
“A salada geral com geléia”, Carlos Brickmann, para o Observatório da Imprensa
Coluna Circo da Notícia, OI, Edição de 4 de outubro
Está na imprensa: aquele menino de dez anos que atirou na professora e se matou teve a foto publicada, com nome e tudo. Outra professora disse que ouviu de algum aluno que o garoto tinha dito que ia matar alguém. Depois disse que não era bem isso. A professora fofoqueira foi desrespeitosa, os meios de comunicação foram desrespeitosos. E, mais do que desrespeitosos, foram fúteis em assunto que não admitia futilidade. Divulgaram informações falsas e não é porque foram induzidos a erro: queriam publicar alguma coisa, fosse verdadeira ou não.
Está na imprensa: o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, disse que os executivos da Globo eram gângsters. Isso está no título, em letras maiores e que mais gente lê. No texto, em letras menores e que menos gente lê, a verdade (que, portanto, era conhecida, mas foi ignorada para atingir alguém de quem o repórter não gosta): “eles são gângsters, disparou Andrés Sanchez em tom de brincadeira”. Transforma-se uma brincadeira entre amigos numa frase ofensiva com objetivos específicos: influir na política do futebol. Sanchez, aliás, é vítima constante: outro cavalheiro, referindo-se a um problema de plástico contaminado produzido e distribuído por uma gigante do ramo petroquímico, insinuou que o presidente do Corinthians, dono de uma pequena empresa de sacos plásticos do outro lado do país, poderia estar envolvido.
Está na imprensa: o PSD, 28º partido político brasileiro, teve o registro aprovado pela Justiça apesar das suspeitas de falsificação de assinaturas. O PSD provocou muita ira: alguma justificada (é partido demais, é uma legenda que tende a apoiar governos diversos, é um partido que se intitula social-democrático mas que não definiu sua ideologia), boa parte injustificada (um jornal chegou a mandar repórter para uma cidadezinha no Interior do Tocantins só para apurar se ali havia assinaturas falsas – algumas dezenas, quando a exigência envolve centenas de milhares espalhadas pelo país). Pois bem:
1 – entre as assinaturas postas em dúvida, estavam as de três fundadores do partido, o vice-governador paulista Guilherme Afif Domingos, o secretário da Justiça paulistano Cláudio Lembo, o secretário de Finanças paulistano Marcos Cintra, os três tão responsáveis pelo PSD quanto o prefeito Gilberto Kassab.
2 – se a Justiça aprovou a criação dos partidos, isso significa que as assinaturas não eram irregulares.
A propósito, as assinaturas não significam adesão ao partido: significam apenas apoio à sua criação. É possível apoiá-lo por achar que terá uma contribuição a dar ao país, mas nele não ingressar por discordar de suas propostas. Isso é outro ponto que faltou nas matérias publicadas sobre o tema: quem assinou foi tratado como membro do partido, não como simples apoiador. Sempre haverá quem seja apoiador e integrante, mas isso não é obrigatório, nem comum. Alguém acha que um daqueles partidos naniquinhos tem 500 mil integrantes – que, aliás, nem votam neles?
Os grandes meios de comunicação são essenciais e, por enquanto, insubstituíveis. Blogs e outras formas alternativas são úteis, mas trabalham na interpretação dos fatos levantados pela grande imprensa, ou em nichos que a grande imprensa deixou inexplorados. Mas isso não dá aos grandes meios de comunicação o direito de ser imprecisos, tendenciosos ou desrespeitosos, a menos que queiram igualar-se aos tablóides tipo Bild ou News of the World, que não prestam.
Onde está a OAB?
O promotor Fernando Albuquerque de Souza, após uma dura troca de acusações com o advogado Cláudio Márcio de Oliveira, agrediu-o fisicamente. Terá o fato ocorrido na comarca de Xiririca do Extremo Oeste? Não: ocorreu no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, o mais movimentado do país.
