Assepsia contra corrupção: Sabe que dia o CNJ inspecionará o Tribunal de Justiça de São Paulo?…”No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro”, ministra Eliana Calmon 2

25/09/2011
Calmon quer assepsia contra
corrupção
Corregedora Nacional não poupa críticas
ao TJ-SP e ataca tentativa de redução do papel do conselho na punição contra
juízes
Cláudio César de
Souza
Ao completar um ano à frente da
Corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a ministra Eliana Calmon, 66
anos, já traçou as metas para o restante de sua gestão, que se encerra em
setembro do ano que vem: garantir aos Tribunais de Justiça autonomia financeira
e estruturar as corregedorias dos tribunais estaduais. Com essas duas medidas,
ela considera que sua missão estará completa e que será dado um grande passo
para agilizar a Justiça, resolvendo problemas históricos de falta de estrutura,
de verbas e de funcionários e prédios precários.

“Acho que o problema do
Judiciário brasileiro ainda é gestão, mas já melhorou bastante. O CNJ veio para
ensinar gestão ao poder Judiciário, mostrar como é que se gere e criar um padrão
uniforme para todos os tribunais. Antes do CNJ, nós tínhamos 27 tribunais
estaduais que eram ilhas isoladas”, disse a ministra, em entrevista exclusiva
concedida à Associação Paulista de Jornais (APJ) em seu gabinete em Brasília
(DF).

Fiel ao seu estilo de falar o que pensa e não se intimidar diante
dos desafios, Eliana Calmon não poupou críticas ao Tribunal de Justiça de São
Paulo. “Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento
Garcia prender o Zorro. É um Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer
ação do CNJ e o presidente do Supremo Tribunal Federal é
paulista.”

Responsável por punir os juízes envolvidos em casos de
corrupção e cobrar mais eficiência, a ministra mostrou indignação ao ser
questionada sobre a pressão sofrida pelo Supremo Tribunal Federal para reduzir
as competências do CNJ, proibindo-o de investigar e punir magistrados antes que
as corregedorias dos tribunais de justiça dos estados façam este trabalho de
apuração e julgamento. “Acho que é o primeiro caminho para a impunidade da
magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos
que estão escondidos atrás da toga.”

Na entrevista, ela falou ainda
sobre os projetos do CNJ para agilizar a Justiça e cobrou mobilização popular
contra a corrupção na política. Leia abaixo os principais
trechos.

APJ – Ministra, quais são as principais ações da senhora
na Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça?
Eliana Calmon – Desde que
assumi em setembro do ano passado, tenho entendimento de que a Corregedoria do
CNJ não é para ter apenas função disciplinar. A Corregedora também tem por
função orientar, direcionar, dirigir e facilitar da magistratura. Corregedoria é
também corregência. Tenho trabalhado nestas duas posições. De orientação, de
desmanchar os nós que se apresentam na condução da atividade jurisdicional e, ao
mesmo tempo, a questão disciplinar dos magistrados que estão, de alguma forma,
com algum problema no seu comportamento como julgador. Na questão de orientar e
direcionar, temos diversos programas. Cito como exemplo o programa Justiça
Plena, que nasceu a partir do interesse da Secretaria de Direitos Humanos por
força de processos que o Brasil estava respondendo em cortes internacionais por
estar transgredindo direitos humanos aos quais tinha se comprometido em
priorizar a realização. Muitos dessas transgressões, indicados pela Corte
Internacional, é no sentido de que os processos judiciais não estão andando.
Como exemplo, crimes cometidos por milícias ou crimes praticados na área rural,
que tiveram grande repercussão social, e que não andam. A partir daí que pediram
a interferência da Corregedoria do CNJ. Aí que criamos este programa Justiça
Plena e começamos a monitorar alguns processos que têm interesse grande, tem
relevância e importância social e alguns deles que o Brasil tem interesse
absoluto de resolver.

