Polícia Civil vai mapear todos os agentes envolvidos em mortes em São Paulo 4

Policial civil do DHPP em local onde dois homens foram mortos por policiais da Rota - 04.abr.2019 - Marcelo Goncalves/Sigmapress/Folhapress

Policial civil do DHPP em local onde dois homens foram mortos por policiais da Rota Imagem: 04.abr.2019 – Marcelo Goncalves/Sigmapress/Folhapress

Josmar Jozino e Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

30/08/2020 04h00

O DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), unidade de elite da Polícia Civil, começou a mapear os policiais (civis e militares) e agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) envolvidos em ocorrências que terminaram em morte. Inicialmente, o levantamento focará nos casos ocorridos na capital.

Segundo o chefe da Divisão de Homicídios do DHPP, delegado Marcelo Jacobucci, de janeiro deste ano até esta quinta-feira (27), 235 pessoas morreram na cidade de São Paulo em 204 ocorrências registradas como confronto com policiais.

A estatística revelada por Jacobucci ao UOL indica que ao menos 204 policiais e GCMs já começaram a ter os dados mapeados. Esse número, no entanto, pode aumentar, pois, na maioria dos casos, no mínimo dois policiais participaram das ocorrências.

No primeiro semestre deste ano, policiais civis e militares mataram mais de 500 pessoas em todo o estado, trata-se do maior número já registrado no período pela SSP (Secretaria da Segurança Pública).

Jacobucci explicou que o objetivo do DHPP é montar um banco de dados com a qualificação de todos os policiais e GCMs envolvidos em casos registrados como confronto.

“Nós queremos traçar o perfil de cada um deles. Saber se já se envolveram em outros confrontos, se agiram legitimamente ou se cometeram abusos e também se respondem ou responderam a outros processos por homicídio e quantos ao longo da carreira”, disse.

Jacobucci acrescentou que o banco de dados vai auxiliar o DHPP nas investigações relacionadas à letalidade policial, apontando inclusive os casos de reincidentes. “O mapeamento vai ajudar não apenas o DHPP, mas toda a Polícia Civil a pesquisar todos os casos de mortes praticadas por policiais”, afirmou o delegado.

Com o mapeamento a polícia espera ser possível identificar os padrões de conduta de cada policial envolvido em mortes, conhecer a área onde atuam, se agem com grupos semelhantes e detalhar inclusive a periodicidade de envolvimento nesse tipo de ocorrências.

O delegado disse que terminará o mapeamento de 2020 em dezembro o DHPP. “É um trabalho lento, de formiguinha. Mas daqui a quatro meses estará concluído. Depois começaremos a mapear os casos de resistências registrados em anos anteriores, até termos o banco de dados completo.”

Desde abril de 2011 o DHPP investiga os casos de supostas resistências seguidas de morte na capital. A medida foi anunciada na época pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB). Antes, o registro era feito no distrito policial da região onde houve a ocorrência.

Ao anunciar a mudança, Alckmin afirmou que o objetivo da decisão era coibir possíveis abusos policiais e também garantir a proteção de testemunhas.

Legalmente, a Polícia Civil investiga crimes da esfera civil supostamente cometidos por PMs, a exemplo de homicídio, e a Corregedoria da corporação investiga crimes militares

Conhecida por absolver PMs e ter apoiado Bolsonaro, juíza é afastada por suspeita de negligência 7

Conhecida por absolver PMs e ter apoiado Bolsonaro, juíza é afastada por suspeita de negligência

27/08/20 por Maria Teresa Cruz

Débora Faitarone é alvo de procedimento administrativo da Corregedoria do Tribunal de Justiça de SP; juíza tirou licença médica ao ser informada de processo

Débora Faitarone mostra patriotismo e apoio a Bolsonaro nas redes sociais | Foto: Reprodução

A juíza Débora Faitarone, titular da 1ª Vara do Júri da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, está afastada da magistratura a pedido da Corregedoria de Justiça depois da abertura de um processo administrativo disciplinar (PAD) para apurar condutas funcionais, em agosto do ano passado.

