O Estado criminoso…( O Exército virou força auxiliar reserva da PM ) 11

O Estado criminoso

O Estado brasileiro, um dos mais caros e ineficazes do mundo, está pelo avesso e precisa ser urgentemente reinventado

A greve no setor de segurança pública do Rio Grande do Norte é, como se diz, mais do mesmo. Repete, no formato, na motivação e nas consequências, as ocorridas anteriormente em outros estados: salários baixíssimos e, como se não bastasse, em atraso.

Profundo atraso. Somente agora, depois da baderna instalada, o governador Robson Faria veio a público garantir que, enfim, pagará o salário de outubro. Isso mesmo: outubro. E o faz em tom triunfal, de quem presta um favor aos mal-agradecidos funcionários.

Não há verba, diz o governador, cujo salário, no entanto, assim como o dos integrantes do Legislativo e do Judiciário locais, está em dia. O atraso é apenas para o baixo clero do funcionalismo.

No Rio de Janeiro, aguarda-se o pagamento do 13º de 2016 e os salários em atraso foram parcelados. Como algumas parcelas também atrasam, há o sub-parcelamento do parcelamento.

Não há verba, repetem todos. Mas, no riquíssimo estado de Roraima, por exemplo, a Assembleia Legislativa acaba de se autoconceder mais um aditivo salarial: um auxílio-paletó, de R$ 25 mil, benefício vigente em suas congêneres de diversos estados.

Um soldado da Polícia Militar do Rio Grande do Norte ganha (quando ganha, claro) R$ 2,7 mil mensais. O do Rio de Janeiro, um pouco mais: R$ 3,2 mil. Mas um deputado estadual potiguar ganha, sem atraso, R$ 25 mil mensais, além de verba indenizatória, ajuda de custo, verba para contratação de assessores (nove por gabinete), num total anual per capta de R$ 1.157.556,60. Sem atraso.

A greve da Polícia Militar do Espírito Santo, ano passado, deixou um rastro de mais de cem mortos, vítimas da ação livre dos bandidos. Foi preciso, antes como agora, a intervenção das Forças Armadas, que, aos poucos, se transformam em força policial de reserva. A Constituição proíbe greve de militar – e a PM aí se insere.

Ocorre que a mesma Constituição (artigo 7º) obriga que os salários sejam pagos pontualmente pelo empregador, “constituindo crime sua retenção dolosa” (inciso X). Quem responde por isso?

Não é casual que o Brasil seja campeão mundial em criminalidade, com índice de homicídios de guerra civil (cerca de 70 mil por ano). Prioridade à segurança é apenas discurso de campanha. Na prática, não existe. E os baixos salários são apenas parte do problema, a que se somam o péssimo equipamento de trabalho.

A responsabilidade, no entanto, está longe de ser apenas de governadores perdulários – quando não, ladrões mesmo.

Há uma bagunça salarial no Estado brasileiro, que permite que um soldado da PM, que arrisca diariamente a vida, ganhe em média um quarto de um capinha do Supremo Tribunal Federal.

Capinha é o apelido que têm os assistentes de plenário – salários de R$ 12 mil – de cada um dos onze ministros do STF. Estes, nas sessões, trajam solenes capas pretas, que se estendem até os pés, enquanto a capa de seus auxiliares vai apenas até a cintura; daí o apelido, digamos, carinhoso.

Têm por missão (os capinhas) servir água e cafezinho ao respectivo ministro, puxar-lhe a cadeira para sentar e atendê-lo em pequenas solicitações quando em plenário. Segurança máxima, dois meses de férias anuais e salários pontualíssimos, equivalentes aos de um general-de-Exército, posto máximo das Forças Armadas.

O STF tem mais de dois mil funcionários (só de recepcionistas há 230) para atender onze ministros.

Não é uma anomalia isolada. Garçons e ascensoristas da Câmara e do Senado, por exemplo, chegam a receber salários de até R$ 15 mil. E o mesmo se dá em diversas câmaras municipais e assembleias legislativas país afora. A Câmara Municipal de São Paulo, outro espantoso exemplo, paga R$ 9,7 mil a engraxates e R$ 6,7 mil a barbeiros. Se numa cidade como São Paulo, com alta cobertura da mídia, isso ocorre, imagine-se nos rincões do país.

Não se trata apenas do valor anômalo do salário, mas do despropósito de tais funções, alheias à atividade-fim dessas instituições, o que só se explica pela profunda anarquia administrativa do Estado, sem transparência e fora do controle.

Dinheiro, há – o Brasil, afinal, é uma das dez maiores economias do mundo -, mas está distribuído de maneira criminosa, sem qualquer senso de proporção e prioridade, ao sabor de quem tem maior poder de pressão. Saúde e segurança, setores que afetam diretamente o grosso da população, são, em regra, negligenciados.

E o resultado é o que ocorre no Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Amazonas e em toda parte. Agora, por exemplo, em Aparecida de Goiânia, novo motim penitenciário – rotina no país – deixou nove mortos, 14 feridos graves e permitiu a fuga de mais de uma centena de presos.

O Estado brasileiro, um dos mais caros e ineficazes do mundo, está pelo avesso e precisa ser urgentemente reinventado. Caso contrário, teremos sempre mais do mesmo.

