Tragédia dilacera amizades e sonhos de universitários 29

28 Jan 2013

O GLOBO

Mariana Comassetto Canto e Mariana Bona fizeram sua última foto juntas no começo da madrugada de ontem. Bem vestidas, maquiadas e sorridentes, elas se preparavam para a festa na boate Kiss. Com Ariane Foletto, que sobreviveu à tragédia, as amigas ainda brindaram com taças de champagne antes de saírem para o evento. As fotos foram postadas no mural de Mariana Bona no Facebook. No registro em que aparecem as três, Ariane deixou na noite de ontem um desabafo desesperado para as companheiras:

“Quem deu autorização pra vocês irem embora e me deixarem aqui????”

À tarde, Ariane divulgou para os amigos na rede social que estava bem, mas que Mariana Bona e Mariana Comassetto “não conseguiram”.

Franciele Silva conhecia Mariana Comassetto há quatro anos. A jovem tinha 18 anos e queria ser designer. Ela tinha acabado de iniciar os estudos na Universidade Federal de Santa Maria.

– Ela era uma menina muito meiga, muito querida, por quem eu era apaixonada. Dizia que se tivesse uma filha queria que fosse igual a ela. Estou chocada – disse Franciele, que ontem foi ao velório de três vítimas do incêndio na Kiss.

A última postagem de Mariana Comassetto no Facebook, no sábado, recebeu diversos compartilhamentos ontem. Era a letra e o áudio de “Mais uma vez”, com Renato Russo. O primeiro refrão da música diz “Mas é claro que o sol/Vai voltar amanhã/Mais uma vez, eu sei…”.

Mensagem para a mãe

Rafael Dorneles, 28 anos, morava em São Leopoldo, a 50 quilômetros de Porto Alegre. Veio a Santa Maria visitar o pai, José Milton, que havia passado por uma cirurgia no coração na última quinta-feira. Rafael encontrou o pai com saúde e decidiu ir à boate Kiss com a irmã e o namorado dela para relaxar. O casal foi embora mais cedo. Rafael decidiu ficar.

– A nossa esperança é que ele tivesse arrumado uma namorada e saído da festa. Mas não foi o que aconteceu – lamenta o tio Joaquim Dorneles.

O estudante de Análise de Sistemas foi reconhecido por um amigo da família, Bernardo Raddatz, 15 anos, que foi convidado por mais de um conhecido para a balada na Kiss:

– Eu e meu irmão já tínhamos ido em outra festa e estávamos cansados.

O tio Joaquim, ao lado do corpo do sobrinho, enquanto aguardava o transporte do caixão lacrado para o local do velório, lembrava que o rapaz parecia estar em clima de despedida:

– Rafael mandou uma mensagem para a mãe, que hoje lemos como um adeus. Além disso, depois do problema cardíaco, pediu ao pai dele que o mandasse fazer exames, já que essas coisas podem ser genéticas. E ainda avisei: “Cuida do Rafael”.

Joice Brites, prima de Rafael, passou o dia tentando notícias pelo Facebook e por telefone, como contou na rede social. Quando a notícia de que ele estava entre os mortos foi oficializada, ela escreveu no Facebook que recebeu informações de que Rafael e alguns amigos estavam bem, mas acabaram retornando para o interior da bote para ajudar outros conhecidos. Ele era amigo de Vinicius Montardo, que também morreu.

Jovem solidário

Ao ficarem sabendo da morte de Vinicius Montardo, estudante de educação física, de 24 anos, o tio-avô Aldeci Rodrigues Vargas e o primo Micael Vargas, que moram no litoral sul de São Paulo, foram para Santa Maria a fim de dar apoio à família. Os dois embarcaram ontem num voo que saiu às 13h de São Paulo para Porto Alegre.

O tio acredita que Vinicius morreu tentando salvar outros colegas. Ele estava na boate com a irmã, Jéssica, que sobreviveu.

– Ele era muito solidário. Acho que o Vinicius morreu porque voltou para ajudar outros colegas – afirma Aldeci.

Seu filho, Micael, lembra que o primo tinha muitos amigos, fazia trabalho social com idosos num projeto da prefeitura de Santa Maria e trabalhava como personal trainer. Ele era da cidade gaúcha de Cruz Alta e estudava na Faculdade Metodista de Santa Maria.

