Da Vocação ao Desencanto: A Vida que o Direito Devorou 18

A toga invisível e sem valor

Naquelas noites compridas de plantão, entre um flagrante e outro, dava tempo de sonhar ao som das máquinas Remington e Olivetti. Um café morno — trazido de casa com o lanchinho feito com carinho — no cantinho da mesa já carcomida pelo tempo, tão escura da tinta de identificação dactiloscópica e riscos de caneta quanto o céu sem estrelas.

Aquele céu sem estrelas seria a rotina de vida. E as manhãs cinzentas, mesmo quando o sol insistia em brilhar.

O delegado recém-ingressado — com ares de justiça e retidão — acreditava piamente que o salário era apenas um detalhe passageiro, que a vocação era fértil, as promoções viriam na velocidade da dedicação, e a carreira só conheceria degraus ascendentes.

Era o final da década de 1980. A Constituição tinha sido promulgada com dores, e o funcionalismo alimentava a esperança de que, enfim, o Estado pariria também um novo pacto civilizatório: justo, legalista, humanista.

Tola ilusão. Nem mesmo os diplomas e históricos escolares dos filhos, custeados com muito juro bancário, conseguiram ser isentos das manchas da frustração funcional, que só cresceriam ao longo dos anos.

Vieram os anos 90.

Depois do confisco o neoliberalismo de um lado, pistolas e privilégios do outro.

O delegado que antes se sonhava jurista passou a se contentar com o papel de digitador de auto de prisão, garçom de mandado judicial e babá de suspeitos presos.

Promoções por merecimento?

Apenas mito quando não se é “valoroso”!

Mérito ali era resistir aos vencimentos desidratados e às promessas eternamente adiadas no cabide do Palácio dos Bandeirantes.

Na virada dos anos 2000, o chicote do confisco previdenciário bateu forte. Servidores viram sua aposentadoria virar esmola disfarçada de benefício. O tempo de trabalho virou tempo de espera; a contribuição rendeu sacrifício sem retorno.

A esposa, dedicada ao lar e companheira de uma jornada sacrificada, passou a dividir angústias que antes a esperança conseguia esconder.

E os filhos? Ah, esses já sabiam que seguir a carreira policial era quase um gesto de inimizade com o próprio futuro.

Trinta e cinco anos se passaram.

O delegado, agora aposentado, não abre mais inquéritos, mas prossegue abrindo contas, boletos e revisando extratos com a precisão de perito contábil. E faz parte de grupos de outros aposentados — alguns até bem felizes com o Tarcísio.

Descobre, com amargura e algum sarcasmo, que passou parte relevante da vida servindo a um Estado que nunca o valorizou. Padrasto com os preferidos de sangue!

O patrimônio? Um apartamento financiado, avaliado em menos de R$ 500 mil, um carro discreto de R$ 50 mil e um saldo minguado de R$ 250 mil das economias mantidas a duras penas, como provas de um processo que jamais chegou a julgamento.

De valor, só lhe resta a aposentadoria; quando morrer, sua viúva mal terá o suficiente com a pensão. Não tem mais seguro de vida… pois já não tem mais dívidas bancárias. Até que enfim!

E, curiosamente, ainda que lhe digam que seus dias hoje são tranquilos, a consciência resta inquieta. A pureza dos primeiros anos, essa nem o confisco poupou.

E quando chegam perguntas – de jovens curiosos, estudantes, filhos de amigos – “Vale a pena ser delegado?”, ele apenas sorri de lado e responde com um eco do passado:

Vale!

Se for por não ter melhor opção.

Esqueça os delegados empresários e fazendeiros.

Para filhinho de papai sempre valerá a pena.

Para o resto, só ilusão.

Quantas vezes, em pesadelos recorrentes, se viu afogado em mar revolto…

Eram as cobranças por todos os lados, das quais não podia se livrar como se fossem apenas um sonho ruim.

Pior era saber-se afogado em seu próprio conflito.

Era tarde demais para recomeçar.