APJ – A Corregedoria do CNJ identifica os
gargalos da Justiça e cria programas específicos para resolvê-los?
Eliana –
Inclusive na questão até política. Passei isto tudo para o presidente do CNJ,
que é o ministro Cezar Peluso. Ele deu todo o apoio e disse vamos para imprensa
dizer quem é o vilão da história. A partir daí, o INSS pediu calma. Disse eu me
rendo e vamos fazer parceria, vamos resolver. Para os juizados especiais
federais traçamos a meta prioritária. Até dezembro, o INSS se comprometeu em
cumprir todas as sentenças transitadas em julgado, todos os acordos e todas as
decisões que o Supremo Tribunal Federal tomou em relevância. A meta 2 deste
programa é para resolvermos no segundo semestre, que são todos os processos do
Brasil que não dependem de decisões, mas sim de cálculos. Cálculos para saber
quanto é o valor de cada aposentadoria. Em seis meses vamos resolver estes
problemas. Traçamos metas e no cumprimento dessas metas vamos tirando o inchaço
da Justiça. São pessoas, como no caso que citei do homem que esperava
indenização há 40 anos, que nem tem mais esperança na Justiça. É aí que o CNJ
entra. Quero destacar outro programa, que é o Pai Presente, para agilizar os
processos de reconhecimento de paternidade. Temos índice de 30% que reconhece
imediatamente que é o pai, manda fazer o registro e elimina a necessidade de
processo judicial. De 40% a 50% os pais dizem que reconhecem os filhos se for
feito o exame e mandamos fazer. Fica percentual pequeno depois da triagem, de
10% que dizem que só pagam se o juiz mandar. E aí damos sequência ao
processo.

APJ – Na avaliação da senhora, quais são hoje os principais
problemas do Judiciário brasileiro e como o CNJ tem atuado para ajudar a
solucioná-los?
Eliana – Acho que o problema do Judiciário brasileiro ainda é
gestão, mas já melhorou bastante. O CNJ veio para ensinar gestão ao poder
Judiciário, como é que se gere, e criar um padrão uniforme para todos os
tribunais. Antes do CNJ, nós tínhamos 27 tribunais estaduais que eram ilhas
isoladas, cuja informática não se comunicava porque os sistema eram
incompatíveis. Hoje, estamos marchando para estabelecer uma só forma de todos
administrarem o precatório, uma só forma de todos terem o controle interno, uma
só forma de ter um sistema de servidores públicos. Assim, vamos administrando
esta parte, uniformizando e criando metas a serem alcançadas.

APJ –
Como o CNJ identifica os problemas e onde é preciso mais investimento para
agilizar a Justiça?
Eliana – Através de inspeções. Isso nós fazemos, é um
trabalho constante. Nossa equipe é muito pequena e nos ressentimos disto. Temos
apenas 40 pessoas, contando com os juízes e comigo. Muito pouca gente, mas o que
vamos fazer? Inclusive, quando vamos para inspeção, começamos também a fazer a
triagem de problemas disciplinares. Magistrados que não estão cumprindo seus
deveres, processos que estão paralisados por vontade própria e que estão
guardados nas prateleiras, dentro dos armários. Temos encontrado muitas coisas
feias, que as corregedorias são incapazes de tomar partido, muitas vezes por
corporativismo e outras vezes porque o plenário não dá guarida ao corregedor. O
Órgão Especial não deixa ou não tem quórum para condenar o juiz, muitas vezes
por fatos gravíssimos.

APJ- Pegando o exemplo de São Paulo, onde
faltam prédios, juízes e estrutura, como a senhora faz? A senhora cobra do
governador mais recursos para o Tribunal de Justiça?
Eliana – Sabe que dia eu
vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. É um
Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer ação do CNJ e o presidente do
Supremo Tribunal Federal é paulista.

APJ – Como resolver isto? A
senhora tem tentado?
Eliana – Tenho sensibilizado e monitorado. Ficam dizendo
assim sobre mim: ela vem. De vez em quando, eu vou lá e faço uma visita de
cortesia. É muito difícil. Eu só posso fazer uma inspeção em São Paulo pontual.
Por exemplo, eu vou para as varas de execução penal ou para as varas de
recuperação judicial, onde existem muitos problemas. Mas fazer uma inspeção
geral não dá porque São Paulo é um monstro. Quando eu assumi a corregedoria no
ano passado, o ministro Gilmar Mendes me disse o seguinte: se você não resolver
o problema de São Paulo, você não resolve nada. Porque São Paulo representa 60%
dos processos ajuizados no Brasil. Lá é hermético. Eles não informam para o CNJ
os valores pagos para os desembargadores. De qualquer forma, São Paulo tem uma
coisa de boa. São Paulo tem um órgão de controle dos juízes de primeiro grau
muito bom, com muita estrutura. Então, não me preocupo tanto. Há corporativismo,
há coisas equivocadas e tal, mas não me preocupo tanto. A minha preocupação são
tribunais que estão absolutamente sem controle, inclusive na questão
disciplinar. Bato muito nesta tecla. As corregedorias estaduais não são capazes
de cumprir seu papel. Não têm o apoio necessário dos membros do tribunal, não
têm estrutura adequada, o corregedor muitas vezes não tem quadro de pessoal nem
verba própria, as corregedorias estão desestruturadas. E o que pior, as
corregedorias não têm continuidade. Como não têm quadros próprios, cada
corregedor que chega traz seu pessoal e está sempre começando. Então, minha luta
hoje é estabelecer quadros próprios para as corregedorias, de tal forma que os
servidores da corregedoria fiquem como servidores de corregedoria. E que as
corregedorias tenham orçamento próprio, para o corregedor saber o que vai fazer
e elaborar seus projetos. A corregedoria tem que ser um órgão dissociado dos
demais.

