Associação dos Delegados de Polícia de São Paulo entrou com um pedido de investigação policial sobre a falta de estrutura no IML 29

19/01/2013-03h30

Sem estrutura, IML da zona leste de SP marca corpos a caneta

LEANDRO MACHADO AFONSO BENITES DE SÃO PAULO

Poças de sangue, tufos de cabelo e dejetos de cadáveres espalhados pelo chão por causa de um cano quebrado. O corpo de um homem morto havia dois dias estava em estado de decomposição sobre uma maca e com números escritos em sua perna.

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Filme de terror? Não. Esse foi o cenário encontrado pela Folha na sala de necropsia do posto do IML (Instituto Médico-Legal) de Artur Alvim na sexta-feira retrasada.

O líquido (aquela mistura de sangue e dejetos) chegava a molhar os sapatos de quem entrava no ambiente e precisava ser puxado por um funcionário com um rodo.

O cenário, dizem os funcionários ouvidos pela reportagem, é corriqueiro.

Nesta unidade do IML, que atende toda a zona leste de São Paulo, há dias em que só um médico precisa fazer até 20 necropsias em um plantão de 12 horas.

Com as geladeiras lotadas, os corpos são marcados como gado, com os números de prontuários anotados em suas coxas, em vez de terem uma pulseira ou etiqueta afixada.

FACA DE CHURRASCO

Nos dias com mais trabalho, os cadáveres chegam a se espalhar por toda a sala de necropsia e parte do corredor.

No posto também faltam equipamentos especializados para realizar os procedimentos de medicina legal, como bisturis. Os técnicos usam facas de churrasqueiro para cortar os corpos.

O diretor interino do IML, Jorge Pereira de Oliveira, disse desconhecer todos esses problemas.

IML de Artur Alvim

INVESTIGAÇÃO

Após a Folha publicar, no último dia 6, uma reportagem mostrando a situação dos postos do IML na cidade, a Associação dos Delegados de Polícia de São Paulo entrou com um pedido de investigação policial sobre a falta de estrutura no instituto.

Nos últimos dias, a entidade recebeu uma série de relatos de falta de estrutura que, de acordo com ela, trazem riscos à saúde dos funcionários e de quem precisa ir aos necrotérios.

Segundo a associação, aparentemente, delitos criminais e administrativos estariam sendo praticados no IML. Entre eles, crimes contra saúde pública e vilipêndio (desrespeito) a cadáver.

Direção diz que está melhorando condições do IML de São Paulo

DE SÃO PAULO

A Secretaria da Segurança informou que vai investigar os relatos da reportagem e da Associação dos Delegados de Polícia de SP sobre falhas e irregularidades no IML.

O diretor interino do órgão, Jorge Pereira de Oliveira, disse à Folha que a direção recebeu muitos dos problemas de gestões anteriores. “Estamos tentando melhorar as condições que recebemos.” O titular, Roberto Souza Camargo, estava de férias quando a entrevista foi feita, na semana passada. Ele dirige o instituto há três anos.

A direção afirmou que desconhece a informação de que corpos ficam fora da geladeira por falta de espaço. “Isso daí é conversa de funcionários. Nesses três anos [de gestão] não temos ciência disso.”

O diretor informou que a situação pode ser temporária. Geladeiras ou câmaras, diz, têm capacidade limitada. “Pode acontecer de num dia de sobrecarga numa região, você não vai conseguir pôr todos os corpos numa geladeira.”

Sobre a falta de estrutura, disse que cabe ao chefe do posto pedir à direção a solução dos problemas de sua unidade. “Se a informação não chegar ao cérebro [direção] do IML, não podemos tomar providência.”

Oliveira informou que o instituto faz vistorias para checar as condições dos postos, mas disse a periodicidade. Segundo ele, o IML fez concurso para contratar 70 médicos legistas no Estado. A seleção deve ser finalizado em três meses.

Joaquim Barbosa 12

19 Jan 2013

Primeiro negro a ser ministro do Supremo Tribunal Federal e a presidir a Corte, magistrado mineiro de 58 anos, filho de um pedreiro e de uma faxineira, deu visibilidade à atuação do STF e chamou a atenção com a defesa de suas posições e votos, ao ser relator do julgamento do processo do mensalão, que condenou 25 dos 37 réus

Relator do mensalão. Durante o julgamento do processo, o atual presidente do Supremo fez a defesa enfática de seus argumentos e teve atritos com os colegas, principalmente com o revisor do caso, o ministro Ricardo Lewandowski

Em 2012, o ministro Joaquim Barbosa transformou as sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) em campeãs de audiência. Nas redes sociais, o ministro chegou a ser comparado a um super-herói. Também foi assunto nas ruas, nas mesas de bar, nas conversas de elevador. Todo lugar era propício para o tema do momento: o julgamento do mensalão – e, consequentemente, a performance do relator do processo. Uma grande parcela da sociedade criou, de uma hora para outra, uma identidade com o ministro e a defesa contundente que ele fazia de seus argumentos, que levaram à condenação de figurões por corrupção.