– Ele era um rapaz muito firme, alegre, preocupado com todo mundo. A família se mobiliza neste momento – diz o tio-avô.

Em uma página de uma rede social, Jéssica postou fotos do irmão. Várias pessoas enviaram mensagens de solidariedade à jovem.

Tempo, tempo

“O que é seu chega com o tempo… O que não é se vai com ele…” Esta foi a última mensagem deixada por Bruna Karoline Occai no Facebook, no dia 20 de janeiro, antes de morrer no incêndio da boate Kiss. Bruna tinha 24 anos e nasceu na cidade de Belmonte, no Extremo-Oeste Catarinense. Ela era formada em Biomedicina e cursava Mestrado em Bioquímica Toxicológica na Universidade Federal de Santa Maria.

O corpo da mestranda teria sido reconhecido por amigos.

Paixão pelo futebol

Com a bandeira do Internacional cobrindo o caixão, Vinicios Pagnossim de Moraes, 18 anos, era velado por dezenas de pessoas ontem. Os amigos desde o tempo do colégio militar choravam abraçados.

– O Vinicius era o mesmo que um irmão – disse Jair Fonseca, 18 anos, colega de escola.

O rapaz estudava Engenharia de Controle e Automação na Universidade Federal de Santa Maria. Sua grande paixão, contam os colegas, era o futebol.

– A gente estava sempre jogando bola, rindo e brincando. Agora acontece isso – lamentou o amigo.

Oito militares foram mortos no incêndio da boate Kiss, como informou o Ministério da Defesa. São três oficiais, um sargento, dois cabos e dois soldados, todos entre 20 e 25 anos. De acordo com a Defesa, uma das vítimas era mulher. Nenhum deles estava a serviço no momento da tragédia. Outros três dependentes de militares também foram identificados como vítimas fatais do incêndio em Santa Maria. A Defesa informou também que não é possível afirmar se outros militares foram vítimas do incêndio, já que aqueles que já foram identificados não estavam fardados, pois estavam a lazer.

Três meses após promessa, famílias de PMs assassinados estão sem indenização 44

Enquanto famílias passam por dificuldades, governo ainda faz estudo de projeto que garanta indenização a parentes de PMs mortos em dia de folga. Veja depoimentos de viúvas

Wanderley Preite Sobrinho– iG São Paulo |                   28/01/2013 06:00:32

Três meses depois de o governador Geraldo Alckmin (PSDB) prometer indenizar 103 famílias de Policiais Militares assassinados em 2012 durante a folga, nenhum centavo saiu dos cofres públicos de São Paulo com esse objetivo. A promessa,               feita em entrevista coletiva no dia 19 de outubro do ano passado, tentava acalmar essas famílias, que não têm o direito de receber indenização porque o seguro de vida não inclui os policiais assassinados fora do horário de expediente.

Além dos 103 PMs mortos fora de serviço, outros quatro foram executados usando farda. Também morreram em emboscada 19 agentes penitenciários e quatro policiais civis, de acordo com dados da Comissão de Segurança Pública e Assuntos Penitenciários da Assembleia Legislativa de São Paulo – Alesp.

A promessa:                 Famílias de PMs mortos durante folga receberão seguro

Diante do acúmulo de processos na Justiça pedindo a inclusão dessas famílias nas apólices da MetLife Seguros, Alckmin foi a público garantir não só o pagamento da indenização para todos como prometeu dobrar o valor da apólice – de R$ 100 mil para R$ 200 mil.

Onze dias depois do anúncio, o governador publicou um despacho no Diário Oficial do Estado (DOE) autorizando a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) a encomendar um estudo para descobrir quanto dinheiro seria necessário ao pagamento, mas incluía no texto uma condição: “… que a Pasta interessada conte com recursos orçamentários”.