APJ – A senhora já conversou sobre isto com a presidente
Dilma?

Eliana – Com a presidente Dilma, não. Mas já conversei com os
corregedores, com os presidentes dos tribunais de justiça, que não querem
naturalmente. Mas vou levar este projeto para o Tribunal Pleno do CNJ para ver
se conseguimos impor esta situação aos tribunais de justiça.

APJ – Nas
cidades do interior, há pequeno número de varas federais e de defensores
públicos. Como melhorar esta situação?

Eliana -Na Defensoria
Pública, há déficit mas é uma luz no fim do túnel. São Paulo foi o último estado
a ter defensor público. Tinha ser o primeiro, o carro-chefe, pela estrutura que
tem. Mas temos que ter um pouco de paciência, porque não dá para ter tudo. A
estrutura da Defensoria Pública Federal está melhorando também.

APJ –
Apesar de já ter projetos atualmente em discussão no Congresso Nacional, a
modernização dos códigos Civil e Penal tem demorado para ser implementada. Por
que isto acontece e quais mudanças que estão em discussão a senhora destaca como
mais importantes?

Eliana- Todo código é muito demorado. Quando se
faz a lei, ele já está defasado. Com a velocidade da vida, os códigos ficam
envelhecidos. Acho que as codificações pegam por interesses que nem sempre são
da Justiça. Acho que o processo penal brasileiro está em absoluta crise, porque
tem prevalecido teses jurídicas dos grandes escritórios de
advocacia.

APJ – O que pode ser modernizado?

Eliana –
Primeiro, o Foro Especial. O tamanho dele é absurdo. Segundo, esta plêiade de
recursos. Ninguém aguenta mais. Hoje no Brasil, você tem quatro instâncias. Até
chegar à última instância, as pessoas já morreram e não aguentam mais esperar. E
a corrupção dentro do poder Judiciário vem muito desta ideia. Na medida em que
você demora muito na Justiça, você começa a criar os atritos e os problemas. Se
for rápido, também dá ensejo a que exista menos recursos e menos corrupção. A
corrupção também existe porque o processo demora tanto que neste interregno
começa a haver uma série de incidentes. A Justiça é muito entupida porque um
conflito na sociedade gera dez processos. Ninguém aguenta este grande número de
recursos.

APJ – Há atualmente uma enorme pressão para que o STF reduza
as competências do CNJ, proibindo-o de investigar e punir juízes acusados de
corrupção e ineficiência antes que as corregedorias do tribunais de Justiça dos
Estados façam este trabalho de apuração e julgamento. Por que há esta pressão e
como a senhora se posiciona?

Eliana – Já disse e está em todos os jornais. Acho que isto é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura,
que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga.

APJ – O CNJ tem enfrentado dificuldade para
punir os casos de juízes e promotores acusados de corrupção? Por
que?

Eliana -Já começa a ter dificuldade.

APJ – Como
eliminar estas dificuldades?

Eliana -A palavra está com o
Supremo Tribunal Federal.

APJ – O CNJ se dispôs a implantar nas
cidades brasileiras varas específicas da Lei Maria da Penha, que está
completando cinco anos. Como está este trabalho, quais cidades já foram
beneficiadas e quais estão em processo de instalação?

Eliana -O CNJ
está devagar nesta parte, mas na realidade temos todo incentivo. Temos que
deixar que os tribunais façam este trabalho. O CNJ faz a conscientização da
necessidade de serem criadas estas varas da Lei Maria da Penha.

APJ –
Como a senhora analisa os casos recorrentes de corrupção na política,
principalmente no governo federal?