Débora é a juíza que liberou os cinco policiais militares acusados pelo promotor Fernando Bolque de matar o menino Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira, 10 anos, em 2016, na zona sul de São Paulo, de responderem pelo crime. Nesta terça-feira, inclusive, desembargadores reformaram a sentença e, agora, os PMs irão ser julgados pelo assassinato.

A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo havia informado, inicialmente, que a juíza estava de “licença”. Cobrado posteriormente, o TJ informou que “o Órgão Especial determinou a abertura de processo e afastou a magistrada de suas funções até a conclusão das apurações”.

Ponte, no entanto, descobriu que não havia licença e, sim, um afastamento das funções. O processo administrativo disciplinar contra a magistrada é de caráter funcional, a respeito de condutas negligentes que estariam fazendo com que a sua função de juíza não fosse realizada adequadamente. Um exemplo são os vários atrasos em andamentos de processos. Alguns deles esperavam por anos para serem julgados dependendo apenas dela.

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Em nota enviada nesta quinta-feira (27/8), o TJ confirmou o teor da apuração. Segundo o órgão, o procedimento contra Débora tem as seguintes atribuições: “resistência da juíza corregedora às ordens da Corregedoria Geral da Justiça para implementação de melhorias aos serviços cartorários; desídia funcional (negligência); descumprimento do dever de urbanidade; descumprimento de orientação da Corregedoria Geral da Justiça de observância do critério de divisão de processos entre os juízes da vara, segundo o algarismo final do número do processo; introdução de modificações em contrarrazões de apelação elaboradas por Defensor Público, com tratamento diferenciado concedido ao Defensor Público”.

O dever de urbanidade está previsto no artigo 35 da Lei da Magistratura e significa que o magistrado deve tratar com respeito e cordialidade seus pares, além de “atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência”. O não respeito à divisão de processos entre os juízes poderia incorrer em parcialidade a depender do tema do julgamento.

Após a abertura do procedimento contra ela, a magistrada tirou uma licença médica que valeria até fevereiro.. Antes mesmo de retornar às atividades, foi afastada liminarmente por tempo indeterminado. Seu retorno só acontecerá caso ela seja absolvida no PAD nº 159.453/2019, que está em segredo de Justiça.

O julgamento da magistrada aconteceria virtualmente em 13 de maio deste ano. De lá para cá, ela impetrou uma série de recursos na tentativa de protelar o processo. Para isso, utilizou os mais diversos argumentos, inclusive a pandemia da Covid-19, alegando que teria direito ao julgamento presencial. Um deles pedia o impedimento do julgamento por “suspeição em face do Desembargador Pinheiro Franco”, presidente do TJ-SP. O último recurso dizia respeito a suspensão de prazo alegando coronavírus e foi julgado em 14 de agosto pelo Conselho Nacional de Justiça.

Em sessão presidida pelo ministro Dias Toffoli, a relatora desembargadora Maria Tereza Uille Gomes apresentou parecer negando o recurso, pontuando que está dentro da previsão legal do próprio CNJ realização de sessões por videoconferência. Por unanimidade, o conselho indeferiu o pedido de Débora, considerando, até o momento, todo o desenrolar do processo dentro a legalidade.

O histórico da magistrada afastada

No Facebook, a juíza Débora Faitarone tem como foto de capa a bandeira do Brasil. Nas eleições de 2018, manifestou apoio a Jair Bolsonaro, quando utilizou sobre sua foto de perfil a tarja com o slogan que o elegeu: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Brasil acima de tudo, Deus acima de todos: apoio aberto à candidatura de Jair Bolsonaro em 2018

Na mesma época, esteve em um evento no quartel da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), a tropa mais letal da PM paulista, e posou ao lado do senador Major Olímpio (PSL) fazendo “arminha” com a mão, vedete do bolsonarismo.

Em novembro de 2017, a juíza inocentou cinco PMs que respondiam pelos assassinatos dos pichadores Alex Dalla Vechia Costa, 32 anos, e Ailton dos Santos, 33, em 2014, alegando legítima defesa.

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Também foi a legítima defesa o que Débora usou para rejeitar a denúncia do Ministério Público contra os cinco policiais que mataram o menino Ítalo, no Morumbi, bairro rico de São Paulo, em setembro de 2018. Na ocasião, ela elogiou o trabalho do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e criticou defensores dos direitos humanos por “não preservar o direito dos policiais”. Segundo ela, esses grupos “acompanham todos os processos de crimes dolosos contra a vida quando os réus são policiais militares, mas não o fazem quando eles são vítimas.”

