Uma “Columbia” paulista…
É triste mesmo a falta de respeito que alguns indivíduos demonstram pelas coisas alheias. Aquilo que meus pais me ensinaram, de não pegar o que não me pertence, parece que é esquecido pela maioria das pessoas. O pior, no caso da Columbia, é que aqueles destroços representam parte da lembrança de um acontecimento terrível, de comoção mundial. Claro que nada irá trazer de volta aqueles astronautas; aqueles destroços são apenas peças de um quebra cabeça. Porém, o respeito à memória de heróis deve prevalecer. Um país que faz questão de mostrar que esse sentimento é importante é, justamente, os EUA. Se tudo o que tem passado na televisão é verdade, não sei. O que não se pode ignorar é que o orgulho de ser americano é bem maior que a vaidade pessoal. Isso qualquer americano demonstra dentro e fora do país. Às vezes com extremado exagero, é claro. Mas é inevitável que eu trace um paralelo com um fato menos recente.
Creio que os senhores se recordam de um acidente envolvendo um helicóptero da PCSP em julho de 2001. Precisamente no dia 14/07. Dois delegados, um investigador de polícia e um agetepol eram os tripulantes. Atendendo à uma ocorrência de perseguição à auto roubado. Localizaram os acusados em uma área industrial à beira de uma rodovia e iniciaram os procedimentos de abordagem. Enquanto isso, várias viaturas da PC e PM já estavam próximas. Ao fazerem a aproximação para pouso, foram recebidos à tiros. A aeronave manobrou para se afastar, porém seu rotor de cauda tocou em uma rede de alta-tensão, sendo seriamente danificado. Um helicóptero de uma empresa de vigilância aérea estava próximo percebeu algo de estranho e, no relato do piloto, só pode ver que o “Pelicano” caía, com forte inclinação, diretamente contra o solo. No CEPOL, todos estremeceram com a informação enviada via rádio por um desesperado policial: “CEPOL! O Pelicano caiu!”. O operador da cabine pediu confirmação e a resposta foi a angustiante repetição da frase anterior. À essa altura, a figura bonachona do cheda equipe estava transformada. Já sentado defronte ao console, aquele chefe, pai do agetepol Marco Toledo, somente ouvia as transmissões entre as viaturas e os pedidos para equipes de emergência irem para o local. Em instantes, equipes de resgate do Corpo de Bombeiros estavam chegando, juntamente com outro helicóptero “Águia” da PMSP.
A cena era trágica. Peças do aparelho se espalhavam por um raio de trezentos metros, misturadas com estojos de pistolas e de fuzil. Pude ver mais tarde pela TV, que policiais que estavam alí choravam copiosamente. Próximos aos destroços, três corpos, seriamente traumatizados: dos delegados, dr. José Maurício de Aguiar Cerciari, dr. Otávio Marcos Corrêa Viola Trovillo e o investigador José Osório Arruda Campos Rodrigues (“Zezo”). Milagrosamente resgatado com vida, embora bastante ferido, o agetepol Marco Aurélio de Toledo, meu sobrinho.
Eu trabalhava em uma empresa de informática nessa época, e estava voltando para a polícia, aguardando apenas o chamado para a Academia. Em minha sala, no setor de suporte, nesse sábado quente e sufocante, apenas eu e outro analista estávamos atendendo clientes esporádicos. Fiquei surpreso ao ver minha esposa aparecendo no corredor, junto com meu amigo, gerente da empresa. Seus olhares me perturbaram. Sabia que algo estava acontecendo. Uma sensação esquisita. Bastou apenas uma frase: “Houve um acidente com o Pelicano”! – e desabei. Corremos para o carro de meu amigo e ele praticamente voou para a casa de meu cunhado. No caminho os repórteres anunciaram que familiares dos policiais estava no hospital. Fomos direto para lá e mergulhamos em toda aquela movimentação. Minha irmã, mãe do Marco, e minha sobrinha, também agetepol, estavam em choque. Meu cunhado, completamente “passado”. Com ele estava o dr. Desgualdo, delegado geral, visivelmente emocionado também. Ao redor, alguns passos dalí, delegados diretores de departamento e muitos outros policiais. É algo tocante, ver aqueles homens, forjados à fogo dentro da realidade da violência de São Paulo, deixar aflorar um lado tão humano e tão básico quanto a tristeza, a dor, a saudade. Abraçamo-nos com nossos familiares, orando à Deus a sua misericórdia pela vida do Marco e pela consolação para os familiares dos companheiros mortos. Ví quando levavam o Marco para a sala de tomografia computadorizada. Tive que segurar minha sua mãe para que ela não invadisse a área restrita, mas não poderia nunca evitar que ela o fitasse, mesmo que por alguns segundos. Propositadamente, deixei que ela me empurrasse para o limite próximo à numerosa equipe que acompanhava a maca. Uma médica se aproximou e explicou que não poderíamos estar alí, mas entendeu minha manobra e assentiu. Logo entraram no elevador e desapareceram. Cenas de guerra. Viaturas saiam e chegavam. Aquela noite seria bem longa para todos. E as que se seguiram também.
