As voltas da história
José Carlos de Assis: O CRIADOR DA EXPRESSÃO CORRUPÇÃO INSTITUCIONALIZADA(do blog)
Em 1984 eu era o que se costuma chamar de escritor bem-sucedido. No ano anterior lançara dois livros, A Chave do Tesouro, que vendeu quinze edições, e Os Mandarins da República, que vendeu dez, ambos muito bem acolhidos pela mídia. Eram o resultado de um profundo esforço de jornalismo investigativo, que inaugurei em 82 na Folha de S.Paulo, com o caso Delfin.
Por certo que isso não me trouxe maiores resultados financeiros, porque no contrato informal que tinha com meu editor, Fernando Gasparian, da Paz e Terra, os acertos eram feitos de três em três meses, tempo suficiente para que a inflação corroesse quase por completo os direitos autorais. Entretanto, não estava atrás de dinheiro, mas de efeitos políticos. Acreditava que meus livros estavam ajudando o país a vencer a corrupção institucionalizada e o autoritarismo, o que era uma gratificação em si. Com esse espírito escrevi um terceiro livro, A Dupla Face da Corrupção, onde resumi de forma a mais simples possível, visando a um grande público, a discussão institucional feita nos prólogos dos livros anteriores, e acrescentando novos casos, inclusive o Coroa-Brastel, além de um posfácio com o título “O valor potencial da imprensa”. Aí é que se intentou decretar a sentença de morte de minha carreira literária.
Gasparian estava entusiasmado, e mandou imprimir, de um tapa, 45 mil exemplares para venda também em banca. Se isso tivesse dado certo, eu teria sido um precursor de Paulo Coelho, em matéria de sucesso de vendas. Mas não deu. O motivo foi uma nota curta na revista Veja, dizendo, de forma sibilina e sumária, que havia saído um novo livro de J. Carlos de Assis, mas que ele não tinha nada de novo. Ninguém mais na grande imprensa sequer fez resenha do livro. Os executivos da Paz e Terra leram a nota e entraram em pânico. Gasparian queria fazer propaganda do livro na televisão, para venda em banca. Não fizeram, por medida de economia. Preferiram deixar encalhar algo como uns 40 mil livros rodados!
A novidade que Veja ou qualquer outro órgão da grande imprensa não reconheceu no livro foi o relato do seu próprio papel na cobertura dos escândalos financeiros mais escabrosos que haviam ocorrido no Brasil, até então, e que eu havia levantado na Folha de S.Paulo. Pois, no posfácio intitulado “O valor potencial da imprensa”, fica sugerido, em cima de evidências inescapáveis, que o próprio caso Baumgarten, de grande repercussão na época, surgiu em Veja com suspeita coincidência para abafar o caso Delfin, igualmente escabroso. O dono da Delfin era também dono do apartamento onde morava Alexandre von Baumgarten. O caso Baumgarten foi produto de um dossiê entregue a Veja. Elementar, meu caro Watson!É com grande prazer que autorizei o íntegro Observatório da Imprensa a pôr em circulação na internet o posfácio que se segue. Chegou a hora de o máximo de pessoas possível saber dessas histórias. A contrapartida é um comercial: estou com dois livros virtualmente no prelo. Um, A Chave do Poder, é o mais ambicioso trabalho em Ciências Sociais e Políticas que já fiz. Pretende não menos que uma mudança radical de paradigmas nessas Ciências. Deve sair em janeiro, pela editora Texto Novo, de São Paulo. O outro é Notícias da Planície, já escrito e só agora a ser lançado, também pela Texto Novo, e que é uma refutação cabal do livro de Mario Sergio Conti, Notícias do Planalto. Onde Conti nada de costas, observando as cumeeiras das intrigas políticas, eu mergulho de cabeça, procurando as raízes mais profundas dos fatos sociais e políticos relacionados com a vitória eleitoral, a estréia presidencial, o fracasso de governo e o impeachment de Collor, indo ainda um pouco além, até o Plano Real. O prefácio de Notícias da Planície, que escrevi originalmente com o título “O Plano Ômega”, está na minha coluna no Monitor Mercantil.
José Carlos de Assis: O CRIADOR DA EXPRESSÃO CORRUPÇÃO INSTITUCIONALIZADA(do blog)
Em 1984 eu era o que se costuma chamar de escritor bem-sucedido. No ano anterior lançara dois livros, A Chave do Tesouro, que vendeu quinze edições, e Os Mandarins da República, que vendeu dez, ambos muito bem acolhidos pela mídia. Eram o resultado de um profundo esforço de jornalismo investigativo, que inaugurei em 82 na Folha de S.Paulo, com o caso Delfin.
