O ex-secretário da Justiça de São Paulo Belisário dos Santos Júnior analisa, em entrevista a Terra Magazine, o índice de homicídios no Estado e propõe estudos específicos sobre as ocorrências: “concentrar a crítica só na polícia estadual é fraco” 7

Segunda, 8 de fevereiro de 2010, 07h41 Atualizada às 09h09

Ex-secretário: Crise não motivou aumento de homicídios em SP

Claudio Leal

 

O ex-secretário da Justiça de São Paulo Belisário dos Santos Júnior analisa, em entrevista a Terra Magazine, o índice de homicídios no Estado e propõe estudos específicos sobre as ocorrências. À frente da secretaria no governo Mário Covas, entre 1995 e 2000, o advogado não atribui à crise financeira o primeiro crescimento dos casos de homicídios em dez anos.

– Tenho impressão que a crise econômica não responde plenamente pelo aumento. O número de homicídios, no interior, aumentou no último trimestre de 2009. Nesse último trimestre, a crise era mitigada. E os homicídos não têm muito a ver com a crise econômica. Têm com outros fatores – afirma Belisário dos Santos.

Em  2009, a polícia paulista registrou 4.771 vítimas, contra 4.690 em 2008. A tendência de queda foi preservada na capital e na Grande São Paulo, mas o interior contribuiu para a alta da violência. No Estado, são 10,95 casos para cada 100 mil habitantes, o que ultrapassa a média de 10/100 mil da OMS (Organização Mundial de Saúde).

Para o ex-secretário, a sociedade civil, os municípios e o governo federal devem participar dos estudos sobre o aumento da criminalidade em São Paulo. “A polícia continua na rua, as prisões continuam sendo efetuadas, as drogas são apreendidas e, de repente, esses números mudam”, diz. Somente com ações coordenadas as políticas públicas poderiam alcançar resultado.

– Quero tirar o foco da polícia de São Paulo, dizendo que ela tem sua responsabilidade, para dizer que a Polícia Federal, o Exército, os municípios têm responsabilidades. O crime é um fenômeno muito complexo pra ser deixado na mão apenas da polícia.

Leia a entrevista.

Terra Magazine – Depois de dez anos, o número de homicídios voltou a crescer em São Paulo, com destaque para o interior do Estado. Como esses dados podem ser interpretados?
Belisário dos Santos Júnior – Constato duas coisas. Primeiro, a importância da lei de 1995, em função da qual todos nós podemos ter acesso a isso. Está sendo cumprida. O segundo fator importante é que, considerando todos os números, a tendência é de baixa. Houve realmente um crescimento, mas o viés é de baixa, como diria o presidente do Banco Central. Houve um crescimento grande durante três trimestres (de 2009), mas o último é de baixa. Uma outra constatação se impõe. Se você for realmente analisar os números do interior, esses são preocupantes.

Por quê?
Primeiro, em seu conjunto, porque representa um aumento razoavelmente expressivo em relação a 2008. No interior, o último trimestre foi de 521 homicídios para 538. Se você entender que isso é uma estatística e os números são maiores em algumas regiões, você vai ver que a Baixada Paulista, o Litoral Sul e São José dos Campos são os lugares onde se faz necessário um olhar melhor da Polícia Civil. Uma outra coisa que gostaria de chamar atenção: fui para os números que não aceitam subnotificação. Latrocínios, por exemplo. O número de latrocínios cresceu na capital. A média estatística subiu no Estado como um todo, mas no interior os latrocínios baixaram. Latrocínio é homicídio cometido antes ou depois de um crime patrimonial. Esse número faz com que a polícia tenha que se preocupar também com a capital. Quando a polícia tem boas estatísticas para apresentar, como foi ao final de 2008, ela relaciona os números com a identificação e prisão dos criminosos, com a apreensão de armas ilegais e o aumento de polícia nas ruas. Veja, em 2008 a diminuição foi relacionada com a presença da polícia nas ruas, ainda que tenha havido, durante três meses daquele ano, um movimento reivindicatório. E ela relacionou também ao uso da inteligência policial como forma de solucionar a ocorrência. Isso é um sinal que é passado para a criminalidade. Isso a polícia diz quando tem bons números.