Em maio do ano passado, mais uma vez o script se repetiu e a juíza usou a legítima defesa para livrar os policiais Jorge Inocêncio Brunetto e Sidney João do Nascimento do júri popular pela morte de Frank Ligiere Sons, em 2010, apontado pela polícia como integrante do PCC.

Outro lado

A reportagem procurou os advogados Felipe Locke Cavalcanti e Marcelo Knopfelmacher, que constam como defensores de Débora no PAD, para saber se a juíza afastada gostaria de comentar o processo administrativo e seu afastamento.

Por e-mail, a defesa informou que não pode comentar o caso porque o procedimento está sob sigilo. “Como você deve saber o Tribunal decretou o sigilo do procedimento. Assim eventual pronunciamento sobre os fatos ali tratados caracteriza quebra do sigilo de forma indevida, podendo até caracterizar em tese um crime. Por esta razão estamos impedidos de nos pronunciarmos”, diz a nota.

Também tentamos contato direto com a magistrada via redes sociais. Até o momento, não houve retorno.

Reportagem atualizada às 19h20 do dia 27/8 para inclusão de posicionamento da defesa da juíza

Conhecida por absolver PMs e ter apoiado Bolsonaro, juíza é afastada por suspeita de negligência

Policial bandido tem medo da Ouvidoria 12

Polícias Civil e Militar brigam sobre o fim da Ouvidoria

25/08/20 por Paulo Eduardo Dias

Bancada da bala da Assembleia Legislativa de SP busca aprovar fim de órgão de controle das polícias; Delegacia Geral é contra

Participaram da sessão de audiência pública on-line Major Mecca, Frederico D’Avila, autor do projeto de lei, Conte Lopes, Delegado Olim, o ex-ouvidor Benedito Mariano e o delegado Edison de Santi, que foi representar Ruy Ferraz

Acostumados a não terem um relacionamento dos mais harmoniosos, com divergências públicas, a mais recente sobre exclusividade nas investigações, as polícias Civil e a Militar estão no centro de mais uma discussão: a extinção ou não da Ouvidoria da Polícia. Com 25 anos de existência, o órgão tem como uma das atribuições o recebimento de denúncias de violações, encaminhamento para órgãos corregedores, acompanhamento e cobrança.

Enquanto a Polícia Civil declara apoio público à manutenção do órgão, PMs atualmente ocupando mandato parlamentar procuram desqualificar o trabalho da Ouvidoria. Uma das teses é a de que ela foi loteada pela esquerda e serve apenas para fazer pré-julgamentos de PMs. Em meio esse embate, o Comando da Polícia Militar se cala.

projeto de lei 31/2019 que pede o fim do órgão foi apresentado na Assembleia Legislativa no ano passado, com a autoria de Frederico D’avila e outros 18 deputados, em sua maioria com patentes militares à frente do nome. Na Comissão de Constituição e Justiça, a primeira em que um projeto precisa ser aprovado para poder tramitar e ir à votação em plenário, a proposta recebeu voto contrário do relator Emidio de Souza (PT). Se não passar pela CCJ, o projeto é arquivado.

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As opiniões divergentes sobre o futuro do controle da atividade policial ficaram claras durante uma sessão virtual na Alesp (Assembléia Legislativa de São Paulo) na última segunda-feira (24/08). O encontro que foi presidido pela deputada estadual Janaina Paschoal (PSL), contou com a presença de um dos autores do projeto, o deputado Frederico D’avila (PSL), além de parlamentares da bancada da bala, como Conte Lopes (PP). O ex-comandante da Rota, coronel Alberto Sardilli, que não é político, também esteve na sessão.

Já a Polícia Civil foi representada pelo delegado Edson de Santi, uma vez que o delegado-geral Ruy Ferraz Fontes não pode estar presente, e pelo deputado estadual Delegado Olim (PP).