Não há dúvida sobre o início da agressão: a cena foi gravada e a própria juíza informou que as agressões foram iniciadas pelo promotor. A Ordem dos Advogados do Brasil, seção de São Paulo, declarou que os fatos são “inadmissíveis”, que “não serão tolerados”, etc., etc. E daí? Daí, nada. Quando escritórios de advocacia foram invadidos e seus titulares presos (desnecessariamente, tanto que pouco depois foram libertados pela Justiça; bastava chamá-los para interrogatório, sem o show de mídia), a OAB discutia seu direito a celas especiais, não à liberdade. Aceita-se como normal que o promotor fique ao lado do juiz, num ponto mais alto da sala, enquanto o advogado fica em nível inferior. Admite-se que o advogado seja revistado ao entrar no fórum – no fórum, não numa cadeia de segurança máxima – enquanto promotores não sofrem revista. Admite-se que as conversas entre advogado e cliente, invioláveis por força de lei, sejam interceptadas e gravadas.
É complicado. Não basta o uso dos meios de comunicação por promotores desejosos de ganhar a causa fora dos tribunais, agora vale bater em advogado? E a OAB-SP vai limitar-se a acompanhar o inquérito – quer dizer, “o rigoroso inquérito” – sem verificar se há alternativas viáveis de proteção a seus sócios?
A brasileira no topo
Um livro que em pouco tempo se tornou clássico, “Jurisdições Militares e Tribunais de Exceção em Mutação”, lançado na França sob a coordenação de Elisabeth Lambert Abdelgawad, editado pela Archives Contemporaines, destaca o trabalho nesta área de um único nome brasileiro, de um único nome latino-americano: o da advogada Tânia Liz Tizzoni Nogueira, criminalista com escritório em São José dos Campos, SP. Uma ação movida por Tania Liz Tizzoni Nogueira que chegou ao Supremo Tribunal Federal e foi julgada pelo ministro Celso de Mello levou o STF a regulamentar o crime de tortura, separando-o claramente do de lesão corporal. O capítulo sobre Tribunais Militares e Jurisdição de Exceção no Brasil é de autoria de Kathia Martin-Chenut.
Mais informações sobre o livro, em francês (ainda não há tradução para o Português) estão no endereço eletrônico Juridictions militaires et tribunaux d’exception en mutation, perspectives comparées et internationales: http://www.isbnlib.com/isbn/2914610505/Juridictions-militaires-et-tribunaux-dexception-en-mutation-perspectives-comparA
Mais informações sobre Tania Liz Tizzoni Nogueira com este colunista, que tem a sorte de tê-la como advogada.
A vitória burrocrática
Faz calor, não chove, é temporada de queimadas. Até este colunista, um ser urbano que não sabe a diferença entre uma capivara e uma anta não-eleita, sabe que é época de queimadas. E como é que o país se prepara para isso?
Simplesmente não se prepara. Mas não espere ver essas notícias na imprensa. Este colunista encontrou algo interessantíssimo no ótimo blog de Ricardo Setti (http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/): o Brasil não tem sequer um avião especialmente desenhado para combater incêndios. Setti mostra a foto de um modelo de combate ao fogo: o Canadair CL-415, que até hoje o Brasil não possui.
Até aí, tudo normal: mas é muito pior saber que existem substâncias específicas para retardar incêndios florestais, mas o Brasil não as fabrica nem importa por falta de autorização do Ibama – sabe como é, essas substâncias podem ser prejudiciais ao solo ou à vegetação. Mas certamente o fogo é mais prejudicial ao solo e à vegetação do que esse produto. E daí? Daí, ao que tudo indica, o fogo será vencido quando vierem as chuvas, e no ano que vem tudo recomeçará.
Alô, Setti! Guarde as fotos que em 2012 serão necessárias de novo!
Los hermanos
Por falar em assuntos recorrentes, lembremos a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Desde o início do Governo Lula, em 2003, o presidente venezuelano Hugo Chávez anunciou que gostaria de investir no Brasil. O principal investimento seria a construção da refinaria, na qual a Petróleos de Venezuela S/A, PDVSA, entraria com 40%. E o dinheiro não saiu. A Petrobras começou a obra sozinha. A PDVSA mudou então o discurso: iria associar-se se o BNDES lhe fornecesse o dinheiro para os investimentos. No Governo brasileiro, a Venezuela manda e não pede: apesar de ser uma das maiores produtoras mundiais de petróleo, com divisas entrando nos cofres públicos dia após dia, o BNDES concordou em financiá-la. Só que até hoje a PDVSA não conseguiu as garantias normalmente pedidas para o financiamento. A Petrobras está sozinha na obra.