O governador José Serra afirmou que o crescimento dos homicídios se deve à crise econômica e ao desemprego. Como avalia esse argumento?
Tenho impressão que a crise econômica não responde plenamente pelo aumento. O número de homicídios, no interior, aumentou no último trimestre de 2009. Nesse último trimestre, a crise era mitigada. E os homicídos não têm muito a ver com a crise econômica. Têm com outros fatores. Os latrocínios poderiam ter a ver com a crise econômica. O número de latrocínios aumentou na capital. Precisamos achar outras explicações. A polícia continua apreendendo armas. Ela apreendeu mais armas em 2009 do que em 2008: o aumento foi de 4,5%. A polícia prendeu bem mais em 2009 do que em 2008. No último trimestre, ela prendeu 23.300 pessoas em 2008 e 29.400 em 2009. Drogas. A quantidade de drogas apreendidas em São Paulo é crescente desde 1995.

O que a gente nota? A polícia continua na rua, as prisões continuam sendo efetuadas, as drogas são apreendidas e, de repente, esses números mudam. Nós temos que considerar essa situação especial do crescimento do latrocínio em São Paulo, em especial os homicídios na Baixada, no Litoral Sul e em São José dos Campos, áreas próximas. A polícia dispõe de vários dados. Tem o Infocrim, a inteligência da polícia funciona razoavelmente em boa harmonia. Então, eu acho que a gente precisa fazer críticas menos genéricas e mais específicas. Esse secretário (Antonio Ferreira Pinto), que tem mexido muito na estrutura policial, fez uma coisa que era reivindicada desde o primeiro Plano Estadual de Direitos Humanos, que era tirar a corregedoria da cúpula policial e jogar no seu gabinete. Ele fez isso. As estatísticas policiais têm um pouco a ver com a existência de maus policiais que não cumprem sua missão. Esse fator o secretário elimina.

Não há outras variáveis para que o homicídio seja epidêmico no Brasil.
É. Se você entender que não é um crescimento em todas as áreas da capital e da Grande São Paulo, vai verificar que principalmente na Grande SP houve a Lei Seca. Houve a proibição de bares venderem bebida alcoólica em determinado momento e fecharem em determinada hora.

Funciona?
Veja, em 2009, na Grande SP, os homicídios baixaram em todos os trimestres. Essa providência é possível aplicar em uma cidade pouco menor que São Paulo. Funciona e é mais fácil de fiscalizar. Em São Paulo, houve um descréscimo no terceiro e no quarto trimestre. Não dá pra relacionar isso com a crise porque essas providências de crise, emprego, retorno ao emprego, demoram um pouco para se refletir. O que a gente deve considerar são duas coisas: da parte da polícia, uma atenção maior para os números específicos, da capital e do interior.

E direcionar políticas públicas específicas para esses locais?
Redirecionar as políticas. Pra isso a polícia tem o disque-denúncia. O disque-denúncia precisaria ter uma consideração um pouco diferenciada. Já sustentei isso e acho que ele deveria estar ligado sempre à sociedade civil. A participação policial civil e militar teria que ser num nível hierárquico quase próximo ao do secretário, para que esses índices fossem manejados por pessoas mais experimentadas do que ainda o são. Pelo Infocrim, temos que verificar o que houve nessas regiões. Acho pouco a gente atribuir à crise. Porque a crise esteve em todos os lugares. São José dos Campos é um dos lugares em que o desemprego, seguramente, não foi dos maiores. Nem a Baixada Santista, que tem aquela população flutuante. Da parte da sociedade civil, a gente precisaria avaliar um pouco as instâncias que ela tem de resolução de conflitos. A sociedade civil, o Estado e a Justiça. Porque o Estado legislador criou novas leis… Por exemplo, tem a violência familiar e a gente não leva isso a sério.

E é mais difusa.
Nós todos ficamos abismados quando um cidadão, num lugar onde existe uma câmera, ele entra, mata a ex-mulher e vai embora. Com o revólver. Isso é uma coisa que me parece muito complicada. Você não vê nenhuma dificuldade para as organizações criminosas terem armas. Esse é um fato que não tem muito a ver somente com a polícia de São Paulo, que está fazendo sua parte. Deve respostas a esses pontos, mas tem a ver com a apreensão de armas pela Polícia Federal, pelo Exército, tem a ver com os pontos vulneráveis da nossa fronteira. Ninguém compra arma na loja. Senão, não tem explicação. Falta um esforço conjunto, menos partidário e mais solidário, entre diversas instâncias do poder. São Paulo não tem fronteira com o exterior, salvo o porto. E, ainda assim, a fiscalização nos portos e aeroportos não é da polícia estadual. Concentrar a crítica só na polícia estadual é fraco.