O Estado criminoso

Reajuste de Alckmin a servidores é “eleitoreiro” e “debochado”, avaliam sindicatos 98

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

  • Aloisio Mauricio/Fotoarena/Estadão Conteúdo

    Em entrevista coletiva, Alckmin anunciou nessa quinta (4) projeto de lei para o reajuste salarial de 3,5% ao funcionalismo público; policiais e professores receberão 4% e 7%, respectivamente

    Em entrevista coletiva, Alckmin anunciou nessa quinta (4) projeto de lei para o reajuste salarial de 3,5% ao funcionalismo público; policiais e professores receberão 4% e 7%, respectivamente

Representantes de trabalhadores da saúde, da educação e da segurança pública reagiram com críticas e classificaram como “debochado”, “irrisório” e “eleitoreiro” o reajuste ao funcionalismo público estadual anunciado nessa quinta-feira (4) pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). O aumento será de 3,5% a todas as categorias, à exceção dos 4% para as polícias e 7% aos professores. Os servidores ativos e inativos da educação, por sinal, equivalem a um terço dos mais de um milhão que compõem a folha.

O reajuste, o primeiro do atual mandato iniciado em 2015, foi anunciado na semana que antecede o aumento nas tarifas do transporte coletivo — de R$ 3,80 para R$ 4 a partir do próximo dia 7 — e começa a valer assim que a Assembleia Legislativa aprová-lo, na forma de projeto de lei, tomando por base o dia 1º de fevereiro.

O anúncio do aumento acontece ainda em período em que Alckmin se lança como pré-candidato do PSDB à Presidência da República – ele pode disputar prévias dentro do partido pelo posto contra o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto.

Para as categorias ouvidas pela reportagem, os índices anunciados pelo governador pouco contemplam uma defasagem salarial de mais de 40% que se arrasta, em alguns casos, desde 2012. O próprio Alckmin admitiu o desequilíbrio acumulado, mas argumentou que o que inviabilizou a concessão de reajustes foi uma queda real na receita corrente líquida em 2014 (1,4%), 2015 (5%) e 2016 (8%), anos classificados pelo tucano como “período duríssimo”.

“Há mais de cinco anos não existe o reajuste previsto na Constituição Federal, tanto que os delegados de São Paulo têm o pior salário da categoria em todo o país. Precisaríamos ter os salários reajustados, no mínimo, 40%, de acordo com ajustes da inflação que não recebemos”, afirmou a presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia Civil do Estado de São Paulo, Raquel Kobashi Gallinati.

A delegada enfatizou que dois decretos publicados pelo governo paulista no final de dezembro passado transferem verbas da Polícia Civil a outros órgãos a pretexto de suplementá-los – caso do decreto 63.124, de 28 de dezembro, que mexe em R$ 112,791 milhões, e do 63.117, de 27 de dezembro, que concedeu ao Tribunal de Justiça crédito suplementar de R$ 220 milhões, mas com quase R$ 29 milhões advindos da Civil.

“Esses 4% anunciados hoje [quinta-feira] são um reajuste-deboche a um salário-deboche pago aos delegados de polícia. O governo do Estado continua em débito com a categoria ao seguir com uma gestão absurda e tecnicamente péssima dos recursos. Para quem interessa uma polícia enfraquecida, se não ao crime organizado?”, questionou.

Hoje, um salário inicial de delegado de polícia em São Paulo é de R$ 10.050. “Um terço das carreiras jurídicas e o pior na federação. Mas um índice desse, junto com os 3,5% e os 7% anunciados, mais desmotiva do que une o funcionalismo”, concluiu a delegada.

Educação fez greve de 92 dias, em 2015, com 0%

Na educação, os 7% anunciados também soaram insuficientes pelo sindicato que representa a categoria, a Apeoesp, apesar do avanço em relação a pleitos como o de 2015 –quando os professores realizaram uma greve de três meses, considerada pela entidade a mais longa de sua história, sem conseguirem reajuste salarial. Na ocasião, reivindicava-se 75,33% para equiparação salarial com as demais categorias com formação de nível superior; o governo dizia ter dado reajuste de 45% em quatro anos.

Alice Vergueiro/Futura Press/Estadão Conteúdo

Em 2015, professores da rede estadual de São Paulo ficaram em greve por três meses

“A luta continua pelo pagamento do reajuste de 10,15% conquistado em duas instâncias do TJ, ano passado, para equiparar o salário-base ao piso nacional, ainda que o governo tenha obtido a suspensão do pagamento com um recurso extraordinário. Ingressamos com recurso no STJ [Superior Tribunal de Justiça] e aguardamos o retorno do recesso judiciário”, disse a presidente do sindicato, Maria Izabel Noronha.

Na avaliação da dirigente, o reajuste de 7% “é, portanto, um resultado da nossa luta, não uma concessão, uma dádiva”.

Indagada sobre o anúncio ocorrer em meio à definição da pré-candidatura presidencial de Alckmin, Noronha esquivou-se. “Para mim não interessa quando isso é dado; o problema é do governador. O que queremos é o reajuste, e não um reajuste risível como esses 7%”, enfatizou. “Atualmente, um professor PEB 2, com nível superior, recebe R$ 2.222 mensais para 40 horas semanais [o valor correto é de R$ 2.415,89]. Um reajuste desses dá pouco mais de R$ 150, é risível”, reforçou. O piso nacional, aprovado para 2018, é de R$ 2.455,35.

Em nota, a Secretaria da Educação do Estado rebateu os números apresentados e as críticas do sindicato e lembrou que “o salário dos professores é acrescido de benefícios, conforme as faixas e níveis de carreira, quinquênio, além de bônus por mérito, pago anualmente, de acordo com o avanço do ensino nas escolas estaduais”.

Reajuste “a toque de caixa, eleitoreiro”, diz SindSaúde

Já o SindSaúde-SP, sindicato que representa os trabalhadores do setor, classificou o reajuste de 3,5% como “eleitoreiro”.

“Foi um completo descaso deste governo um reajuste desse, feito a toque de caixa, sem discussão com a categoria e no meio de uma pré-candidatura à Presidência por parte do governador. Ele disse que quis fazer ‘justiça’, mas isso é mais uma campanha eleitoral que um reajuste digno de salário”, criticou o diretor de comunicação do SindSaúde, Jorge Alexandre Braz de Senna.