Um Comentário

  1. Nem sei exatamente de onde, ou de quem, tirei a ideia de ser delegado de Polícia; eu devia ter 16 ou 17 anos de idade (então lá pelos idos de 1972 ou 1973), já trabalhava desde os 11 numa loja de materiais de construção em franco crescimento, com um patrão implacável (meu próprio pai). Nascido e criado na periferia de SP, área mais ruim do 40º DP, além de atender no balcão da loja com uma agilidade de um adolescente esperto e inteligente, eu também ajudava nos carregamentos dos caminhões de entrega. Aprendi a dirigir muito cedo; não para pilotar carrões em frente as “baladas”, mas sim e tão somente para dirigir algum dos caminhões quando um dos motoristas faltava. Na escola pública onde estudei e me formei no ensino médio (antes, colegial), os colegas já sabiam de minha “vocação” (ou mera vontade de ser delegado de Polícia). Havia um aluno ali, um ano à minha frente, chamado Osvaldo Gonçalves, filho do então secretário geral Sr. Osvaldo, da Escolha Estadual Prof. Luiz Gonzaga Righini, onde estudávamos, que também falava em ser “policial civil” (por vezes penso seja ele o conhecido Dr. Nico). Dali, no 1º ano do colegial eu, e 2º ano o “Osvaldinho” (como era chamado), fomos “expulsos” da escola em um grupo de 18 “bagunceiros”. Nada grave (jamais desrespeito aos professores e funcionários – salvo a chata da Maristela, inspetora de alunos); só bagunça mesmo! Vestibular, faculdade de direito, e em seguida “cursinho preparatório para o concurso de delegado de Polícia” dos professores Cyro Vidal, Maurício Henrique Guimarães Pereira, Guilherme Santana e Dr. Rosa (cujo nome completo não me lembro). O Paulinho Fleury também estudava lá. Veio um concurso quando Paulo Maluf era o governador e queria, porque queria, que Reynaldo de Barros fosse seu sucessor no governo de SP. Para isso precisaria, primeiro, que os “delegados do PDS” o indicassem como candidato. Paulo Maluf, diante de um concurso público em andamento, para um cargo altamente desejado na época, escalou Calim Eid, da Casa Civil, para negociar as vagas (não creio que todas, mas diria quase todas) com os “delegados do PDS”. Eu, que na prova escrita (na época eram apenas duas fases: uma escrita e uma oral, sendo que quem tirasse 5 ou acima de 5 na escrita, iria para a oral; e nesta tirando uma nota que somada à oral e dividindo por dois desse 5 ou mais, estaria “aprovado” no concurso, MAS NÃO NECESSARIAMENTE CLASSIFICADO, pois aí dependeria do número de vagas e do números de aprovados) tirei 9,25 (nove vírgula vinte e cinco), precisava de apenas 0,75 na prova oral, para ser “aprovado (não necessariamente classificado). Meu pai, já rico e ignorante a não mais poder, vendo-me estudar dia e noite para o tal “concurso”, me dizia que tinha amigos no governo que me “aprovariam facinho” blablabla, blablabla. Não aceitei. Não por “freios morais” unicamente, mas sim porque com 9,25 na prova escrita, não havia o “capeta” que me derrubasse. Fiz a prova oral (no atual prédio do DHPP) e respondi todas as perguntas (e creio que respondi todas elas acertadamente, mesmo porque eram perguntas tolas). Quando o resultado saiu, meu nome não estava na lista de aprovados. OU SEJA, FUI REPROVADO. OU SEJA, NÃO CONSEGUI TIRAR O MÍNIMO DE 0,75 NA PROVA ORAL, QUE SOMADA À NOTA DA PROVA ESCRITA DARIA 5,0, NOTA MÍNIMA PARA APROVAÇÃO. Meu pai, ao saber disso, riu e me disse, do alto de sua experiência de vida e apenas 4ª série primária: “fica por aqui, rapaz!” (referindo-se à loja); “esse pessoal da chefia da Polícia não presta, e isso nunca vai mudar!”. Talvez Ele estivesse com razão! Mesmo porque, mesmo depois eu tendo sido aprovado em concursos para delegado, promotor e juiz, ele jamais retirou o que havia dito.

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  2. Caraca! Meu retrato sem imagem. Deve ser coisa dessa tal inteligência artificial.

    Felizmente, meus filhos escolheram caminhos menos inóspitos.

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    • Eu , não foi IA. Veio de uma conversa com um grande colega que ingressou pouco depois de mim e se aposentou há pouco tempo. O ruim é ter que ouvir de ladrão que deveria ter feito bico ou empreendido.

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  3. Triste mesmo é o desencanto… igual esse tal de NecroTIRA, que é atendente de necrotério mas queria ser TIRA.

    Ai fica frustrado com seu cargo, com suas atribuições e depois quer pular a catraca, assumindo outro cargo sem prestar o devido concurso público.

    Mesmo que para isso seja necessário violar a súmula 43 do STF e o art. 37 da CF.

    Há… e se não der, vou desviado mesmo, afinal, o que importa é andar de viatura, usar distintivo genérico no peito, falar mal dos investigadores de carreira e se identificar como TIRA.

    Tá tudo certo…

    Entenderam porque a PC está nessa situação?