Há também os crimes banais, como é possível combatê-los?
Grande parte dos homicídios é isso. Crimes banais. É o homicído em que o cara foi para o bar armado. A polícia diz que está fazendo várias incursões em bares… Toda briga em bar termina com revólver na mão! Outro dia, numa padaria, o segurança sacou e deu um tiro num cliente. A gente tinha que rever a questão dos armamentos. Os que se opunham às vendas de armas foram vencidos, mas as estatísticas estão cobrando como a gente deveria ter entendido a questão das armas. A reversão é pequena, mas é uma reversão. Temos que reverter a desconfiança na Justiça. Porque quem vai armado a um lugar é porque não confia na polícia ou na justiça. E há a mediação social, as igrejas prestarem atenção nesses números e começarem a trabalhar. Muitas organizações não-governamentais estão trabalhando, como o “Sou da paz” – e eu sou do conselho. Se você olhar pra 1999, nós tínhamos quase 40 homicídios por 100 mil pessoas. Chegamos a 10,7. É só não deixar essa tendência se inverter. Mas o números preocupam, porque são pessoas que morreram. A Lei Seca funcionou em alguns lugares, por que não funcionará em outros?

Municipalizar a política de segurança pública seria uma boa alternativa?
Não. A polícia tem entendido que as guardas municipais são boas parceiras. Até porque, a partir de 1999, com a polícia militar se aproximando da civil, o policial saindo preparado com o colete, com armamento melhor, isso deu resultado. Os homicídios foram pra 10,7. Estamos quase no índice ideal. A polícia tem que continuar estadual, polícia municipal seria com muita facilidade colocada a interesses subalternos. O Estado de São Paulo conta com corregedorias eficientes. A polícia está fazendo sua parte. Precisaria um pouco mais de atenção nesses pontos.

As prefeituras poderiam estudar a Lei Seca, os lugares em que a violência ocorre… Os fenômenos, a rua mal iluminada, o bar que funciona quando não pode, venda de bebida para menores. E aí trabalhar com essa visão, em cima dos números. A estatística é apenas para preocupar e direcionar as nossas angústias. Ela não é senhora, tem que ser examinada com prudência. Até semáforo inteligente ajuda a se livrar de latrocínio. Temos que nos preocupar com os locais onde isso aconteceu. Quero tirar o foco da polícia de São Paulo, dizendo que ela tem sua responsabilidade, para dizer que a Polícia Federal, o Exército, os municípios têm responsabilidades. O crime é um fenômeno muito complexo pra ser deixado na mão apenas da polícia. 

Terra Magazine

Um Comentário

  1. SAIU, ESSA SEMANA, MATÉRIA SOBRE MANIPULAÇÃO DE ESTATÍSTICAS NA CIDADE DE NOVA YORK. SE ACONTECE LÁ, POR QUE NÃO AQUI? EXPLICA PINTO!

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  2. Muito “”bom”” esse Belisário dos Santos tem todas as soluções para a criminalidade quando já não faz mais parte do governo, para este teórico das estatísticas e índices, junto com o comissionado Túlio Khan da CAP do GS, a explicação é muito mais simples do que o seu alto intelecto pode atinar, a equação é essa:
    Salário de fome dos policiais é igual (=)aumento da violência.
    Policial desmotivado por causa do salário é igual (=)aumento da violência.
    Policial cansado de tanto fazer bico, por causa do baixissimo salário é igual (=)a aumento dá violências.
    Policial sem perpectivas de aumento ´de salário é (=) a aumento da violência.
    Poderia ficar aqui achando várias e várias causas para o aumento da violência,todas relacionadas ao salário, mas a principal é o PSDB no governo é igual(=) a aumento de violência.