Conforme o diretor, o impacto do reajuste a boa parte da categoria “será quase nulo”.

“Para muitos trabalhadores da saúde, esse é um índice que, aplicado no salário-base, representa praticamente nada –um auxiliar de enfermagem, por exemplo, ganha R$ 322,28, iniciais, sem as gratificações. Com elas, vai a pouco mais de R$ 1.300. O reajuste é sobre o salário-base”, explicou, para completar: “Ano passado fizemos com o Dieese um levantamento para pedir reajuste: de março de 2012 a dezembro de 2017, a defasagem está acumulada em 43,78%. Com 3,5%, o impacto para reverter isso é mínimo”, salientou.

Especialistas em direito divergem sobre viés “eleitoreiro”

Para o professor de Administração e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) Rafael Alcadipani, o reajuste geral anunciado pelo tucano “não recompõe as perdas inflacionárias ao longo destes anos” e “só reforça essa maneira eleitoreira de fazer política e de um candidato a presidente”.

“É uma irresponsabilidade monumental tratar os funcionários públicos desta forma, como mero joguete eleitoral, depois de deixar que eles perdessem poder de compra ao longo desses anos todos”, criticou.

Na avaliação do professor de direito administrativo da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Carlos Ari Sundfeld, por outro lado, esse tipo de discussão é “mais político” que necessariamente constitucional.

“A discussão [sobre o contexto eleitoral do anúncio] é política; os sindicatos naturalmente reclamam. E também não vejo inconstitucionalidade se os 3,5% foram concedidos a todas as categorias, ainda que algumas tenham recebido a mais por alguma razão de compensação. Se o governador fez algo errado em segurar esses reajustes nesses anos –e, de fato, ele foi bastante mão fechada –, ou se ele agiu corretamente alegando equilíbrio fiscal, isso a população julgará corretamente no entendimento político dela”, finalizou.

Alckmin diz que medida é de “natureza fiscal”

Alckmin negou que o anúncio seja uma espécie de pacote de bondades ao funcionalismo em função do contexto eleitoral. Durante a entrevista, o tucano chegou a dizer que “o cenário futuro é melhor”, ao admitir que os índices anunciados não seriam ideais, e citou o filósofo espanhol Ortega y Gasset: “Eu sou eu e a minha circunstância”.

“Não se trata de nenhuma mudança por ser ano eleitoral ou não; isso tem o mesmo vigor de natureza fiscal. Não podíamos dar reajuste com déficit, com queda na arrecadação”, esquivou-se.

MORAL DE REBANHO – Ano que passou afrontou liberdade de expressão; 2018 precisa ser diferente 64

RETROSPECTIVA 2017

Ano que passou afrontou liberdade de expressão; 2018 precisa ser diferente

Por Alexandre Fidalgo

A liberdade (…) é inseparável dos seus encargos. Dela não é digno o povo, que não saiba sofrer os males naturais de sua situação, e espere de outros recursos, que não a liberdade mesma, o meio de vencê-los.”
(Rui Barbosa)

Estamos inegavelmente vivendo tempos difíceis. 2017 corrobora essa assertiva. Não estamos a falar somente de questões políticas, de representatividade democrática ou de questões econômicas, mas, sim, de alguns conceitos recuperados de tempos remotos e sombrios. O Brasil, dada a diversidade que se impõe à sociedade, teve momentos de pouca tolerância com alguns assuntos, compreendendo-os mal, ao arrepio de valores que se imaginavam seguros e consolidados.

Um dos episódios que mais marcou a trajetória de 2017 foi a grita de muita gente em razão da exibição, como arte, do corpo humano desnudo em museus pelo Brasil, bem como a exposição de quadros artísticos em que era exibida, sem folhas de parreira, a genitália humana. Que a sociedade confunda a nudez de um corpo com a sexualidade que pode emanar disso, “vá lá”, faz parte de uma cultura muito enraizada no cristianismo e na condenação da genitália como elemento apenas pudico. Mas impedir a exibição do nu como uma expressão de arte, em local fechado e apropriado, em sua maior parte em Museus, como aconteceu em 2017, é perigosamente cruzar um limite cuja volta é longa, tortuosa e, por vezes, agressiva.

O fato, por conta desses episódios que foram disseminados numa boa parte do território brasileiro, sob o argumento da preservação de valores da família e de valores individuais, acabou por refletir uma sociedade brasileira um tanto distante da liberdade de expressão. Nenhum desses valores se sobrepõe à ideia de liberdade, incluindo a de expressão, natural de uma sociedade efetivamente democrática. Nossa sociedade não pode valorizar as relações domésticas mais do que as relações que devemos ter com as leis, com o Estado, com as normas, com a democracia. Esse é um dado cultural, acontecido em 2017, que precisa ser superado.

Também 2017 ficou marcado pela confirmação de o que atualmente mais atormenta a vida das pessoas públicas, notadamente os políticos: a publicação de reportagens. Em tempos passados mais próximos, a opinião era o que incomodava. Muito disso por conta do trabalho jornalístico exemplar que todos os veículos de comunicação vêm fazendo das operações que combatem a corrupção, a exemplo da “lava jato”. Para condenar os fatos revelados pela imprensa oriundos dessas investigações, muitos lançam o argumento de que os vazamentos das informações são feitos de forma seletiva e, portanto, há de se punir o difusor da informação. Como bem se sabe, não cabe punir a imprensa pelo exercício de legal e legítimo que realiza.