Imprensa? De vez em quando, envergonhadinha, uma nota de uma coluna toca no tema. Tudo muito discreto, claro. E só falta aos hermanos pedir 40% da refinaria, porque, embora não tenham investido, sempre disseram que gostariam de fazê-lo.
Só isso? Não: o sempre bem-informado colunista Aziz Ahmed, do Jornal do Commercio do Rio, conta que a PDVSA encomendou dez navios aos Estaleiros Eisa, e não pagou nenhum. Mas quer os barcos, porque diz que precisa deles.
Escondidinho
Não, caro colega: você não viu esta notícia em nenhum veículo de comunicação, a não ser que leia o blog Flit Paralisante, que trata de assuntos policiais. A notícia é que, na primeira fase do concurso para delegados na Polícia paulista, houve quase 50% de faltas. Praticamente metade dos inscritos não apareceu.
Por que? Como a notícia não foi publicada, ninguém foi atrás dela. Mas há fortes suspeitas de que o salário que São Paulo paga a delegados é pequeno demais para despertar interesse. Um delegado com 40 anos de serviço, classe especial, ganha menos de R$ 9 mil mensais. Imagine os iniciantes.
Livros, livros a mancheias
Há coisa fina na praça:
1 – Adriana Carranca, ótima jornalista de O Estado de S.Paulo, lança nesta quarta, dia 5, O Afeganistão depois do Talibã. O livro é consequência de duas viagens de Adriana ao Afeganistão, uma em 2008, outra em 2011. Retrata a vida de onze pessoas, entre elas a primeira mulher candidata à Presidência, um talibã, um senhor da guerra, um evangelista brasileiro, um médico da Cruz Vermelha, uma lutadora de boxe. Adriana Carranca é famosa por sua capacidade de elaborar bons perfis. Na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, SP, loja pequena.
2 – Domingos Pellegrini, escritor de primeiro time, dono de uma narrativa primorosa, colocou nas livrarias Herança de Maria. Personagem principal: sua própria mãe, que nasceu numa família pobre do Interior do Paraná, foi dona de pensão, esbofeteou o militar que queria prender seu filho e, com as mãos, abaixou seu fuzil – em suma, uma mulher forte, um grande exemplo.
Um dilema: aos 80 anos, Maria está mal, em vida vegetativa. E o filho tem que decidir se a vida dela está em suas mãos ou nas mãos de Deus.
3 – Antes de virar repórter, antes de criar a figura do repórter showman, Maurício Kubrusly foi um excelente chefe de Redação: comandou a notável Sucursal do Jornal do Brasil em São Paulo, indo em seguida para o Jornal da Tarde. Conhece reportagem, conhece texto, conhece tudo. Aproveitando sua experiência de repórter do Fantástico, Kubrusly pôs nas livrarias seu Me Leva, Mundão. Há de tudo: de personagens e casos curiosos no Brasil até atrações internacionais, como uma loja de lingerie em Dubai (será que a secretária Iriny Lopes, aquela que reprova Giselle Bundchen, aprovaria a loja?); uma academia de boxe feminino em Tóquio. Quem conhece o estilo de Maurício Kubrusly sabe o que esperar: um livro agradável, bem escrito, com detalhes que a outros passariam despercebidos.
A viagem da vida
Há certas peças de teatro que não vale a pena perder. Esta, por exemplo; e por dois motivos, o primeiro sua qualidade, o segundo que foi montada sem nenhum dinheiro público (o que, no Brasil de hoje, é fenômeno único). Será exibida por seis dias (5, 6, 12, 13, 19 e 20 deste mês), em São Paulo, sempre às oito da noite, no teatro Anchieta, do Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245.