 

Reprodução

O governador publicou no Diário Oficial a autorização para se realizar um estudo para indenizar os familiares dos PMs, mas sob a condição de haver dinheiro em caixa

 

No dia 8 de novembro, a Secretaria encaminhou à Alesp um documento confirmando a ordem do governador para que o estudo fosse realizado. Questionada pela reportagem sobre o resultado desse estudo, a SSP respondeu que uma comissão analisou o assunto e vai encaminhar uma minuta para a Casa Civil, que vai analisá-la “para, depois, ser remetida à Alesp como projeto de lei do Executivo estadual”. A assessoria não respondeu, no entanto, quando o governo pretende enviar o projeto.

Para o presidente da Comissão de Segurança da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), advogado Arles Gonçalves Júnior, havia tempo de sobra para a proposta ter sido encaminhada para a Assembleia antes do recesso parlamentar, no dia 19 de dezembro.

“Sessenta dias é tempo suficiente para encaminhar o projeto de lei porque o governo já havia feito o mesmo em 2006”. Ele explica que, na ocasião, o então governador Claudio Lembo aprovou um projeto semelhante para indenizar as famílias de policiais mortos em confronto com o Primeiro Comando da Capital (PCC), que na época cometeu mais de 100 ataques em diversos lugares da cidade.

O governo também não divulgou o resultado de um estudo idêntico encomendado em 2008 avaliando a inclusão de policiais assassinados em período de folga no seguro da Metlife. Para o deputado estadual Major Olímpio Gomes (PDT), se aquele estudo tivesse sido levado adiante, as famílias dos policiais mortos em horário de folga em 2012 não estariam “desprotegidas”.

“O governo está estudando a extensão do pagamento do seguro de vida desde 2008. Por que nada foi feito até hoje?”, questiona.

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2013-01-28/tres-meses-apos-promessa-familias-de-pms-assassinados-estao-sem-indenizacao.html

 

O advogado da OAB defende a criação de um fundo administrado pela Secretaria de Segurança Pública que substitua a seguradora privada. “A própria secretaria faria a investigação dos casos para efetuar o pagamento diretamente. A seguradora demora para indenizar e fica com muito mais dinheiro do que desembolsa nas indenizações. Seria melhor para o Estado se ele mesmo cuidasse disso”.

De acordo com a Metlife, foram desembolsados R$ 35 milhões em indenizações entre novembro de 2007 e junho de 2012. A seguradora se recusou a divulgar, no entanto, quanto recebeu do Estado no mesmo período.

Soldado Rocha, 35 anos

Nove dias depois da promessa do governador, o soldado Antonio Paulo da Rocha, então com 35 anos, e o cabo Hailton Borges dos Santos Evangelista, de 33 anos, foram assassinados por bandidos enquanto andavam de moto pela favela de Heliópolis. De acordo com a polícia, os dois estavam de folga, informação negada por membros da família de Rocha, entrevistada pelo               iG sob a condição de guardar sigilo sobre suas identidades.

 

Reprodução

O soldado Paulo Rocha foi assassinado enquanto andava de moto em Higienópolis

 

Ela suspeita que a escala de plantão do soldado tenha sido adulterada no batalhão, já que naquela data ele estaria em um dia normal de trabalho. Sem receber a indenização, a família espera pela apuração do caso para só então seguir a recomendação recebida pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de entrar com uma ação na Justiça para receber o dinheiro. Ainda segundo a família, os investigadores não entraram em contato para falar sobre a apuração, embora o crime esteja perto de completar três meses.

Enquanto aguarda a primeira parcela da pensão por morte – prometida para o início do fevereiro –, a mulher e as  filhas de Rocha (uma de sete e outra de 15 anos) sobrevivem com a vaquinha mensal feita por 37 policiais e por 10 meses de salários prometidos pelo dono de uma empresa para a qual Rocha fazia segurança em seus dias de folga.

Uma semana antes de ser atingido por três tiros na cabeça, Rocha havia recebido a Láurea de Mérito Pessoal em 1º Grau, prêmio que seria entregue em uma solenidade no início de novembro.

Os ataques

A onda de ataques contra PMs começou oficialmente em maio, quando três policiais da Rota trocaram tiros com membros do PCC em um lava-rápido na Penha, zona leste da cidade. De acordo com investigações da polícia, foi o saldo de seis integrantes mortos na ocasião que motivou o PCC a revidar: a meta seria matar dois PMs para cada bandido executado.