Na atividade jornalística, a busca por questões e assuntos de interesse público é o que pauta a informação, que deixa de ser do jornalista e do jornalismo, para, automaticamente, se incluir na esfera jurídica e de interesse da sociedade (art. 5º, XIV, CF). Ou seja, de posse dessas informações de interesse, cabe aos veículos publicá-las, independentemente da pessoa envolvida e do momento político da publicação. A tentativa em 2017, ainda que por diversas vezes buscada, não logrou êxito. Torçamos que assim continue em 2018.

Outrossim, ainda em 2017 assistimos um aumento significativo de ações de homens da república contra veículos de comunicação, discutindo, em sua grande parte, detalhes secundários de um universo de conteúdo revelador e bombástico a respeito de seus “afazeres” públicos, no intuito de convencer bancadas e eleitores de que estão “cobrando na justiça explicações contra essas inverdades” publicadas. Valeram-se do fato de que a maior parte do material investigativo que compõe as operações policiais e do Ministério Público está em segredo de justiça, exigindo, assim, que o veículo publicador da informação comprove determinado dado mediante provas documentais, sob pena de estar infirmada a notícia.

Há inúmeros casos judicializados exatamente nesse sentido, que, em razão de ainda não estarem definitivamente julgados, tomaremos a cautela de não mencioná-los. Em 2017 foram muitas ações promovidas por políticos graúdos e de grandes partidos, apanhados em investigações envolvendo recebimento de dinheiro e tantas outras mazelas.

Essa discussão ainda caminhará pelo ano de 2018, especialmente frente às eleições que virão e o avanço das investigações contra a corrupção. Esperamos que valores como a liberdade de expressão e, por consequência, a atividade jornalística, continuem sendo prestigiados pelas nossas Cortes Regionais e Superiores, que enfrentarão grande quantidade de ações promovidas por políticos buscando descredenciar informações de interesse da sociedade.

Outro ponto que marcou o ano de 2017 e que certamente continuará a ocupar, de forma preocupada, veículos de informação no país é a mais recente forma de censura que se está por aqui a praticar. Falamos das solicitações de retirada de conteúdo de informação da internet. A facilidade da plataforma do meio digital não pode constituir passaporte para o impedimento de notícias e para a retirada de conteúdo já publicado, bem como igualmente não pode tornar-se uma espécie de coautoria de obra jornalística, nas hipóteses em que o Poder Judiciário determina o recorte de parte da informação ou o acréscimo de outra, fazendo as vezes de um editor de redação. Tudo isso está no conceito de tristes memórias passadas, em que oficiais do governo atuavam em redações de jornais e revistas, impugnando imediatamente o conteúdo informativo que se buscava ali publicar.

Essa prática vem sendo utilizada pela Justiça – especialmente em primeiro grau – como se isso não constituísse amarra, peia, efetivamente censura à atividade da imprensa. Como é sabido, a informação na mídia digital, radiofônica ou impressa continua sendo atividade jornalística, em que se exerce liberdade de expressão.

A título de ilustração, mas absolutamente pertinente pela proximidade de um novo período eleitoral, fazemos referência ao estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas acerca das Eleições de 2014, em que se concluiu haver deferimento do pedido de retirada de conteúdo em 66% dos casos em sede de liminar, 62% em Primeira Instância e 58% em Grau Recursal. Esses dados evidenciam medidas restritivas à liberdade de expressão do pensamento. E aqui convém reiterar a relevância reforçada que deveria existir da liberdade de expressão no período eleitoral, quando o debate de ideias deve acontecer do modo mais amplo possível.

Mas, nesse ponto, os tribunais regionais e as cortes superiores têm restabelecido a ordem e o respeito à liberdade de expressão, impedindo a manutenção de atos censórios, há muito banidos no nosso ordenamento jurídico. É sempre bom fazer a ressalva que sempre que houve por parte da imprensa o cometimento de violação a direito de terceiros, a condenação deve se impor igualmente, nas modalidades de reparação pecuniária, direito de resposta e, em alguns casos, de repressão penal, mas nunca, em nosso ver, com o cerceamento da palavra e o banimento do que foi publicado.

Em 2017 também houve grande preocupação às chamadas fake news, as notícias mentirosas propositadamente lançadas à sociedade para atingir algo, alguém ou criar um ambiente de incerteza geral. Evidentemente que isso é condenável e deve ser objeto de repreensão do Estado, tratando-se de uma preocupação global. Mas o que nos preocupa, diante de tantas erronias no trato da liberdade de expressão, é que por conta de determinada doença, utilizemos como remédio o banimento e a perseguição de informações de origem conhecida e de credibilidade, simplesmente por não agradar.

A preocupação com essas notícias mentirosas e, por conseguinte, a abertura de uma janela de pretexto para cerceamento de notícias que simplesmente desagradam, ganha maior importância em 2018, ano eleitoral em que as campanhas políticas e as informações serão desenvolvidas, na sua maior parte, pela internet, ambiente aparentemente possível para a difusão de informação sem “autoria”. Aparentemente, sim, pois é absolutamente enganosa a ideia de anonimato na internet, pois seus subscritores se não imediatamente identificados, certamente são identificáveis.

O movimento de repressão que se buscará não pode, como visto, servir de pretexto para banir noticiário contrário a alguns interesses. Reside aí o cuidado grande de não aplicarmos remédio que, ao eliminar a doença, acaba também com o organismo.

Sempre defendemos que contra as ameaças da liberdade de expressão, há de se garantir mais liberdade de expressão. Ou seja, contra as notícias falsas, mais informação e liberdade, a fim de que uma quantidade grande de notícias com credibilidade torne absolutamente evidente aquilo que é falso.

E nesse sentido, para todas as preocupações aqui apontadas em 2017, mais liberdade de expressão em 2018, valendo seguirmos as orientações postuladas há muito por um dos nossos grandes tribunos: A liberdade (…) é inseparável dos seus encargos. Dela não é digno o povo, que não saiba sofrer os males naturais de sua situação, e espere de outros recursos, que não a liberdade mesma, o meio de vencê-los (Rui Barbosa).

