”Meu ex é o maior vendedor de CD da polícia”
Testemunha revela ligações perigosas de investigador e diz que é cômico ver dois policiais se pegando por dinheiro?
Bruno Tavares e Marcelo Godoy
Regina Célia Lemes de Carvalho parece uma testemunha complicada.
Começou a denunciar o enriquecimento do ex-marido, Augusto Pena, em 2006. Pouco depois, voltou atrás.
Ela fez tratamento psiquiátrico e disputa com Pena a guarda do filho de 6 anos do casal.
Quando voltou a procurar o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaerco), de Guarulhos, em 8 de abril, os promotores pensaram que novamente iam escutar histórias sobre brigas conjugais.
Daquela vez foi diferente.
A testemunha levou aos promotores 200 CDs com escutas telefônicas feitas pelo ex-marido e documentos.
Mas ela não aceitou depor sobre o secretário-adjunto da Segurança, Lauro Malheiros Neto.
“Meu advogado não deixou eu pôr isso no papel, para minha segurança”, afirmou, em entrevista ao Estado.
O que a senhora sabe sobre o seqüestro do enteado do Marcola?
O que eu sei é que foi assim: ele (Pena) pegou o Rodrigo, levou ele para a delegacia e ficou dois dias lá, trancado.
Na delegacia?
Na delegacia, não na cadeia.
Ficou num quarto lá.
Era uma salinha onde tinha câmera, chá, água gelada, chá, tinha tudo lá.
É uma salinha bem confortável, com sofá.
Foi lá que ele ficou?
Foi lá.
Na época, quando ele (Pena) trouxe essa fita, trazia e ouvia na minha cara.
Ele trouxe essa fita e foram duas pessoas lá que se passaram como advogados e depois foi uma advogada lá que apareceu para fazer tudo, o pagamento.
Nesse dia em que a advogada foi fazer o pagamento, eles foram dormir em um motel para dividir o dinheiro.
Lá em um motel de Suzano.
Foram contar o dinheiro?
Quem?
Foram contar, o Araújo (José Roberto) e o Augusto.
Quanto foi o resgate?
R$ 300 mil.
Qual foi a parte do Pena?
Vi ele contar uns cento e pouco mil reais, porque alguma coisa ele deixou na delegacia.
Não sei para quem.
Alguém levou mais nessa história.
Ele sabia quem era que tinha seqüestrado?
Lógico.
O Augusto construiu a casa dele de Boituva com o dinheiro do PCC.
O Augusto mexe com o PCC não é de hoje.
Ele ficava nos grampos.
Não se preocupava com o tempo.
Às vezes ficava três meses ouvindo o grampo deles (presos) na cadeia.
Quando cansava, ele emendava uma história com a outra, uma história de outro traficante com alguém importante do PCC, e já apresentava o CD para o advogado.
Tipo: “Ou paga ou o CD vai pra frente.”
Tanto é que ele tem o apelido na polícia de “o maior vendedor de CD da polícia”.
Qual é a história do Jurandir (trata-se do investigador Jurandir da Silva, que Pena tentou incriminá-lo sob a acusação de deixar vazar grampos sigilosos para o PCC)?
Briga por causa de dinheiro.
É cômico ver dois policiais se pegando por causa de dinheiro.
Foi o Jurandir que passou pro Augusto os números do Gegê.
O Gegê do Mangue, terceiro homem na hierarquia do PCC?
Sim.
E aí o Augusto no dia que ia derrubar o Jurandir ficou sabendo que não ia ganhar nada com isso e aí o Jurandir entregou os grampos pra todo mundo e acabou com a festa do Augusto.
E aí o Augusto, para se vingar, falou que ia tirar ele da polícia (Pena atraiu a advogada Maria Odete Haddad para uma armadilha e filmou a defensora de Gegê confessando que havia recebido os grampos de Jurandir.
Depois, segundo a advogada, Pena achacou R$ 150 mil de Gegê).
Essa história eu ouvi da boca dele.
O Augusto falou que ia acabar com a vida dele.
Emendou, colou, fez degravação da forma como quis e mandou para a corregedoria.
Qual a relação de seu ex-marido com Lauro Malheiros Neto?
Nunca conheci pessoalmente.
Eu sempre ouvi falar do Lauro, pelo Augusto.
Ele falava que tinha trabalhado com esse Lauro.
Ele falava que eles eram superamigos, amigos do peito.
Eles se falavam?
Direto, todos os dias quase.
Quando a conversa era com o Lauro, eu tentava escutar.
Ele falavam assim em código: “Vamos se encontrar naquele lugar”.
Quando o Augusto foi pra Suzano, até o Lauro chegou a ir à Delegacia de Suzano.
Como foi o caso do PlayStation?
Ele fez tudo aqui no meu prédio.
Roubou a carga sozinho.
O pessoal do Deic fez a apreensão certinha.
Colocaram no papel.
Quem aparecia no papel era o Douglas (investigador Douglas dos Santos).
O Augusto não aparece no papel.
Se a coisa estourar, não estoura pra ele, pois ele não está com o nome lá.
Isso tudo (a carga) foi para o depósito do Deic, na Avenida São João.
Para tirar a carga de lá, ele deu R$ 10 mil para o porteiro.
Tirou de lá com picapes de madrugada.
Quanto rendeu essa carga?
R$ 1 milhão.
Ele apareceu com saco lá em casa e se trancou no quarto para contar.
Desse dinheiro saiu R$ 100 mil para o secretário.
O Augusto falou que deu R$ 100 mil.
Ele estava conversando no telefone.
O Augusto foi levar no apartamento do Celso (suposto amigo de Malheiros), porque o Lauro não pega dinheiro.
O Lauro manda entregar no apartamento do Celso ou o Celso vai buscar.
Como é que a senhora quer quer eu acredite nessa história?
É só fazer um levantamento no Deic.
Todo mundo no Deic sabe dessa história.