Por certo que isso não me trouxe maiores resultados financeiros, porque no contrato informal que tinha com meu editor, Fernando Gasparian, da Paz e Terra, os acertos eram feitos de três em três meses, tempo suficiente para que a inflação corroesse quase por completo os direitos autorais. Entretanto, não estava atrás de dinheiro, mas de efeitos políticos. Acreditava que meus livros estavam ajudando o país a vencer a corrupção institucionalizada e o autoritarismo, o que era uma gratificação em si. Com esse espírito escrevi um terceiro livro, A Dupla Face da Corrupção, onde resumi de forma a mais simples possível, visando a um grande público, a discussão institucional feita nos prólogos dos livros anteriores, e acrescentando novos casos, inclusive o Coroa-Brastel, além de um posfácio com o título “O valor potencial da imprensa”. Aí é que se intentou decretar a sentença de morte de minha carreira literária.
Gasparian estava entusiasmado, e mandou imprimir, de um tapa, 45 mil exemplares para venda também em banca. Se isso tivesse dado certo, eu teria sido um precursor de Paulo Coelho, em matéria de sucesso de vendas. Mas não deu. O motivo foi uma nota curta na revista Veja, dizendo, de forma sibilina e sumária, que havia saído um novo livro de J. Carlos de Assis, mas que ele não tinha nada de novo. Ninguém mais na grande imprensa sequer fez resenha do livro. Os executivos da Paz e Terra leram a nota e entraram em pânico. Gasparian queria fazer propaganda do livro na televisão, para venda em banca. Não fizeram, por medida de economia. Preferiram deixar encalhar algo como uns 40 mil livros rodados!
A novidade que Veja ou qualquer outro órgão da grande imprensa não reconheceu no livro foi o relato do seu próprio papel na cobertura dos escândalos financeiros mais escabrosos que haviam ocorrido no Brasil, até então, e que eu havia levantado na Folha de S.Paulo. Pois, no posfácio intitulado “O valor potencial da imprensa”, fica sugerido, em cima de evidências inescapáveis, que o próprio caso Baumgarten, de grande repercussão na época, surgiu em Veja com suspeita coincidência para abafar o caso Delfin, igualmente escabroso. O dono da Delfin era também dono do apartamento onde morava Alexandre von Baumgarten. O caso Baumgarten foi produto de um dossiê entregue a Veja. Elementar, meu caro Watson!É com grande prazer que autorizei o íntegro Observatório da Imprensa a pôr em circulação na internet o posfácio que se segue. Chegou a hora de o máximo de pessoas possível saber dessas histórias. A contrapartida é um comercial: estou com dois livros virtualmente no prelo. Um, A Chave do Poder, é o mais ambicioso trabalho em Ciências Sociais e Políticas que já fiz. Pretende não menos que uma mudança radical de paradigmas nessas Ciências. Deve sair em janeiro, pela editora Texto Novo, de São Paulo. O outro é Notícias da Planície, já escrito e só agora a ser lançado, também pela Texto Novo, e que é uma refutação cabal do livro de Mario Sergio Conti, Notícias do Planalto. Onde Conti nada de costas, observando as cumeeiras das intrigas políticas, eu mergulho de cabeça, procurando as raízes mais profundas dos fatos sociais e políticos relacionados com a vitória eleitoral, a estréia presidencial, o fracasso de governo e o impeachment de Collor, indo ainda um pouco além, até o Plano Real. O prefácio de Notícias da Planície, que escrevi originalmente com o título “O Plano Ômega”, está na minha coluna no Monitor Mercantil.
A dupla face da corrupção
J.C.A. [Rio, maio de 1984]
O Posfácio é uma provocação ao debate sobre o papel da Imprensa numa sociedade que se mobiliza na luta pela regeneração de suas instituições políticas e econômicas. Pesquisa recente feita pela revista Veja mostrou o baixo nível de credibilidade de que gozam, no Brasil, os meios de comunicação. Num nível de credibilidade ainda mais baixo apareceu o Congresso – e isso antes da frustração nacional pela rejeição, por uma minoria do PDS, da Emenda Dante de Oliveira pelas diretas-já. Esses dados de pesquisa são inquietadores porque denunciam a eficácia do regime autoritário, talvez por força da inércia, na desmoralização exatamente das duas instituições que melhor estão aparelhadas para lhe promover o enterro definitivo, seja no plano da denúncia, seja no processo legislativo.
No caso do Congresso, tenta-se confundir a instituição, que é o próprio alicerce da democracia, com a função homologatória humilhante que o regime autoritário lhe impôs mediante a amputação de prerrogativas, expedientes eleitorais casuísticos destinados a desenhar previamente uma “maioria” parlamentar ou cassações de mandatos. Tenta-se também confundir a instituição, como um todo, com um ou outro trânsfuga que dela faça parte. Esquece-se de que o Congresso, quando eleito democraticamente em pleito livre, é a representação legítima da Nação – nem melhor nem pior que ela, mas corresponde a ela. Desmoralizar o Congresso significa a exaltação do caudilhismo – no caso brasileiro, do caudilhismo militar, aberto ou mascarado pelo princípio do “direito” militar de intervenção nas crises, que à luz da experiência recente só se justifica por ignorância ou por má fé.