Paralelo aos policiais, o contraponto favorável à Ouvidoria ficou a cargo do sociólogo Benedito Mariano, primeira pessoa a ocupar o cargo de ouvidor ainda em 1995, e que deixou a cadeira no início deste ano, após cumprir novo mandato iniciado dois anos antes. Quem também tem conhecimento sobre o órgão e pode expressar a sua importância para a sociedade foi a procuradora aposentada Ana Sofia Schmidt de Oliveira, que trabalhou na Ouvidoria entre 1995 e 1997.

O atual ouvidor Elizeu Soares Lopes não participou do evento, no entanto, em nota, afirmou que “a Ouvidoria não é inimiga das polícias, pelo contrário, ela é parte integrante do sistema de segurança pública do Estado de São Paulo e, como tal, defensora intransigente da qualidade do trabalho policial e da polícia”. Elizeu já havia dado declaração semelhante em entrevista à Ponte, em março.

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O deputado Frederico D’avila foi o primeiro a falar e logo de cara mostrou desconhecer a data em que o então governador Mário Covas criou o órgão. Segundo ele, “a Ouvidoria da Polícia foi criada em 1997 por revanchismo em relação à corporação, uma vez que teve uma ação na Favela Naval que vitimou um morador. A Ouvidoria foi criada por revanchismo contra as polícias, principalmente a Polícia Militar”, sustentou.

A ocorrência da Favela Naval, a qual o deputado se referiu, ocorreu em março de 1997, quando o conferente Mario Josino foi morto durante um bloqueio de policiais militares no interior da comunidade localizada em Diadema, na Grande São Paulo. Um cinegrafista filmou o momento em que o PM Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, atirou na direção do carro em que Josino estava como passageiro.

D’avila, que não é policial, fez questão de enaltecer por diversas vezes os deputados da bancada da bala. Na sala em que fez a sua transmissão on-line era possível notar um quadro com uma foto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“Se a Ouvidoria fosse plural, onde lá existissem policiais civis e militares, promotores de Justiça, advogados criminalistas, membros da Alesp, eu até não teria proposto o encerramento. Mas desde sua origem não se tem uma Ouvidoria das Polícias, mas uma Ouvidoria de três ou quatro partidos políticos que pré-julgam as atividades policiais”, disse.

Ex-comandante da Rota, o coronel Alberto Sardilli, também participou da reunião. Ele criticou um suposto loteamento da esquerda no órgão e se mostrou incomodado com supostas informações privilegiadas obtidas pela Ouvidoria e lançadas na imprensa.

“A tropa entende o mecanismo da Ouvidoria com tranquilidade. O que a tropa se incomoda e que isso deixa, de certa forma, a atuação da polícia um pouco acuada, é esse pré-julgamento lançado à imprensa. A Ouvidoria é composta basicamente desde sua existência, 20, 25 anos atrás, de três partidos. Eu não vejo isso como democrático”, pontuou

Se por um lado pessoas mais próximas à PM se demonstraram contrárias ao órgão, o mesmo não pode ser dito da Polícia Civil. O delegado Edson de Santi, que representou Ruy Ferraz Fontes, manifestou apoio. “Nós, pela Delegacia Geral, não somos favoráveis a sua extinção. É uma via a mais de acesso da população ao governo, ao Estado. Muitas pessoas desinformadas não acreditam em procurar as nossas corregedorias, Corregedoria da Polícia Civil, da Polícia Militar”.

Na visão de Santi, muitas pessoas pensam que denunciar abusos das forças policiais para a própria polícia não vai surtir efeito. “Sobra para elas procurar a Ouvidoria e denunciar eventuais desvios de conduta. Então, nós somos favoráveis a essa terceira via”, explicou.

Seguindo a linha de raciocínio da instituição que faz parte, o deputado Delegado Olim (PP) também se mostrou contrário ao encerramento no atual momento, divergindo de sua convicção inicial, já que consta como um dos autores do projeto de extinção. “Não é hora de acabar com a Ouvidoria”. No entanto, ele ressaltou que o ouvidor não está lá para emitir opinião, mas para ouvir.

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, general João Camilo Pires de Campos, assistiu uma pequena parte da transmissão. Ele, que no papel é o chefe das polícias, sustentou que a Ouvidoria é respaldada por lei federal.