Depois Daquela Viagem, de Dib Carneiro, conta a história de uma menina que aprendeu a viver com Aids. Baseia-se na vida de Valéria Polizzi, que tem essa experiência e escreveu um belo livro sobre ela. E mostra que, com ou sem problemas, a vida continua e merece ser vivida. Roseli Tardelli, editora-executiva e motor da Agência de Notícias da Aids, é a responsável por colocar a peça de pé com patrocínios privados. Vale a pena.
Como…
De um grande jornal, sobre uma jovem que levou um tiro:
“Não há previsão de alta de quando será o dia que ela deixará o hospital.”
…é…
Do mesmo jornal, na mesma notícia, tratando do mesmo caso:
“Ela não corre risco de morrer.”
Descoberto, enfim, o elixir da vida eterna: um tiro que não seja letal.
…mesmo?
De um jornal de circulação nacional:
“Pelas estimativas do Ministério do Trabalho, os cerca de sete milhões de domésticos com carteira assinada não representam 10% do total de pessoas que trabalham em residências no Brasil.”
Fazendo as contas (e não é difícil: é só colocar um zero à direita) isso significaria que há no Brasil 70 milhões de pessoas empregadas em trabalho doméstico. Quase metade da população do país.
Mundo, mundo
Acompanhe o julgamento do médico de Michael Jackson e ligue a memória: o anestésico que ele receitava era Propofol.
Lembrou? Exatamente aquele que o Dr. Roger Abdelmassih dizia receitar às suas pacientes e que, segundo ele, era o responsável por fantasias eróticas que elas julgavam reais. Elas, e também a Justiça, que o condenou por julgar que as tais fantasias eróticas não eram exatamente fantasias.
E eu com isso?
A primavera está começando, os passarinhos da árvore em frente à janela deste colunista estão forrando os ninhos, as passarinhas estão botando. Hora de assuntos mais leves, pois.
1 – Figo em calda e queijo branco formam a imagem da felicidade
2 – Veado furioso ataca mulher em parque
3 – Ke$ha deixa bumbum à mostra em passeio de barco no Guarujá
Maldade: não aparece quase nada. Aquele rapaz dos cem mil dólares na cueca (aliás, por onde andará?) tinha muito mais a mostrar.
4 – Daniele Suzuki paparica o filho em restaurante
5 – Sorridentes, Kate Middleton e príncipe William inauguram hospital
6 – Justin Bieber é flagrado com cueca roxa à mostra
7 – Ex-BBB Gyselle Soares pratica budokan em Paris
8 – Lucilene Caetano posa em Ibiza com seu biquíni rosa e bem pequenino
Deixa a ministra ver as fotos, deixa!
9 – Jaque Khury toma sol em Fortaleza
10 – Site lista as atrizes da indústria pornô que são viciadas em videogame
Alguém poderia explicar a este obtuso colunista que é que uma coisa tem a ver com a outra?
O grande título
Esta é a semana dos títulos enigmáticos (e de um, o melhor de todos, que não chega a ser enigmático, desde que o leitor disponha de um dicionário ao lado):
Programa malicioso para Mac se disfarça de instalador do Flash
Qualquer nerd saberá entender do que se trata. Se o caro leitor não entender, basta consultar seu filho ou neto mais novo (quanto mais novo, melhor)
Por massa, São Paulo cobra menos por ingresso do que em 2009
Felipe Massa é são-paulino, mas o título não daria sentido. Ao que tudo indica, o Tricolor está cobrando baratinho para ver se consegue mais público.
E o grande título, aquele que qualquer cultor do Direito, dos dicionários, de textos antigos ou de discursos de Jânio Quadros decifrará com facilidade:
Juiz deprecado pode suspender execução de carta precatória para aguardar manifestação do deprecante
“Deprecar” não é o que o caro leitor com maldade na cabeça deve estar pensando. Pode ser implorar, suplicar; ou, em linguagem jurídica, solicitar. Jânio, num de seus famosos bilhetes, dizia: “São Paulo não depreca, São Paulo exige”.
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Artigo escrito por Carlos Brickmann
Jornalista, consultor de comunicação. Especialista em gerenciamento de crises. Foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia e de Internacional da Folha de S.Paulo; secretário de Redação e editor da revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde. Dirige a B&A, Brickmann&Associados Comunicação.
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