Um grande 2018 a todos, de muita inspiração e sabedoria.


1. Há copioso material a ser utilizado como exemplo, mas citaremos apenas 3 processos, com determinação de retirada de conteúdo jornalístico da internet veiculado por grandes grupos de comunicação e jornalistas de destaque: processo nº 0006593.34.2017.8.160194 (TJPR); 2192918.45.2017.8.26.000 (TJSP); RCL 28.743 (STF)

2. Justiça Eleitoral e Conteúdo Digital nas eleições de 2014. Disponível em: http://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/pesquisa_justica_eleitoral_fgv_2.pdf. Acesso em: 18.09.2017.

3. A título de exemplo, para além do precedente emblemático na ADPF 130, v. STF, RCL 18566, Rel. Min. Celso de Mello: “(…) Preocupa-me, por isso mesmo, o fato de que o exercício, por alguns juízes e Tribunais, do poder geral de cautela tenha se transformado em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave comprometimento da liberdade de expressão, nesta compreendida a liberdade de imprensa. Ou, em uma palavra, como anteriormente já acentuei: o poder geral de cautela tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura!”

No contexto eleitoral, v.: STF, DJ 1º out. 2014, Rcl 18687/AP, Rel. Min. Roberto Barroso: “RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR. CENSURA PRÉVIA A VEÍCULO DE IMPRENSA. INADMISSIBILIDADE. 1. Na ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, o Supremo Tribunal Federal proibiu “qualquer tipo de censura prévia” aos órgãos de imprensa, como determina a Constituição. 2. Ao proibir jornalistas, radialistas e integrantes dos meios de comunicação de entrevistar, mencionar, elogiar ou mesmo criticar candidatos inscritos na disputa eleitoral de 2014, a decisão reclamada aparentemente violou a autoridade da decisão do Plenário do STF. 3. Liminar deferida parcialmente”. Em casos recentes, v.: STF, DJ 31 ago. 2017, Rcl 26978/CE, Rel.  Min. Alexandre de Moraes: “ A decisão judicial impôs censura prévia, cujo traço marcante é o “caráter preventivo e abstrato” de restrição à livre manifestação de pensamento, que é repelida frontalmente pelo texto constitucional, em virtude de sua finalidade antidemocrática. A propósito do tema, o Ministro CELSO DE MELLO, bem afirmou que o “exercício de jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação, sob pena de o poder geral de cautela atribuído ao Judiciário qualificar-se, perigosamente, como um novo nome de uma inaceitável censura estatal em nosso País” (Rcl 18.566 MC, DJe de 17/9/2014)”.

“(…) A liberdade de imprensa assim abrangentemente livre não é de sofrer constrições em período eleitoral. Ela é plena em todo o tempo, lugar e circunstancias. Tanto em período não-eleitoral, portanto, quanto em período de eleições gerais. (…) Processo eleitoral não é estado de sítio (art. 139 da CF), única fase ou momento de vida coletiva que, pela sua excepcional gravidade, a Constituição toma como fato gerador de “restrições à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e a liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei” (inciso III do art. 139)”. STF, ADI 4.451, Rel. Min. Carlos Ayres Britto

 é sócio titular do escritório Fidalgo Advogados, doutorando em Direito Constitucional na USP; mestre em Processo Civil pela PUC-SP; especializado em Direito da Comunicação e Direito Penal.

Revista Consultor Jurídico, 2 de janeiro de 2018, 9h00

O Ministério Público está se apequenando? 6

O Ministério Público está se apequenando. Eu previ e adverti que iríamos chegar a esta situação nefasta

por Afranio Silva Jardim

Lamentável. Hoje encontramos textos, nos principais blogs e sites da internet, expondo alguns membros do Ministério Público Federal a críticas contundentes e mesmo ofensas antes inimagináveis.

Como diz o ditado popular: “estão experimentando do próprio veneno”. Buscaram os holofotes e a notoriedade fácil, usaram o processo penal como forma de autopromoção e correram freneticamente para as “famosas” entrevistas coletivas. Voluntarismos e vaidades expostos publicamente.

Como se sabe, houve uma estratégia muito bem estruturada para convencer a opinião pública de que os fins justificam os meios, vale dizer, para combater a corrupção, temos de usar regras especiais, temos de flexibilizar alguns direitos fundamentais da cidadania. Foram feitos “acordos” com os principais meios de comunicação de massa para respaldo de suas atividades persecutórias, algumas de legalidade altamente questionáveis.
Na verdade, este sistema de publicidade saiu do controle e acabamos passando do chamado “processo penal do espetáculo” para o “processo penal da humilhação”, do qual foi vítima o saudoso reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina.

A sede de poder levou alguns jovens Procuradores da República a tentar influenciar o nosso processo legislativo e até mesmo  julgamentos do STF. Deslumbramento total e ingênuo.

Ademais, o Ministério Público Federal busca amplos poderes discricionários em nosso sistema de justiça criminal, chegando a aplicar, em nosso país, institutos processuais e teorias jurídicas norte americanas, totalmente incompatíveis com nosso sistema processual  (civil law), numa ousadia sem par.

Agora, quando as “coisas” começarem a ficar esclarecidas, estes Procuradores voltarão ao merecido anonimato, deixando sequelas indeléveis para a nossa Instituição. O Ministério Público virou um “monstro”, amado por uns e odiado por muitos. Ele passou para um lado ideológico da nossa sociedade.

Chegamos ao ponto de o Conselho Superior do Ministério Público resolver legislar sobre o Direito Processual Penal, criando um sistema processual paralelo ao que está disciplinado no atual Código de Proc. Penal (veja a resolução 181/17). Através de uma mera resolução, procura-se introduzir, em nosso sistema processual, a insólita e temerária “plea bargaining”, própria do sistema da “common law”.