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A procuradora aposentada Ana Sofia Schmidt de Oliveira integrou a assessoria jurídica da Ouvidoria e defendeu sua existência.

“Será que é a Ouvidoria que abala a credibilidade da polícia? Não é Ouvidoria, não é a imprensa, não a viralização nas redes sociais de um vídeo gravado pelo celular de um morador da periferia que testemunha uma abordagem violenta. Não é isso que abala a credibilidade da polícia. É a violência policial em si”, frisou.

Durante seu tempo de fala, Ana Sofia contou ter lembrado das pessoas que procuraram o órgão no primeiro ano de seu trabalho buscando por justiça e acolhimento. “Nessa audiência pública eu sinto falta dessas pessoas. Usuários da Ouvidoria”, frisou.

Outro deputado que participou do ambiente virtual foi Major Mecca (PSL). Ex-policial militar e crítico do governador João Doria (PSDB), o parlamentar componente da bancada da bala revelou que o órgão só existe em virtude “da falta de uma de campanha, de um trabalho do governo do Estado para esclarecer ao cidadão como funciona a polícia”.

Após dizer que a Ouvidoria é uma mentira, Mecca pontuou como usaria o orçamento disponibilizado. “Por que que não pega o dinheiro que é gasto com a Ouvidoria todo mês e investe numa campanha de esclarecimento ao cidadão de bem de como se comportar durante uma abordagem policial?”.

Ainda em seu tempo de fala e sem mostrar constrangimento, Mecca declarou ser contra campanhas que pedem o registro de policiais que cometem desvios de conduta. “Não é incentivar o cidadão a ficar fotografando o policial, quando o mais importante seria o cidadão fotografar e filmar o criminoso, que tá promovendo o comércio de drogas”, criticou.

O ex-ouvidor Benedito Mariano mostrou descontentamento com tantas falas pedido a extinção do cargo que ocupou por sete anos, em um órgão que chegou a ser “símbolo de controle social da atividade policial em todo país”. “Quem quer extinguir a Ouvidoria da Polícia não valoriza as conquistas democráticas e não valoriza o estado democrático de direito. A Ouvidoria da Polícia contribuiu para melhorar as instituições policiais”, destacou.

Ele ainda lembrou três casos de jovens mortos recentemente por policiais militares: Guilherme, 16 anos, Rogério, 19, e David, 23. Nenhum dos três estava armado, cometendo crime ou atacando policiais.

“As famílias se sentiram à vontade em procurar órgãos internos da polícia ou a Ouvidoria?”, questionou. Dos três casos, apenas o acusado pelo assassinato de Guilherme, o sargento Adriano Fernandes de Campos, está preso.

O procurador mineiro Rogério Greco também participou da audiência e saiu em defesa de uma reforma no órgão. Para ele, o cargo de ouvidor deveria ser ocupado por alguém da própria polícia.

“Talvez, esse projeto é mais um pedido de socorro, um desabafo na verdade, porque a gente só vê o policial como objeto de crítica. A gente quer valorizar a atividade policial”, pontuou.

Construa a Ponte

Em outro trecho da nota enviada pelo atual ouvidor Elizeu Soares Lopes, ele procurou ressaltar a importância da Ouvidoria, que, na visão dele, deve ser encarada como uma conquista histórica e um espaço de diálogo entre poder público e a sociedade civil sobre segurança pública. “Há nela um relevante papel, no controle da atividade policial e na busca da preservação dos direitos humanos. Sua atividade protege as instituições, a sociedade e os próprios policiais, através da fiscalização e da mediação com as polícias Civil, Militar e Técnico-Científica”.

Procuradas, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) e a Polícia Militar não se pronunciaram.

Errata em 26/8, às 15h15 – A reportagem originalmente informava que não havia data para o projeto de lei ser votado em plenário, mas na realidade ainda nem existe essa possibilidade, já que a proposta ainda precisa passar pela primeira comissão do processo legislativo da Assembleia Legislativahttps://ponte.org/policias-civil-e-militar-brigam-sobre-o-fim-da-ouvidoria/

 

Fabricante alemã da arma que matou Marielle não exportará mais para o Brasil 4

Fabricante alemã da arma que matou Marielle não exportará mais para o Brasil

Em reunião de acionistas, alemã Heckler & Koch cita agitação política e violência policial como motivos para suspender vendas para o Brasil. Submetralhadora MP5 foi usada no assassinato de Marielle Franco.