Eliana – Estamos em uma intimidade
indecente entre cadeia de poderosos e isto tudo está acontecendo em razão de um
esgarçamento ético muito grande. Não existem culpados. A sociedade caminhou para
este grande abismo e hoje precisa resgatar isto. Está difícil resgatar porque na
sociedade capitalista o valor maior é o dinheiro. E as pessoas só entendem esta
linguagem. A linguagem moral e ética é uma linguagem fraca dentro de uma
sociedade de consumo. Mas chegamos a um estágio de tanto esgarçamento que ou
partimos para uma posição de radicalizar uma providência contra a corrupção ou
nós não vamos sobreviver como nação civilizada. Estamos pagando muitos impostos
e esses impostos estão indo pelo ralo. E uma sociedade tranquila como a
brasileira, uma sociedade meio anestesiada, quase que já se banalizou a
corrupção. Mas a sociedade já está mostrando muita impaciência. Acredito que já
estamos chegando ao fundo do poço e, quando isto acontece, temos que partir para
decisões muito drásticas. O que não é bom para a democracia, mas às vezes é
necessário.

Um Comentário

  1. 25 setembro 2011 Mudança de comportamento
    Problema da Justiça brasileira é apatia da magistratura

    O problema da Justiça brasileira é a apatia dos juízes, e não a falta de recursos financeiros e humanos e a ausência de uma reforma processual. A opinião é do juiz federal Ali Mazloum, titular da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo. “O juiz, na primeira chance que tem de adiar, de empurrar a audiência, ele faz. Não muda a rotina dos processos porque não quer. Está acostumado a postular alterações legislativas, pedir mais orçamento, mais pessoal e instalação de mais varas. Grande equívoco”, afirmou Mazloum em entrevista ao jornalista Fausto Macedo publicada pelo O Estado de S. Paulo.

    A pregação de Mazloum vai contra o argumento dominante entre seus colegas. É frequente ouvir deles que o Judiciário precisa de mais verbas, retoques nos códigos ou mais comarcas. Tudo isso, de acordo com o juiz federal de São Paulo, “é desnecessário”. “Quando o Judiciário diz que precisa de mais dinheiro e mais leis, ele está jogando a culpa no Executivo. É uma estratégia equivocada.” Em sua opinião, a população paga caro por um Judiciário ineficiente, que não presta bons serviços.

    Por isso, há três anos, Mazloum implantou em sua vara o processo cidadão. Entre as principais conquistas, está o prazo inalterável do processo, que “tem que acabar em dez meses, nenhum dia a mais”. Quando começou o projeto, tinha mil ações penais nas mãos. Hoje, tem 270. “Basta vontade para mudar a máquina do Judiciário. Bastam pequenas alterações, não precisa de grandes milagres e reformas”, resume.

    Com o processo cidadão, a vida de uma ação ficou mais curta. “Quando o réu é citado, no início da ação, ele já fica ciente do dia em que será julgado. Adotamos uma pauta inteligente, concentração de atos processuais sem causar danos ao contraditório e à ampla defesa. É trabalho em equipe, todos os funcionários da vara empenhados. A audiência é improrrogável”, explica Mazloum.

    Para comprovar, o juiz faz contas: em 2007, a 7ª Vara Criminal Federal de SP tinha mil ações penais, com duração média de quatro anos. O custo de cada processo era de R$ 2.150 — R$ 44,79 por mês por processo, dos quais “70% em salários e 30% em insumos”. Com o processo cidadão, conta, o preço de cada ação passou a ser R$ 1.892, ou R$ 39,41 por mês — um abatimento de 40%.

    Entre iguais
    Ali Mazloum também cita sua famosa disputa pelo lugar de acusação e defesa. Para ele, “acusação e defesa devem estar em pé de igualdade” perante o Estado. Hoje, porém, o representante do Ministério Público fica sentado à direita do juiz, em lugar mais alto do que o advogado.

    Sua luta pela causa é antiga. Ele tem uma disputa com a desembargadora federal Cecília Marcondes pelo lugar do Ministério Público nas audiências da Justiça Federal. Ele havia determinado que o promotor e o advogado se sentassem “ombro a ombro” com o juiz, garantindo tratamento igualitário. Ela, porém, obteve uma liminar para garantir que o MP continuasse em seu lugar privilegiado.

    Mazloum, então, foi ao Supremo Tribunal Federal registrar uma reclamação contra a liminar, pois sua decisão visou garantir a igualidade e isonomia entre todos nos processo. Na fala ao Estadão, o juiz se defendeu mais uma vez: “o processo é feito para inocentes, não para culpados. É um instrumento de interlocução entre o acusado e o Estado, não é instrumento de punição, espada na cabeça do réu. Acusado e Estado, acusação e defesa, devem estar em pé de igualdade. Obrigações, direitos e deveres para ambos os lados.”

    Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2011

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