O voluntarismo juvenil de alguns membros do Ministério Público, resultante, um pouco, de falta de cultura e formação social e política, está “afundando” esta importante Instituição. Não vamos perdoá-los, pois dedicamos 31 anos para ajudar a consolidação de um Ministério Público verdadeiramente democrático.

Lamentavelmente, o fanático corporativismo das entidades de classe impediu que este nefasto rumo fosse objeto de debate e crítica. Ao contrário, mal representado, o Ministério Público permaneceu cego a esta realidade. Faço expressa ressalva ao nosso “Coletivo Transforma Ministério Público”, que jamais compactuou com este deletério estado de coisas.

Eu avisei. Eu adverti. Até tivemos Procurador da República preso preventivamente e Procurador Geral da República em situações embaraçosas. Em breve, infelizmente, teremos sequelas no plano legislativo.

Acho que, mudando o que pode ser mudado, o que dissemos sobre o Ministério Público vale também para o Poder Judiciário, que caiu em total descrédito da opinião pública, graças ao seu desmedido ativismo judicial.

Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Proc. Penal pela Uerj. Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.

LEGALIZAÇÃO DA VENDA E USO DE MACONHA – A proibição aos entorpecentes sobrecarrega o sistema carcerário, fortalece as organizações criminosas e enriquece policiais e políticos corruptos 51

USO RECREATIVO

Estado da Califórnia inaugura maior mercado legal de maconha do mundo

O estado da Califórnia, nos EUA, inaugurou, nesta segunda-feira (1º/1), o maior mercado de maconha recreativa do mundo, com dezenas de lojas licenciadas para vender produtos de cannabis a maiores de 21 anos. Analistas projetam que o comércio do entorpecente gerará R$ 1 bilhão de tributos por ano.

Um quinto dos americanos vive em estado que permite a venda de maconha.
Reprodução

Com isso, a Califórnia se torna o sexto estado dos EUA a permitir a venda de maconha. Colorado, Washington, Oregon, Alasca e Nevada foram os primeiros a permitir a comercialização da droga para uso recreativo de forma regulada, licenciada e tributada pelo Estado. Massachusetts e Maine devem seguir no mesmo rumo em 2018.

Como a Califórnia tem 39,5 milhões de habitantes, agora um a cada cinco norte-americanos vive em um estado onde a maconha recreativa é legal para compra, ainda que a transação continue proibida por lei federal.

Porém, grandes cidades como Los Angeles e São Francisco ainda não cumpriram todos os requisitos para permitir a venda de maconha.

Guerra ineficaz
Conforme já demonstrado pela ConJur, a proibição aos entorpecentes sobrecarrega o sistema carcerário, fortalece as organizações criminosas e gera conflitos entre elas.

uso e a venda de drogas como maconha, cocaína e opiáceos não foram proibidos devido a estudos que apontassem seus malefícios à saúde e à sociedade, mas por motivos religiosos, morais, econômicos e sociais. E o saldo de mais de um século desse combate é pífio: mais violência e mais prisões, sem reduzir o uso dessas substâncias.

Pior: mais de 70% das prisões em flagrante por tráfico de drogas têm apenas um tipo de testemunha: os policiais que participaram da operação. E 91% dos processos decorrentes dessas detenções terminam com condenação. O problema, para quem estuda a área, é que prender e condenar com base, principalmente, em depoimentos de agentes viola o contraditório e a ampla defesa, tornando quase impossível a absolvição de um acusado.

Além disso, o tráfico de drogas viola o sistema penal brasileiro. Com base na quantidade de droga apreendida, policiais definem se o acusado vai ser classificado como usuário ou traficante, sem se preocuparem em verificar a conduta dele. Isso dá margem a arbitrariedades e dificulta ainda mais o trabalho da defesa.

Embate desnecessário: investigar PM pra quê? ( O ciclo completo para a PM poderá ser a salvação da carreira dos Delegados! ) 29

PM de SP usa lei exclusiva às Forças Armadas para justificar investigações de mortes

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

 

  • Zanone Fraissat/Folhapress

    Lei de outubro de 2017 vale para que integrantes do Exército, Marinha e Aeronáutica investiguem ocorrências, mas PM de SP se baseia nela para fazer investigações; em meio a isso, policial que mata suspeito fica a mercê da Polícia Civil ou Justiça Militar

    Lei de outubro de 2017 vale para que integrantes do Exército, Marinha e Aeronáutica investiguem ocorrências, mas PM de SP se baseia nela para fazer investigações; em meio a isso, policial que mata suspeito fica a mercê da Polícia Civil ou Justiça Militar

A PM (Polícia Militar) de São Paulo está se baseando em uma lei federal destinada exclusivamente às Forças Armadas para justificar o poder de investigação em ocorrências de PMs que terminam em morte. Baseada na lei que não inclui polícias militares estaduais, a corporação paulista tem desempenhado o papel da Polícia Civil e acirrado os ânimos entre as duas polícias.

O Ministério da Justiça afirmou ao UOL que a lei federal 13.491, promulgada pelo presidente Michel Temer em outubro de 2017, vale apenas para militares do Exército, Aeronáutica e Marinha. Especialistas entrevistados pela reportagem afirmaram que, ao se basear na lei, a PM age de maneira equivocada.

A lei aponta, no segundo inciso do primeiro parágrafo, que “os crimes, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União”. A legislação atende uma demanda do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que ganhou força em 2017 com o emprego recorrente das Forças Armadas em operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).