Diferentes tipos da submetralhadora MP5, arma que matou Marielle, em exposição na sede da Heckler & Koch na Alemanha Diferentes tipos da submetralhadora MP5, arma que matou Marielle, em exposição na sede da firma na Alemanha

A fabricante alemã da arma que foi usada no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista em 2018 confirmou que não exportará mais armamento para o Brasil. A declaração foi dada durante a reunião anual de acionistas da Heckler & Koch (H&K), ocorrida na quinta-feira (27/08).

Segundo o jornal alemão taz, a Associação de Acionistas Críticos na Alemanha (Dachverband Kritische Aktionäre), que compra ações de empresas para cobrar delas respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, questionou na reunião a Heckler & Koch sobre a venda de armas para o Brasil.

“Com as mudanças no Brasil, especialmente a agitação política de antes das eleições presidenciais e a dura ação da polícia contra a população, foi confirmada a decisão de não fornecer mais para o Brasil”, respondeu então o porta-voz da empresa.

Na reunião de acionistas em 2019, a associação já havia questionado a Heckler & Koch sobre a situação do Brasil, de acordo com o taz. Na época, a empresa admitiu que exportou centenas de armas para o país nos anos anteriores e disse que o presidente da H&K, Jens Bodo Koch, havia decidido “não fornecer mais armas ao país depois da eleição de Jair Bolsonaro”.

O jornal afirma, no entanto, que não ficou claro na época se a decisão havia sido tomada pela eleição de Bolsonaro ou se a empresa não tinha mais recebido encomendas do Brasil. Por isso, a pergunta foi novamente feita pelos acionistas neste ano, que receberam a confirmação da paralisação das exportações para o país.

Em 2018, o caso Marielle acendeu o alarme de ativistas que cobram controles mais severos para a exportação de armas pela Alemanha e o banimento de vendas para países acusados de violar direitos humanos.

Segundo apontou a Polícia Civil do Rio de Janeiro, Marielle foi atingida por disparos de uma HK MP5, uma submetralhadora de uso restrito no Brasil. Teoricamente, só deveria ser encontrada nos arsenais das polícias Militar, Civil, Federal e de alguns grupamentos das Forças Armadas. Não está claro se a arma foi desviada de um desses arsenais. Não é raro que armas da H&K sejam encontradas em poder de criminosos no Brasil.

Mesmo antes da morte de Marielle, outros episódios no Brasil já haviam chamado a atenção de ativistas na Alemanha. Em 1992, oito submetralhadoras HK foram usadas pela PM na chacina de 111 presos do Carandiru.

Não há registros detalhados sobre as últimas vendas da H&K ao Brasil. A empresa não informa sobre seus negócios no país. Dados do Departamento Federal de Controle Econômico e de Exportações também são vagos. Anualmente, o departamento divulga informes sobre exportações de armas da Alemanha, mas se limita a apontar o número de transações e os valores envolvidos – não há identificação de fabricantes e detalhes das armas.

Trajetória construída no pós-guerra

Na Alemanha, exportação de armas é tema controverso. A cultura pacifista interna que caracteriza o país desde a Segunda Guerra Mundial impulsiona ativistas que querem mais transparência nas transações. Ao mesmo tempo, o governo é regularmente acusado de dar tratamento especial para as fabricantes e de não agir para reforçar o controle. A Alemanha é o quinto maior exportador de armas do mundo e o setor emprega 80 mil pessoas.

A H&K, por exemplo, é maior empregadora de Oberndorf am Neckar, pequena cidade do sul do país. Fundada em 1949 por ex-engenheiros que trabalhavam para a Mauser, empresa que fabricou fuzis para o regime nazista, a H&K teve seu primeiro impulso ao vender armamento para a Bundeswehr, as Forças Armadas da Alemanha Ocidental.