No dia seguinte, fui com um investigador e uma escrivã, amigos de meu sobrinho, até o local da queda. Haviam alguns curiosos ainda, ao longo do trecho da rodovia. Carros paravam e saíam, curiosos e mais curiosos. Descemos da viatura, atravessamos o terreno baldio sob as torres de alta tensão, e nos aproximamos do perímetro. Duas viaturas da PC estavam preservando os destroços. Logo um dos investigadores se aproximou e perguntou alguma coisa. Os policiais que estavam comigo se identificaram e me apresentaram. O rapaz, com um fuzil na mão, permitiu que passássemos. Olhei em volta tentando entender o que ocorreu. A aeronave parecia ter sido aingida por um míssil, pois a cabine foi reduzida a pedaços do tamanho de uma caixa de bebidas. Sua cauda, tombada, com a inscrição Polícia Civil e o número 2 no direcional sobre o rotor, alí, em meio a pedras e um brejo raso, de capim muito alto e com cheiro de combustível. Me sentí anestesiado. Tentei imaginar os últimos segundos daqueles homens. Pensei no “jeitão” deles, se preparando para a decolagem, que acompanhei algumas vezes. Meu sobrinho e o sinal de positivo dele. A figura peculiar do dr. Cerciari, e seus óculos redondos. O contato dos pilotos com a torre e seus códigos. O olhar da equipe de terra vendo-os desaparecer além dos prédios em mais uma missão. Achamos os óculos do dr. Cerciari, caídos em meio aos destroços. Sem lentes. Com sangue coagulado. Peguei-os, dei um jeito de limpá-lo e guardei. Mais tarde, seriam entregues para os familiares. Não pensei em nada além de levar uma lembrança para a família. Achei que, ao tirar aquelas manchas de sangue, eles sofreriam menos. Ainda estava meio alheio ao mundo quando ví dois dos policiais responsáveis pela guarda, pegando algo nos destroços. Conversavam baixinho com um sorriso discreto no rosto. Um pegou parte de um cinto de segurança. Outro veio até nós com calendários que ele pegou sob os restos de um banco de piloto. Eram ums “mimos” que a equipe transportava, tal qual um cartão de visitas. O policial me ofereceu uma daquelas dobraduras: “Leve como lembrança dos ‘companheiros’!”. Não sei se o que sentí foi raiva ou pena. Talvez a mistura única entre os dois. “Amigo, estou com meu sobrinho na cama do hospital, lutando para sobreviver a isso tudo. É a única lembrança que quero desse lugar” – respondi. Aquele homem, meio sem jeito, voltou os olhos para o local da queda, olhou para seu companheiro, que guardava o cinto. Devolveu os calendários ao local de onde foram pegos. Foi até a viatura, conversou alguma coisa com o outro e ficaram alí. O que foi feito do cinto eu não sei. Mas que os policiais que estavam comigo quiseram “arrumar para a cabeça” daqueles dois, quiseram. Eu assumo que não deixei. Achei que não ajudaria em nada criar outro problema. Quem sabe tenham aprendido a lição. Se não, não era problema meu, só não pude deixar de falar. Em outra situação talvez minha atitude fosse diferente, mas haviam coisas moralmente mais importantes a ser feitas no momento. Voltei para o hospital. Fiquei quatro dias sem dormir, junto com minha família. O Marco ficou quarenta dias na UTI, desafiando os médicos. Ele sempre foi assim. Aquele jovem ainda luta, em sua casa, cuidado pelos seus pais. Não fala ainda, não sabemos até que ponto sua memória foi afetada. Mas está começando a demonstrar emoções. Ele sorrí, emite sons. Está se reprogramando, ressurgindo da escuridão que o cerca. A cada progresso, festejamos.
Seus pais são heróis, tal como o filho, que foi condecorado pelo governador Geraldo Alckmin em uma emocionante cerimônia pública, a qual compareceram também os representantes das famílias dos demais policiais, mortos no acidente. Sei que me extendi. Se eu tivesse apenas recortado e colado a notícia de algum jornal, não seria a mesma coisa para quem lê. É por isso tudo que fica difícil para mim entender algumas situações sem me colocar como uma das pessoas envolvidas. Se praticarmos essa atitude, ficará mais fácil entendermos uns aos outros.