Para alguns colegas, era muito radical. Mas sua inflexibilidade com a moralidade política conquistou corações e mentes. O destaque no julgamento deu ao ministro popularidade pouco comum para o cargo ocupado: chegou a ser lembrado em pesquisa de intenções de voto como possível candidato para a Presidência da República. Por coincidência, para coroar seu desempenho, em novembro, seguindo a ordem natural do Supremo, chegou a vez de Barbosa presidir o STF e chegar, assim, ao mais alto posto do Judiciário.

O ministro somou vitórias a cada sessão do julgamento do mensalão, que começou em 2 de agosto e terminou em 17 de novembro. Apresentou passo a passo, de forma clara, o enredo do maior escândalo de corrupção já visto pelo país. E, capítulo a capítulo, destrinchou todo o esquema, destacando as provas que levaram à condenação de ex-ministros, banqueiros, ex-dirigentes partidários e de um ex-presidente da Câmara dos Deputados. O voto de Barbosa foi seguido pela maioria do plenário na maior parte das vezes. O julgamento resultou na condenação de 25 dos 37 réus. Barbosa votou pela condenação de 32. Entre eles, os ex-dirigentes do PT José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.

A atuação do ministro, que se tornou o primeiro negro a assumir a presidência da Corte, rendeu-lhe a conquista do Prêmio Faz Diferença na principal categoria. Em 2007, Barbosa recebeu o mesmo prêmio do GLOBO, mas na categoria País. Já como relator do mensalão, ele havia conseguido convencer a maioria dos colegas a abrir a ação penal contra os investigados, transformando-os em réus.

Em maio de 2012, quando o tribunal aprovou o sistema de cotas raciais para o ensino superior no país, Barbosa mostrou em seu voto que é defensor da causa. Antes de ser ministro, publicou um estudo sobre o tema.

– A pobreza crônica que perpassa diversas gerações e atinge diversas camadas do nosso país dificulta o acesso à educação e à mobilidade social. O bloqueio socioeconômico confina milhares de brasileiros a viver na pobreza. O Prouni é uma suave tentativa de mitigar essa cruel situação. O importante é que o ciclo de exclusão se interrompa para esses grupos sociais desavantajados – afirmou o ministro, no voto dado em plenário.

Quando Barbosa se tornou presidente do STF, no fim do ano, os movimentos em defesa dos negros comemoraram.

– Essa posse é cercada de uma importância histórica e de um simbolismo que ultrapassa a própria população negra no Brasil – declarou a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros.

– Joaquim Barbosa representa o sonho de Zumbi dos Palmares. Um sonho de igualdade plantado pelos nossos antepassados – afirmou Paulão Santos, presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro do Rio de Janeiro.

Os amigos do ministro Joaquim Barbosa estão concentrados no Rio de Janeiro, onde ele morou quando era integrante do Ministério Público Federal. Na capital fluminense, também mora o filho, Felipe, jornalista de 26 anos. Por isso, o ministro costuma passar fins de semana na cidade, onde tem um apartamento no Leblon. Barbosa tem convivência intensa com a família. Costuma ouvir os conselhos da mãe, Benedita, uma senhora septuagenária que nunca se esquece de incluir o filho em suas orações diárias. Barbosa não é de rezar, mas usa diariamente um escapulário para protegê-lo. A peça o acompanhou durante todo o julgamento do mensalão.

A intensidade profissional que o ministro viveu em 2012 também teve reflexo na saúde dele. Em 2007, a dor crônica da coluna atingiu o auge, durante o julgamento que definiu a abertura do processo do mensalão. Em outubro de 2012, já na reta final do julgamento da ação penal, o ministro fez um intervalo na rotina pesada de trabalho e foi à Alemanha para ser submetido a um tratamento revolucionário, que envolvia a estrutura de seu próprio sangue. Deu certo: as dores só não cessaram por completo, porque ele não conseguiu cumprir a recomendação médica de repouso absoluto.