Nos anos 1950, desenvolveu o fuzil de assalto HK G3, que passou a rivalizar com o soviético AK-47, ou Kalashnikov, em vendas internacionais. O G3 logo passou a ser facilmente encontrado em dezenas de conflitos no terceiro mundo durante a Guerra Fria. Entre os anos 1960 e 1980, a Alemanha Ocidental ainda autorizou a H&K a emitir licenças de fabricação do G3 para 16 países, como Irã e Paquistão, entre outros Estados que figuraram regularmente como violadores de direitos humanos.

Nos anos 1990, a H&K desenvolveu o sucessor do G3, o HK G36. Em 2008, Berlim autorizou acordo de licenciamento para instalação de uma fábrica do novo fuzil na Arábia Saudita.

A empresa atua ainda livremente nos EUA, que consumiu 33% das suas exportações entre 2012 e 2016. Em feiras americanas, representantes da H&K apresentam produtos para compradores civis com um desembaraço que seria impensável na Alemanha, onde o controle de venda de armas para cidadãos é rígido.

Policial apresentará identidade ou será desarmado em abordagem, define SP 7

Policial militar, com metralhadora em punho, aborda policial civil durante ocorrência - Reprodução

Policial militar, com metralhadora em punho, aborda policial civil durante ocorrência Imagem: Reprodução

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

01/09/2020 11h04Atualizada em 01/09/2020 13h32

Após semanas de tensão entre policiais civis e militares, gerada depois de uma abordagem a um falso policial que terminou com três PMs mortos, o governo de São Paulo estabeleceu, por meio de uma resolução, procedimentos a serem adotados na abordagem de um policial a outro policial.

O governo paulista definiu que, ao ser submetido a uma abordagem, todo policial deve mostrar sua identidade funcional. Se houver recusa, o policial abordado deve ser desarmado até o fim do procedimento. A resolução foi assinada ontem pelo secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, e publicada hoje no Diário Oficial.

A resolução diz que a abordagem entre policiais “deverá pautar-se sempre nos princípios da dignidade da pessoa humana, da impessoalidade, e da estrita legalidade” e que “os policiais envolvidos na ocorrência devem interagir com urbanidade, colaboração e respeito mútuos”.

Ao realizar a abordagem, o texto afirma que o policial deve ser claro, identificar-se como tal, conferir os documentos do agente abordado e, se comprovado que o abordado é policial, deve devolver a identidade, comunicar o ocorrido ao seu superior e não desarmar nem submeter o abordado à busca pessoal.

Se houver recusa na entrega do documento ou dúvida, devidamente fundamentada, quanto à qualidade de policial do abordado, o policial que estiver abordando deverá fazer busca pessoal e desarmar o abordado, enquanto realiza consulta formal, por meio dos canais de comunicação de sua respectiva corporação.

Já se o policial abordado não estiver portando a carteira de identidade funcional no momento, será realizada a imediata busca pessoal e seu consequente desarmamento. Caso esteja com arma, a recomendação é que ele permaneça sob vigilância até que esteja comprovado que é um policial.

A secretaria aponta na resolução que a busca pessoal e o desarmamento de um policial durante abordagem somente serão permitidos em três situações: ao se recusar a entregar a identidade funcional, ao não ter sua carteira funcional ou quando o abordado estiver com “sinais de descontrole físico, emocional ou comportamento agressivo”.

Se o policial abordado estiver em serviço investigativo ou velado, deverá reportar essa circunstância, imediatamente, de modo a evitar prejuízo ao trabalho, define, ainda, a resolução. O comando da PM e a delegacia-geral da Polícia Civil terão 15 dias para regulamentarem, conjuntamente, as disposições da resolução.

Para Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), por um lado, é importante ter um protocolo mais claro, que defina a ação.

“Por outro lado, a resolução tem o potencial de acirrar os conflitos entre as polícias na medida em que a expectativa é de que você preste explicações para membros da sua própria instituição. É preciso que tenha um treinamento muito claro e que seja bem difundido nas organizações”, diz.

Já para o Sindpesp (Sindicato dos Delegados de SP), “a resolução da margem a interpretação subjetiva no trecho que cita o desarmamento por sinais de descontrole físico, emocional ou comportamento agressivo, ao não estabelecer um protocolo de ação nesses casos, ficando a cargo dos policiais envolvidos decidir”.