O respeito mútuo está desaparecendo. Desvia-se dinheiro da previdência, arquivam-se processos contra políticos corruptos, furta-se destroços de naves espaciais, despreza-se o próximo simplesmente porque desconhecemos seus sentimentos. Não dá para ser assim com todos, mas precisamos começar a enfrentar situações com isso em mente. Se não for o caso de aplicar essa política, não se pode pecar pela omissão. Aquelas peças da Columbia ou do Pelicano não nos pertencem, são propriedade do Estado. São a memória de uma nação. Finais de história de vidas que lutavam por nós ou representavam nossos sonhos. Mas viveram nossos pesadelos.
Márcio Almeida
Agetepol – CEPOL – SP
Colega assinante do Grupo Policia-br, dispomos de
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Moral da estória?
Cada um que descubra a moral do caso.
Grifos do blog.
FONTE: PHA http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=20572
Cardoso em 20/outubro/2009 as 1:05
CARO MARCIO ALMEIDA…..
Li o relato acima e cheguei a seguinte conclusão …. isso realmente não é gente … não é ser humano …. não é policial e sequer um COLEGAD de profissão …
Isso é pior do que o abutre …corvo.
Mas não fiquemos surpresos com essa conduta …isso “como sabemos” …é comum .. e muito comum …. na POlícia …. não quero aqui dizer que todos os policiais fazem isso … mas com certeza …. sabemos que isso é fato concreto e que sempre existiu …
Sei de um caso em que o POLICIAL CIVIL se acidentou …foi socorrido pela PM que foi mais ágil em prestar o socorro ….. e o local … ninguém ficou preservando … ai vem o motorista da AMBULANCIA –do SAMU e esmerilha …saqueia olocal do acidente … leva a carteira do POlicial … o rádio HT particular do policial … leva as algemas …. leva tudo de pessoal que estava no carro … mas detalhe … havia no local um olho BIÔNICO de populares ….. foi a gora dá gua … o MOTORISTA que achava-se estar anônimo … passou a ser conhecido e respondeu pelo desaparecimento ” inexplicado” dosmpertences do Policial….. detalhe … os documentos no dia seguinte foram, encontrados na casa da mãe do Policial, numa cidade vizinha do local do acidente…coincidência ….
Realmente nesse caso …. é deprimente …. e sabermos que em caso de um acidente …. podemos ser vítimas novamente ….. mas dessa vez de um colega que está na função para preservar a lei e a ordem ….. é coisa de BRASIL mesmo …..
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CARO MARCIO ALMEIDA…..
Li o relato acima e cheguei a seguinte conclusão …. isso realmente não é gente … não é ser humano …. não é policial e sequer um COLEGAD de profissão …
Isso é pior do que o abutre …corvo.
Mas não fiquemos surpresos com essa conduta …isso “como sabemos” …é comum .. e muito comum …. na POlícia …. não quero aqui dizer que todos os policiais fazem isso … mas com certeza …. sabemos que isso é fato concreto e que sempre existiu …
Sei de um caso em que o POLICIAL CIVIL se acidentou …foi socorrido pela PM que foi mais ágil em prestar o socorro ….. e o local … ninguém ficou preservando … ai vem o motorista da AMBULANCIA –do SAMU e esmerilha …saqueia olocal do acidente … leva a carteira do POlicial … o rádio HT particular do policial … leva as algemas …. leva tudo de pessoal que estava no carro … mas detalhe … havia no local um olho BIÔNICO de populares ….. foi a gora dá gua … o MOTORISTA que achava-se estar anônimo … passou a ser conhecido e respondeu pelo desaparecimento ” inexplicado” dosmpertences do Policial….. detalhe … os documentos no dia seguinte foram, encontrados na casa da mãe do Policial, numa cidade vizinha do local do acidente…coincidência ….
Realmente nesse caso …. é deprimente …. e sabermos que em caso de um acidente …. podemos ser vítimas novamente ….. mas dessa vez de um colega que está na função para preservar a lei e a ordem ….. é coisa de BRASIL mesmo …..
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Estimado Marcio Almeida.. Voce sabia que o camarada que recolhe o defunto, antes de embarcá-lo no “rabecão”, dá um “pelado” no extinto antes de jogá-lo naquele caixão de zinco?
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Eu katia Bonello era noiva do Marco, estava na base quando os quatro sairam para atender a ocorrencia, fiquei sozinha na base do SAT e fiquei ouvindo tudo o q acontecia. Tenho muitas coisas guardadas dentro de mim, ate hoje não consegui ver uma imagem sequer do acidente e ainda não estou preparada para falar tudo o que passei naquele hospital. O que tenho hj são inúmeras cartas e fotos dele .Quem sabe um dia conseguirei entender o porque das humilhações pelas quais fui sibmetida. Mas saiba Marco, onde quer que esteja saiba q te amava tanto como vc me amava e se nos privaram de ficarmos juntos no seu pior momento , não foi por vontade minha. QuecDeus perdoe o q nos fizeram. Um dia nos reencontraremos e quem sabe um dia conseguirei rcontar ao mundo nossa história.
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