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    • a função do tira vai acabar quando acabar a recolha, o problema da investigação é que eles acham que são superior aos outros mas eles só são tiras e famosos porque eles administram a recolha pro titular, agora quem prestou pra gente é a gente não é investigador quem emprestou pra carcereiro é carcereiro não é investigador não existe hierarquia entre essas funções a Polícia militar é diferente você presta pra soldado e você é polícia aqui você é carcereiro aqui você é agente aqui você é escrivão entre outros, e a função de investigador ela só é vista como maior por causa da recolha ou estou mentindo ? Porque ninguém quer ser titular do 25 e todo mundo quer ser titular e chefe do primeiro e do 12 distrito?? porque ninguém quer DAP E TODOS QUEREM DPPC??

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      • dr. Guerra não teria como o senhor publicar um texto com a sua capacidade explicando como funciona a Polícia Civil, que são concursos diferentes carreiras diferentes chefias diferentes cada um tem a sua função, o que gerou o desvio da função foi a falta de competência das outras carreiras, e também a mas não necessidade de outras carreiras como por exemplo operador de telex, então temos que entender e respeitar a todos porque tem gente que eu conheço que estudou fez cursinho e prestou para ser papiloscopista, tem gente da minha família que estudou para ser agente de telecomunicações, isso é questão de perfil não é todo escrivão de polícia ou todo delegado que tem perfil para ser atendente de necropsia, vamos pensar assim, todo mundo acha que o funcionário que recolhe lixo nas ruas, é a profissão mais horrível que existe, porém se o mundo ficar sem caixa, sem motorista, sem um monte de coisa ninguém vai prestar atenção, mas se ficar uma semana sem os conhecidos lixeiros o mundo acaba, e com certeza não é qualquer um que tem perfil para tal função então vamos ser um pouco mais humano e pensar nisso, eu jamais seria um enfermeiro um médico, assim como um médico jamais seria um policial então vamos por favor pelo menos aqui nesse site policial ter um pouco de conduta e respeito com os outros, agente não é menos e tira não é mais, todos ganham uma merda e temos que lutar junto digoooi JUNTOS , para conseguir um bom salário trazer gente honestas para polícia gente que entra pra ficar desse último concurso de delegado 30 por cento está indo embora pra federal, se a gente tivesse uma estrutura linda ilícita honesta todos ficariam, agora enquanto existir esses titulares que estão aí hoje que só pensam em recolha, só sabem estragar a delegacia, só sabem se regar ao sistema, isso nunca vai mudar temos que lutar junto por salário, para que a seccionais distribuam a suas verbas honestamente para que o Estado pague o conserto das viaturas para que o Estado pague o conserto das delegacias que o policial não seja mais obrigado a pegar dinheiro na rua para manter o estado aí sim tudo mudará

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    • Você é esquisito, cara.

      Eu tbm sou Atendente com muito orgulho. Entrei por entrar e sou realizado naquilo que faço e falo mal sim, mas dos polícias ruins, tal qual vc parece ser: arrogante. Mal entende que estamos todos na mesma realidade.

      Há anos na função, tenho orgulho do que já fiz. Vc já recebeu um obrigado num atendimento? Alguém já te disse q vc é diferente no que faz? Alguém já agradeceu pelo seu profissionalismo prestado a quem quer que seja? Vc é do tipo que acha que policial só é aquele que anda de roupa preta, bombado e pagando de maior tira do pedaço. Puro fracasso tentar impor ao outro aquilo que só revela ser você mesmo.

      Faça o seu e fazemos o nosso e jamais ache que vai nos desmerecer pela carreira. Suas ofensas e menosprezos são só seus, não nos atingem. Eles dizem única e exclusivamente sobre você.

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    • Fala aí covarde. Como que vc está? Não ando com distintivo genérico. Já cansei de andar de viatura. Tá fazendo um juízo de valor baseado em nada. Porém você quando quer dirigir viatura tá usurpando a função do Agente né hipocrita. Tá pensando em mim ainda?? Deve sofrer de síndrome de Estocolmo. Você que é um VAGABUNDO cansado. Aiinnn. tem que prestar concurso para fazer o papel brilhante de Investigador. Qualquer um faz sua função. No mais nem quero mais ficar em chefia. Prefiro ficar encostado. O desencanto é de sua parte, por saber que qualquer ocupa sua função. Toma mais essa no queixo caipira. P mim ficar fazendo serviço administrativo já é bem melhor, mas o Rambo do interior acha que eu quero pular catraca. O animal… OIP não é Investigador. É carreira diferente. Logo você pode ficar até a vacância de sua carreira. Tá na cara que você é invejoso. Sua escrita é idêntica a um tal de Romulo. Um advogado frustrado do interior. Coincidência não… O único que está querendo pular catraca é o senhor. Qual é a especialidade do investigador mesmo? Burraldo. Quando você tiver que tirar o pé da lama p trabalhar de verdade, aí sim você vem falar merda de mim. Antes disso você é apenas um cansado. A ponto de chamar de “Severino” a quem trabalha em qualquer função. Você nem pode ser chamado de colega. No fim fica atrás do anonimato mesmo dizendo que ia combater o desvio de função e ainda ia me botar no meu lugar. Vergonha alheia de você. Em tempo… NUNCA me identifiquei como investigador e “Tira” é termo de quem trabalha na chefia. Beleza burraldo. Não falo mal dos investigadores, falo mal de pessoas iguais a você. Falou invejoso.

