A GÊNESE DA COVARDIA E DA CORRUPÇÃO – A DITADURA E A DESTRUIÇÃO DO PERFIL FUNCIONAL DO DELEGADO DE POLÍCIA. 5

Entre 1964 e 1984, a ditadura destruiu a economia, institucionalizou a corrupção e fez da tortura e da execução sumária, práticas políticas. Envileceu os órgãos policiais e, principalmente, destruiu o perfil do Delegado de Polícia, até então, mais que um cargo policial: verdadeira Instituição. Não encontrando o apoio das autoridades Paulistas – elite moral e intelectual, ainda que conservadora, as quais veementemente repudiaram a criminosa perseguição de cunho ideológico, enredada pelos militares e colaboradores – aniquilaram a hierarquia mediante a nomeação, pura e simples, de homens descompromissados com os princípios do direito e justiça. Homens motivados por interesses e ambições pessoais inconfessáveis; de fácil manobra e totalmente subserviente ao grupo de poder. A quantidade dos cargos foi multiplicada; tornando a carreira heterogênea, caldeando-se humanistas com bestas, letrados com ignaros, vez que, após o golpe, pulularam as faculdades virtuais(cursos final de semana). O Delegado de Polícia de São Paulo, de elevado padrão moral e profissional, após o golpe militar foi transformado num pigmeu. Aos tronos da carreira foram guindados aquilo que de pior existia noutros quadros(guarda civil, polícia marítima, investigadores corruptos e truculentos). A “elite” policial, os mais comprometidos com a perseguição ideológica, ocupou os quadros e instalações do DEOPS, órgão que – além do prestígio político – pelas atribuições administrativas acometidas: polícia de estrangeiros, emissão de passaportes, fiscalização de navios, etc., passou a captar vantagens ilícitas. Paradoxalmente, até o golpe militar, o DEOPS era o órgão defensor da economia popular; detestado, principalmente, pelo empresariado desonesto, pelos monopólios agropecuários e pelos especuladores imobiliários(locadores de imóveis). Neste ponto da história policial o Delegado se prostrou estereotipado: “bêbados truculentos” ou “filhotes da ditadura, bem nascidos, mas intelectualmente despreparados”. O Delegado de Polícia Judiciária foi banido, dando lugar ao Delegado do governo: personificado como o operacional, o polícia de rua, bom de tiro e de “porrada”. Destes como ícone maior um mero “guarda civil truculento”, para o qual os militares deram título e poderes de autoridade policial. Desqualificados e desequilibrados, ávidos por poder e riqueza, destruíram vidas e mancharam a tradição legalista dos Delegados de carreira. A seleção para provimento dos cargos invertida: primeiramente nomeava-se na condição de Delegado de Polícia substituto; depois de dois anos, aqueles que quisessem submetiam-se às provas para efetivação na Carreira. Muitos, exercendo a função por “status” ou segundo emprego, nunca se submeteram às provas; aposentando-se, ao final, na 4ª classe, com todas as vantagens asseguradas. A formação intelectual, de 1966 a 1982, praticamente foi suprimida… um entrave, vez que o bom Delegado não podia pensar. Dos selecionados se exigia a interpretação estrita da legislação penal – rejeitando-se interpretações doutrinárias, jurisprudenciais e, especialmente, a pessoal consciência jurídica do candidato, requisitos para doutos – vedados para policiais submetidos ao comando militar. Aqueles que não contribuíram para a configuração da ideologia que o golpe aplicou, ministrando a tortura e ignorando totalmente os direitos humanos, foram perseguidos e funcionalmente postos de lado. Muitos heróis, espontaneamente, sepultaram suas carreiras, mantendo-se firmes quanto ao ideal de reprimir crimes, nunca pessoas e ideias. A maioria, entretanto, mesmo sem colocar a mão na sujeira, foi omissa: “meros subscritores de ordens de recolha”(prisões para averiguações, tolerada mediante distorcida interpretação da constituição) e dos autos e documentos produzidos pelos cartórios e pela “tiragem”. Os “contínuos e tiras engravatados” passaram a dirigentes da nova Polícia Civil; e transformando-se o Delegado de Polícia autêntico em figurante “para inglês ver”, o órgão acabou estruturalmente corrompido. Posto isto, ainda que sinteticamente, os Delegados de Polícia mais jovens – na instituição e na carreira de 1988 até a presente data, ainda que movidos por uma revolta contra a desvalorização funcional, realimentada por políticas governamentais – permanecem alheios ou indiferentes às causas determinantes do desprestígio do cargo, muito maior neste do que em outros Estados. No estado de São Paulo, parcela dos Delegados de Polícia, especialmente a maioria dos ocupantes das classes finais e funções de comando, ingressaram durante ou ao final da ditadura militar – antes de l985 – conservando-se naquele cercadinho intelectual; cujo imperativo é a auto preservação. Ainda há ranço do militarismo na Carreira e, muito, poderoso. Provavelmente estes remanescentes, muitos apenas por inconsciente cultura conservadora, sejam o maior obstáculo para que os mais novos reconquistem o perfil e reconhecimento legal como operadores do direito . As esperanças da grande maioria das autoridades estão voltadas para o Governador José Serra , político de formação humanista.