e fez as pazes com o reitor Macedo.
Atento à omnipresença do delegado, o ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, deu um conselho em uma roda de economistas do Plano de Inflação Zero, da qual participava o ministro João Sayad:
— Acho melhor vocês segurarem o Tuma, porque daqui a pouco ele vai estar reunindo empresários.
Ninguém segurou. Dois dias depois, Tuma reunia em São Paulo um grupo de donos de supermercados já engajado na luta contra a remarcação de preços. Até onde se informa no Ministério da Fazenda, foi uma iniciativa do próprio delegado e causou um certo malestar na área. “Não ouvi propriamente queixas á participação de Tuma, só vi muita gente torcendo o nariz” conta, um economista do Governo. Quer dizer: torceram o nariz mas não abriram a boca para fazer críticas.
— A Polícia Federal é uma organização pequena e qualquer êxito depende essencialmente da autoridade pessoal do Tuma — esclarece o Secretário de Segurança de São Paulo, advogado Eduardo Muylaert, responsável pela aproximação final entre o Governo do Estado è o delegado que o entourage pemedebista tentou expelir há três anos dos quadros da polícia por ele encarnar o regime militar. Nada leito, Hoje, Tuma está tão integrado ao Governo paulista quanto o próprio PMDB. Para Tuma, nada como um dia depois do outro — ou alguns meses. No começo de 83, por exemplo, tentou-se armar um plano para acabar com sua carreira. Do projeto “Nova Polícia” participavam intelectuais pemedebistas e um grupo de delegados, chefiado por Maurício Henrique Guimarães Pereira. Sete meses depois, quem era afastado da chefia da Polícia Civil era o próprio delegado Maurício.
Em seu lugar entrava José Vidal Pilar Fernandes, um velho amigo — imaginem de quem — de Tuma. No dia da posse de Vidal, o jornalista Ricardo Kotscho publicava na Folha de S. Paulo: “O Vice-Rei Tuma — acima de tudo um político da segurança — precisou de apenas sete meses para derrubar o esquema que o havia derrubado”.
O hábil Vice-Rei continuava o profissional de imagem ilibada — que trabalhara ao lado do truculento delegado Fleury, sem se contaminar pela péssima fama do colega E que estava ao lado do Coronel Erasmo Dias na invasão da PUC paulista, mas transferindo o peso da desastrada operação para cima do Secretário de Segurança. O episódio, aliás, demonstrou como um bom artista pode se sair bem em qualquer enredo. Enquanto o canastrão Erasmo Dias atropelava os estudantes, o habilidoso Tuma reservava para si o simpático papel de fazer a triagem dos prisioneiros — depositando os inocentes, a grande maioria, nos braços agradecidos dos pais. Virou herói. Com direito a reprise. Em 79, na greve dos jornalistas, foi esse herói quem delegou aos seus auxiliares a tarefa de prender, fichar e interrogar os presos, enquanto na outra sala consolava e tranqüilizava os parentes dos jornalistas
Nas reportagens, Tuma, o brando, costuma aparecer como um inglês — sem armas Aos seus coadjuvantes, o antipático papel de carregálas — como Aparecido Calandra — ou de figurar como “bandidos”, a exemplo de Davi dós Santos Araújo, presente na lista dos torturadores da Arquidiocese de São Paulo.
Mas nada disso compromete a imagem de mocinho de Romeu Tuma. O ex-ministro Fernando Lyra é testemunha. Logo que assumiu o Ministério, quis demiti-lo da Superintendência da Polícia Federal “Fui pressionado pelo PMDB de São Paulo para fazer Isto”, conta Lyra. A rede de amigos de Tuma não deixou. Menos de um ano depois, Lyra entrava no gabinete do Presidente Sarney com uma lista tríplice para que o Presidente escolhesse o novo diretor-geral da Polícia Federal. Na cabeça, claro, Romeu Tuma. — Tuma tem credibilidade nacional e respaldo dentro da instituição. avalizou então Lyra.
Qual é afinal o segredo desse delegado acima (ou abaixo?) de qualquer suspeita? Se ele se dispusesse, nas horas vagas, a escrever um livro-manual ao estilo de “Como fazer amigos e influenciar pessoas”. seria seguramente um best-seller.
— Ele me conquistou pelo espirito profissional. eficiência e disciplina, confessa o ex-ministro da Justiça. “Pedi que ele não prendesse grevistas. Houve mais de 300 greves em São Paulo e ele não prendeu ninguém”.
Vão longe os tempos em que Tuma prendia Ilustres como Luís Ignácio Lula da Silva, Djalma Bom, o atual Secretário da Justiça de São Paulo, José Carlos Dias, e até o senador Teotônio Vilella.
— Hoje está tudo esquecido e Tuma assimilou a filosofia da Nova República como se fosse um dos pioneiros. Ironiza um alto funcionário do Governo que, por via das dúvidas, prefere adotar o anonimato para não ferir seu novíssimo aliado. “Ele é um gênio da estratégia de marketing”, costuma se repetir no Ministério da Fazenda referindo-se ao delegado. O Secretário de Segurança Eduardo Muylaert não esconde os argumentos: “Polícia não é só a que reprime e investiga. Às vezes um bom estrategista de marketing é um bom policial porque é preciso entender um pouco de psicologia social”.
Mas o forte mesmo do delegado Tuma é transformar fatos em notícias. Ele distribui aos jornalistas em que confia Informações preciosas com um invejável conhecimento de cada veículo: atualidades para os jornais, casos novelescos para as revistas, imagens para as televisões. Um exemplo: ele guardou para a TV o Início da operação Eccentric, em que seriam usadas armas pesadas e helicópteros. Um show. Ou um filme — como todos em que esse artista foi protagonista. Não importa a qualidade do enredo, nem do elenco, contanto que ele tenha o papel de herói. Aos outros o papel de vilão.