A PM informou, em nota, que “em virtude da promulgação da Lei 13.491, em 13 de outubro de 2017, que alterou o Código Penal Militar, os crimes praticados em razão da função devem ser apurados por meio de atos de Polícia Judiciária Militar assim como, havendo crimes conexos, a competência recai às autoridades responsáveis pelos atos de Polícia Judiciária Comum.”

A SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo sustentou que “aguarda a consolidação de um entendimento majoritário pelo Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a Lei 13.491, de 13 de outubro de 2017, que alterou o Código Penal Militar, quanto as dúvidas nas atribuições das Polícias Judiciárias Militar e Civil.”

As diferentes visões sobre a mesma lei estão gerando polêmica e atrito entre as polícias civil e militar de São Paulo. Policiais civis dizem que a isenção de investigações sobre a PM feitas pela própria corporação fica comprometida. Já policiais militares dizem que precisam cumprir a nova lei para não receberem punições.

Caso concreto

A reportagem apurou que a lei 13.491 foi usada para justificar ao menos um caso em que a PM tentou assumir a investigação da morte de um suspeito por um policial. Isso aconteceu por volta das 19h15 do último dia 14 de dezembro.

Após uma perseguição e uma suposta troca de tiros, na rodovia Anhanguera, o suspeito Thiago Pinheiro de Melo foi morto. Segundo a Polícia Civil, os policiais militares recolheram a arma de Melo e a encaminharam para a Polícia Militar Judiciária –que pode encaminhar casos para julgamento na Justiça Militar.

Até então, era o DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, que fazia esse trabalho, mas a entidade só foi avisada pela PM oito horas após o caso. Com a remoção de provas e alteração do local do crime, a investigação civil teria sido prejudicada, segundo um boletim de ocorrência complementar ao caso em que Melo morreu.

Ainda de acordo com o boletim complementar, o qual o UOL teve acesso, a Polícia Civil apontou a conduta dos PMs como violação de resolução, desobediência e usurpação de função pública, sugerindo que o corregedor da PM, o coronel Marcelino Fernandes da Silva, fosse, inclusive, investigado.

Ao UOL, o comandante da Corregedoria disse que, no caso específico, não foi ele quem mandou recolher as armas, mas, sim, o comandante da PM na área onde aconteceu a ocorrência. “Parece que a Polícia Civil vai até querer me indiciar, porque está achando que vai perder espaço de investigação em todos os crimes comuns que eram de competência deles. Não teve nada de ilegalidade, já tem jurisprudência a respeito”, afirmou.

“Isso aí [o caso em que Melo morreu] não é a primeira vez. Obviamente, se não fosse competência da PM, não seria apreendido. Se nós não apreendermos as armas, vamos responder por prevaricação na Justiça Militar”, complementou o coronel Marcelino Fernandes à reportagem.

A SSP informou que, no caso citado, as armas “apreendidas pela autoridade de Polícia Judiciária Militar, do mesmo modo que as armas apreendidas pela Polícia Civil, foram encaminhadas ao Instituto de Criminalística da Superintendência da Polícia Técnico- Científica”.

Beco sem saída?

Até agora o debate sobre quem deve investigar os homicídios praticados por PMs se restringe à fase de investigação. A reportagem não localizou nenhum caso que tenha sido julgado pela Justiça Militar tendo como justificativa a lei federal aprovada em outubro.

Mas, segundo a Corregedoria da PM, os policiais militares estariam em uma espécie de beco sem saída. Se recolhem as armas na cena do crime, podem ser autuados pela Polícia Civil. Se não o fazem, podem responder por prevaricação (crime praticado por funcionário público contra a Administração Pública) através da Justiça Militar.

Para Mauricio Januzzi, advogado criminalista e professor de processo penal da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), o PM pode se resguardar juridicamente ao “obedecer aquilo que está previsto na legislação”, ou seja, “deixar que a Polícia Civil assuma o papel da investigação”.

“Sob esse ponto de vista, ainda vale a investigação pela Polícia Civil. A PM pode abrir seu inquérito policial militar, mas o que vai prevalecer é a investigação da Polícia Civil. A apreensão da arma e objetos do crime pertencem à Polícia Civil, que deve reter, mandar para polícia científica e manter o arquivo probatório até o julgamento”, afirmou.

Segundo o advogado e professor da PUC, depois da conclusão do inquérito policial, ratificado pelo promotor e juiz de direito, o caso pode ser repassado para a PM –para que o policial seja punido administrativamente, como com a perda de patente ou expulsão.

De acordo com a juíza Ivana David, da 4ª Câmara Criminal do TJ, a promulgação da lei federal é um entendimento que a secretaria da Segurança tem, mas que conflita com o que a Justiça de São Paulo determina.

“Inclusive, a lei tem um artigo específico que aponta que os crimes de homicídio são de competência da Justiça comum. Não é da Justiça Militar. Então, quem deve investigar é sempre a Polícia Civil”, disse.

Para a juíza, o fato de a SSP seguir a lei federal é um erro que “tem como objetivo fazer com que crimes praticados por policiais militares fiquem mais impunes, porque fica mais difícil saber se houve um tiroteio ou assassinato, e, assim, aparentar à população que a segurança pública em São Paulo está controlada”.

Agência Brasil

Ministro da Defesa, Raul Jungmann

Lei para dar segurança jurídica às Forças Armadas

A lei 13.491 entrou em vigor em 13 de outubro de 2017. Ela se originou do Projeto de Lei 44/2016. Segundo o Ministério da Defesa, um de seus maiores defensores, ela corrige uma suposta distorção criada pelo uso indevido da palavra “militar” para designar “policial militar” em uma lei de 1996. A lei da época transferia da Justiça Militar para a Justiça Comum o julgamento de crimes contra a vida de civis praticados por PMs.