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  3. PMs acusados de matar presos vão a júri popularPOR FERNANDO PORFÍRIO
    O Tribunal de Justiça de São Paulo mandou a júri popular 116 Policiais Militares acusados de envolvimento na morte de 111 presos, no episódio que ficou conhecido como massacre do Carandiru. A decisão foi tomada por votação unânime nesta terça-feira (9/2) pela 4ª Câmara Criminal.
    A turma julgadora negou recurso dos réus e confirmou a pronúncia dos acusados decretada em primeira instância. Os desembargadores também não aceitaram pedido da defesa para estender aos réus o benefício conferido pelo Órgão Especial do TJ-SP ao coronel Ubiratan Guimarães [que já morreu]. Ele foi absolvido com as teses de legítima defesa e estrito cumprimento do dever.
    A defesa pretendia anular o decreto de pronúncia que mandava os réus a júri popular. Os advogados queriam livrar policiais e oficiais militares das acusações de crimes contra a vida e lesões corporais. São 84 policiais acusados de homicídios qualificados e outros 32 suspeitos de provocar lesões corporais. Os supostos crimes praticados por estes últimos já prescreveram. Outros já morreram antes de ser julgados.
    O processo aguarda decisão da Justiça paulista há mais de 17 anos. Os autos já somam 40 volumes e 81 apensos. Depois de tanto tempo e toda a papelada, não se sabe ao certo o número de réus que ainda estão vivos. No começo do processo, quando ele ainda tramitava na Justiça Militar, eram 120 acusados. O recurso que estava previsto para ser julgado nesta terça-feira foi apresentado pela defesa de 107 réus, além de 14 corréus, onde aparece o nome do coronel Ubiratan Guimarães, morto em setembro de 2006.
    O relator do recurso, desembargador Salles Abreu, proferiu um voto com mais de 100 páginas. Ele foi seguido pelos demais julgadores: o revisor, desembargador William Campos e o terceiro juiz, Augusto de Siqueira.
    Dos acusados do chamado massacre do Carandiru, nenhum foi preso. Apenas um — o coronel Ubiratan Guimarães — chegou a ser condenado em primeira instância, por decisão do 2º Tribunal do Júri que aplicou a pena de 632 anos de detenção. Mas o militar recebeu o benefício de recorrer da sentença em liberdade, por ser réu primário.
    Depois, com mandato parlamentar, levou o processo para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça paulista, que anulou o julgamento e o absolveu. Os desembargadores que integravam o colegiado entenderam que Ubiratan Guimarães agiu em estrito cumprimento da ordem e em legítima defesa. A mesma tese é levantada pela defesa dos demais réus.
    O processo contra policiais e oficiais militares que participaram da invasão do presídio ultrapassou a fase de pronúncia, mas a defesa dos réus ainda pode recorrer aos tribunais superiores.
    Este não é o primeiro recurso em sentido estrito apreciado pelo TJ paulista envolvendo a mesma matéria e os mesmos réus. A primeira pronúncia contra os PMs foi decisão tomada pelo Tribunal de Justiça em recurso em que os policiais apontavam falhas quanto às acusações de lesões corporais nos detentos sobreviventes.
    Com a apreciação do novo recurso pela 4ª Câmara Criminal nesta terça-feira, os acusados poderão ir a julgamento pelo 2º Tribunal do Júri pelos crimes de homicídio e lesão corporal.
    O Ministério Público credita tanta demora para o julgamento no grande número de réus no mesmo processo e ainda pelo caso ter começado a tramitar na Justiça Militar.
    O massacre do Carandiru começou depois de uma briga de detentos. Os policiais militares foram chamados para conter a rebelião. No comando da operação policial estava o coronel Ubiratan Guimarães. A PM invadiu o presídio e, de acordo, com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, os policiais dispararam contra os presos com metralhadoras, fuzis e pistolas automáticas.
    Os tiros atingiram principalmente as partes vitais, como cabeça e tórax. Ao final do confronto, foram encontrados 111 detentos mortos: 103 vítimas de disparos (515 tiros ao todo) e oito mortos devido a ferimentos promovidos por objetos cortantes. Não houve baixa entre os policiais. Foram registrados ainda 153 feridos, sendo 130 detentos e 23 policiais militares.
    O pavilhão 9, local da rebelião, reunia presos jovens, a maioria condenada por crimes contra o patrimônio. Segundo levantamentos das entidades de defesa dos Direitos Humanos, 80% ainda esperavam por uma sentença definitiva da Justiça. Não haviam sido condenados. Só nove presos tinham penas acima de 20 anos. Dos mortos, 51 tinham menos de 25 anos.

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  4. Caso eu recebesse uma remuneração acima de R$ 10.000,00; Caso eu tivesse vários acessores, mesmo que funcionários públicos para me acessorarem nos mais diversos entreveros; Caso não tivesse dívidas a saldar, principalmente com bancos; Caso tivesse formação em ciências jurídicas; Seria, indubitavelmente Dr. em segurança pública; Caso anualmente viajasse para países de primeiro mundo. Caso nunca tivesse trabalhado como policial, de verdade; Caso nunca tivesse experimentad um plantão de sábado à noite. Seria dr. em segurança pública.

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  5. QUE mantém a polícia num patamar salarial no qual o policial de maneira a complementar seus rendimentos , se vê forçado a alimentar um ciclo vicioso de financiamentos de campanhas políticas do partido que está no phoser.

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