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      • Volta lá pra SPTC então… enquanto vc está aí encostado muitos lá estão sobrecarregados, fazendo a parte que lhe cabia.

        E se não está satisfeito, a porta é a serventia da casa.

        Preste outro concurso… e passe!

        E se quiser “virar” Oficial Investigador, também terá que prestar outro concurso, pois na canetada você não vai.

        Mas EU vou… otário!

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        • Bla bla bla. Fiz permuta assinada pelo DGP. No fim sua frustração é comigo. Não consegue aceitar a realidade. Tô falando q você sofre de síndrome de Estocolmo. Agora volta a chorar no Flit aí.

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      • Parabéns colega , você é importante sim , todos policiais civis são importantes e continue na polícia o seu esforço dignifica e honra a polícia civil . Deus o abençoe.

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  4. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/08/02/justica-revoga-afastamento-de-pms-da-rota-acusados-de-matar-policial-civil.amp.htm

    pública aí delegado coloca como tópico mais um tiro no pé do delegado baba ovo, os policiais militares deveriam agora fazer uma baita operação na área dele e acabar com as máquinas de caça níquel com as Biqueiras com todas aquelas boates que tem na avenida famosa da área, e fazer um pente fino dentro da sua delegacia vai catar muita coisa errada eu acredito . A fama desse delegado não é nada boa basta pesquisar com os colegas inclusive em relação a mulheres

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  5. Avatar de Hj o Brasil para. Para irmos ao parque com a família, para almoçarmos em família,para usufruirmos da liberdade de nos divertirmos, para descansarmos, etc, para fazer tudo o que um povo livre tem direito de fazer. Hj o Brasil para. Para irmos ao parque com a família, para almoçarmos em família,para usufruirmos da liberdade de nos divertirmos, para descansarmos, etc, para fazer tudo o que um povo livre tem direito de fazer. disse:

    Hoje é dia dos patridiotas do punhal verde amarelo. Time capitaneado pelo descompensado do sul, aquele que falava que a covid era uma gripezinha e era só tomar cloroquina. Quem não quisesse que tomasse tubaína. Gripezinha que levou 700 mil vidas no território brasileiro.

    Time ruim hein! Acertaram com o descompensado do norte uma chantagem econômica e o tiro saiu pela culatra.

    Possiblidade de queda de 1% no PIB e os magnatas do agro tendo que comer toda a carne que produziram e beber todo o café que colheram. , aqueles que patrocinaram os bloqueios nas estradas, que fazem empréstimos milionários a perder de vista no Banco do Brasil, a juros baixíssimos e ainda dão calote.

    Nosso governador deu um perdido, não quer carbonizar o filme.

    Lembro-me do saudoso major e senador Olímpio. Tinha caráter, visão, e, por conta disso, quando percebeu que havia embarcado numa canoa furada, abandonou o barco. Não se sujeitou as vaidades dos mimados filhos do descompensado.

    Postura que, inclusive, foi objeto de críticas de alguns na própria corporação que sempre honrou e defendeu, infelizmente, foi um, entre os 700 mil, que nos deixaram em razão da gripezinha.

    Se hoje, não retrocedemos aos nenhum pouco memoráveis anos de chumbo, devemos isso a coragem e patriotismo do então comandante do Exército Brasileiro e do Presidente do Superior Tribunal Eleitoral, os quais, no último pleito, mantiveram-se no firme propósito de consolidação da vontade do povo brasileiro na escolha de seus dirigentes.

    Viva o povo, o fortalecimento das instituições brasileiras e o regime democrático no Brasil.

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  6. Texto maravilhoso e realista Dr Guerra.

    Um resumo da trajetória de vários policiais civis honestos.

    Parabéns pela linguagem tão didática e bem escrita, realmente o Dr foi uma perda para a Cívil .

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  7. Concordo plenamente. Texto muito bom . Tem o domínio da boa escrita, do bom texto.

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