A história pessoal de Joaquim Barbosa é semelhante à de milhares de brasileiros pobres, com a diferença do final feliz. Ele nasceu em Paracatu, interior de Minas Gerais, há 58 anos. Conhecido em casa por Joca, é o primeiro de oito filhos de uma família humilde. O pai era pedreiro e a mãe, faxineira. A infância foi de brincadeiras ao ar livre. Quando tinha 10 anos, o pai vendeu a casa onde moravam e comprou um caminhão. O negócio deu certo, e a renda da família melhorou. Hoje, os irmãos, os sobrinhos e a mãe também moram em Brasília. O pai, Joaquim, morreu há dois anos.

Nos anos 70, Barbosa mudou-se para a casa de uma tia no Gama, cidade do Distrito Federal próxima a Brasília. Trabalhou como faxineiro e como tipógrafo na gráfica do Senado. Foi aprovado no vestibular de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Com o diploma nas mãos, chefiou a consultoria jurídica do Ministério da Saúde. Também foi oficial de chancelaria do Itamaraty e chegou a servir na Finlândia. Passou no concurso do Ministério Público Federal, onde trabalhou por 19 anos.

A vida acadêmica sempre foi intensa. Fez mestrado e doutorado em Direito Público na Universidade de Paris II. Barbosa é ainda especialista em Direito e Estado pela UnB e professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Passou ainda períodos como acadêmico visitante em três universidades dos Estados Unidos: Columbia, de Nova York e da Califórnia. É fluente em inglês, francês e alemão. O ministro tem o hábito de fazer citações em línguas estrangeiras de forma corriqueira. Já no fim do julgamento do mensalão, disse uma frase que pode resumir sua história: “Let”s move on!”.

JURADOS: Aluizio Maranhão, Ancelmo Gois, Ascânio Seleme, Luiz Antônio Novaes, Luiz Garcia, Merval Pereira e Míriam Leitão (O GLOBO); e Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira (presidente da Firjan).

 O GLOBO

Delegado de Polícia que não trata usuário de maconha como criminoso fica à merce da boa vontade de corregedores, promotores e magistrados 22

Revoga, Joaquim

19 Jan 2013

MORRIS KACHANI

Nos últimos meses, e em vários cantos do globo, pipocaram notícias sobre uma legislação mais flexível sobre a produção e o consumo da maconha. Dois Estados americanos, Colorado e Washington, legalizaram o uso recreativo da droga. Em novembro, Amsterdã optou por manter o status dos “coffee shops”, que vendem a erva para quem quiser comprá-la.

Na América do Sul, pelo menos em comparação com Argentina, Chile ou Uruguai, a legislação brasileira talvez seja a menos tolerante, para não dizer arcaica. Ela é tributária de uma herança preconceituosa construída em outros tempos, à moda da lei seca.

Na Argentina, a descriminalização do uso individual já é fato consumado. O Uruguai nunca criminalizou o consumo e, agora, discute a estatização da produção de maconha.

Enquanto isso, por aqui o usuário continua sendo tratado como criminoso, sujeito a penas alternativas. E vive à mercê da boa vontade de delegados e cortes que, dependendo da interpretação, poderão enquadrá-lo como traficante, pois a lei não é clara.

Casos estapafúrdios existem aos montes e, obviamente, os mais pobres, sem um bom advogado, acabam levando a pior, abarrotando ainda mais nossas já abarrotadas cadeias.

Só há um jeito de conseguir a maconha, que é o pior possível: na biqueira da favela. Direta ou indiretamente, a maioria dos 2,5% de adolescentes e 6,3% de adultos do país que usam maconha ao menos uma vez por ano abastece-se assim.

A pergunta é se esse tema não deveria fazer parte da agenda progressista de um governo supostamente alinhado à esquerda. É uma pergunta até ingênua, dentro de um contexto dominado pelas bancadas religiosas, que até fizeram nossos dois candidatos à Presidência dizerem o que não pensavam sobre o aborto.

Foi preciso um ex-presidente (FHC), já distante do pragmatismo político, abraçar a causa, fazendo dela a sua versão de “verdade inconveniente”. Mas o preconceito continua vivo. Recentemente, na eleição da OAB, correu a denúncia de que o candidato Alberto Toron teria sido alvo de e-mails difamatórios, por defender a descriminalização da droga.

Na comunidade científica, já é quase consenso que maconha é menos prejudicial que álcool e tabaco. Não faz sentido colocá-la no mesmo balaio de outras drogas mais perigosas. Ou confundir o usuário esporádico com o dependente.

Existe uma expectativa de que o STF coloque em pauta neste ano o julgamento do caso de um usuário que foi condenado a dois meses de prestação de serviços à comunidade em Diadema (SP). Pode ser um divisor de águas: se a condenação for revogada, a mesma medida será aplicada em casos semelhantes no país.

MORRIS KACHANI é repórter especial da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo deANDRÉ SINGER.

 FOLHA DE SÃO PAULO