De acordo com o ministro Raul Jungmann, ela foi aprovada sob a influência da revolta pública contra a chacina da Candelária, de 1993 – quando oito jovens foram assassinados por policiais militares no Rio de Janeiro.

Porém, ao usar o termo “militares” acabou incluindo membros das Forças Armadas. Isso é considerado uma distorção pela Defesa entre outros fatores porque, a partir de então, se um membro das forças armadas matasse um civil durante o abate de uma aeronave seria julgado pela Justiça Militar. Mas se assassinasse um civil em outro tipo de operação militar seria julgado no Tribunal do Júri.

Desde então, os militares vinham fazendo pressão política para uma mudança na lei. Esse movimento ganhou força na medida em que as Forças Armadas começaram a ser cada vez mais usadas nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (quando um governo estadual não consegue lidar com uma crise de segurança local e pede ajuda de tropas federais).

O comandante do Exército Eduardo Villas Boas foi figura chave na campanha por segurança jurídica para a tropa (julgamento na Justiça Militar, mas especializada e rápida para esses casos) durante essas operações.

Mas críticos da medida argumentaram que a Justiça Militar poderia adotar penas mais brandas e assim incentivar abusos dos membros das Forças Armadas.

Com a mudança de outubro, militares das Forças Armadas passam a ser julgados pela Justiça Militar em homicídios praticados durante operações oficiais. O militar que não estiver em uma operação e praticar um crime doloso contra a vida de um civil será julgado pelo Tribunal de Júri, como qualquer cidadão comum.

“Disputa de atribuição não gera benefícios à sociedade”

Segundo o professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), Rafael Alcadipani, toda investigação deve ser o mais transparente e idônea possíveis. Para ele, o ideal, para a sociedade, que precisa do trabalho das duas polícias, seria que as forças de segurança atuassem em conjunto, sem animosidade.

“O que os estudos científicos mostram é que, quando a PM investiga ações que terminam em letalidade, a Justiça Militar e a Corregedoria tendem a ser mais lenientes do que a Justiça civil. No meu ponto de vista, isso tem um potencial de gerar maior impunidade nas ações em que policiais militares cometem crimes”, afirmou. A SSP informou que não comentaria a opinião de Alcadipani.

De acordo com o especialista, nenhuma polícia do mundo é submetida a um sistema de justiça próprio, principalmente quando envolve civis. “Esse tipo de disputa de atribuição não gera benefícios para a sociedade, na medida em que ela acirra ânimos entre forças policiais e que reforça as discrepâncias que existem entre as forças”, analisou o professor.

“Ao invés de as forças policiais trabalharem em conjunto, esse tipo de animosidade faz com que elas trabalhem menos em conjunto. Para mim, no mundo ideal, nós teríamos uma corregedoria única, das duas polícias, fora das duas polícias, que estivesse ligada a, talvez, uma secretaria de governo, para dar maior independência ao trabalho”, afirmou Alcadipani.

Portaria que permitia PM de SP investigar está suspensa

Em paralelo à promulgação da lei federal, uma resolução, que previa ação de investigação semelhante, havia sido publicada pelo TJM-SP (Tribunal de Justiça Militar de São Paulo) em 18 de agosto de 2017. Pela portaria do TJM, os PMs de SP também teriam o direito de investigar ocorrências que terminassem em morte. Essa resolução, no entanto, foi suspensa, através de uma liminar, pela Justiça de São Paulo em 28 de agosto, após a intervenção do MP (Ministério Público).

Sendo assim, através da portaria do TJM, a PM atualmente também não poderia investigar supostos crimes praticados por próprios PMs. Segundo o advogado Mauricio Januzzi, a liminar é como se fosse um “processo antecipado”. O processo referente à portaria, que ainda corre na Justiça de São Paulo, terá um veredito após ser analisado pela Câmara Criminal do próprio TJ –o que pode ocorrer a partir de fevereiro de 2018, quando o recesso terminar.

O TJ informou que não pode se pronunciar sobre o assunto porque há questão jurisdicional. “Isso implica em conflito de competência e há instâncias superiores que ainda podem ser acionadas”, afirmou. O “conflito” seria pela existência de uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), movida pelo MP contra a portaria do TJM.

Policial que responde a ação penal não pode obter porte de arma 20

ESTATUTO DO DESARMAMENTO

Policial que responde a ação penal não pode obter porte de arma de fogo. Esse foi o entendimento aplicado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região ao manter decisão de primeira instância que negou o pedido feito por um policial civil de Goiás que responde a ação penal por receptação.

O profissional acionou a Justiça após ter pedido de porte negado pela Polícia Federal, órgão responsável por conceder a licença. O policial alegou que, de acordo com o princípio da presunção de inocência, ninguém pode ser considerado culpado em ação até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Em defesa do ato da Polícia Federal, a Advocacia-Geral da União apontou que, de acordo com o artigo 4º da Lei 11.706/08, um dos requisitos para que o porte seja autorizado é o requerente não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal. Cabe ao solicitante, por exemplo, apresentar certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pelas Justiças Federal, estadual, Militar e Eleitoral.

Ao julgar o caso, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região julgou improcedente o pedido do policial. Segundo a decisão, o fato de responder a processo criminal constitui óbice para a obtenção do porte de arma de fogo, conforme prevê o Estatuto do Desarmamento e o Decreto Regulamentador 5.123/2004.

O TRF-1 também afastou a aplicação do princípio da presunção de inocência ao caso. “O sustentado princípio constitucional da presunção de inocência não encontra amparo na situação em análise, porquanto trata-se de requisito de ordem objetiva, estipulado pelo legislador ordinário, a ser observado pelo administrador público quando da concessão de registro de arma de fogo, não cabendo a esse interpretação subjetiva quanto a tal elemento.”Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-1.

Processo 0001236-24.2016.4.01.3504/GO – TRF1