Quanto à Imprensa, também longamente deformada pela censura explícita ou implícita do autoritarismo, o risco é novamente confundir o desempenho eventual com o valor intrínseco da liberdade de informação numa sociedade democrática. Uma pesquisa anterior à da Veja, feita nos Estados Unidos pela revista Time, mostrou que também entre a população norte-americana é baixo o nível de credibilidade dos órgãos de comunicação de massa. Lá, contudo, a opinião pública não experimentou, recentemente, como nós, os efeitos perversos do bloqueio completo do livre fluxo de informações no processo social e político. É possível que a falta de credibilidade decorra do “excesso de informações, com exploração indevida de privacidade e em detrimento desse direito individual; entre nós, contudo, a falta de credibilidade é por certo consequência de uma situação exatamente inversa. Prevaleceu aqui, por longo tempo, a omissão forçada ou tolerada, em lugar do excesso, com a proteção à privacidade constituindo mero pretexto para assegurar a impunidade aos agentes da fraude e da corrupção.Com a narrativa do comportamento da Imprensa escrita na cobertura do “escândalos” recentes, procurei trazer para a discussão conceitual uma experiência concreta, que talvez contribua para a compreensão, no plano mais geral, da importância da liberdade de informação no processo político de regeneração das instituições nacionais, a despeito de limitações e condicionamentos reais. O fato de conhecer e conviver com estes últimos, não diminui a fé do autor nas virtudes de um sistema que garanta, como requisito fundamental da plena cidadania, o direito do acesso à informação livre. Espero eu assim também proceda o leitor. [Rio, maio de 1984, J.C.A.]
J.C.A. [Rio, maio de 1984]
O Posfácio é uma provocação ao debate sobre o papel da Imprensa numa sociedade que se mobiliza na luta pela regeneração de suas instituições políticas e econômicas. Pesquisa recente feita pela revista Veja mostrou o baixo nível de credibilidade de que gozam, no Brasil, os meios de comunicação. Num nível de credibilidade ainda mais baixo apareceu o Congresso – e isso antes da frustração nacional pela rejeição, por uma minoria do PDS, da Emenda Dante de Oliveira pelas diretas-já. Esses dados de pesquisa são inquietadores porque denunciam a eficácia do regime autoritário, talvez por força da inércia, na desmoralização exatamente das duas instituições que melhor estão aparelhadas para lhe promover o enterro definitivo, seja no plano da denúncia, seja no processo legislativo.
No caso do Congresso, tenta-se confundir a instituição, que é o próprio alicerce da democracia, com a função homologatória humilhante que o regime autoritário lhe impôs mediante a amputação de prerrogativas, expedientes eleitorais casuísticos destinados a desenhar previamente uma “maioria” parlamentar ou cassações de mandatos. Tenta-se também confundir a instituição, como um todo, com um ou outro trânsfuga que dela faça parte. Esquece-se de que o Congresso, quando eleito democraticamente em pleito livre, é a representação legítima da Nação – nem melhor nem pior que ela, mas corresponde a ela. Desmoralizar o Congresso significa a exaltação do caudilhismo – no caso brasileiro, do caudilhismo militar, aberto ou mascarado pelo princípio do “direito” militar de intervenção nas crises, que à luz da experiência recente só se justifica por ignorância ou por má fé.
Quanto à Imprensa, também longamente deformada pela censura explícita ou implícita do autoritarismo, o risco é novamente confundir o desempenho eventual com o valor intrínseco da liberdade de informação numa sociedade democrática. Uma pesquisa anterior à da Veja, feita nos Estados Unidos pela revista Time, mostrou que também entre a população norte-americana é baixo o nível de credibilidade dos órgãos de comunicação de massa. Lá, contudo, a opinião pública não experimentou, recentemente, como nós, os efeitos perversos do bloqueio completo do livre fluxo de informações no processo social e político. É possível que a falta de credibilidade decorra do “excesso de informações, com exploração indevida de privacidade e em detrimento desse direito individual; entre nós, contudo, a falta de credibilidade é por certo consequência de uma situação exatamente inversa. Prevaleceu aqui, por longo tempo, a omissão forçada ou tolerada, em lugar do excesso, com a proteção à privacidade constituindo mero pretexto para assegurar a impunidade aos agentes da fraude e da corrupção.Com a narrativa do comportamento da Imprensa escrita na cobertura do “escândalos” recentes, procurei trazer para a discussão conceitual uma experiência concreta, que talvez contribua para a compreensão, no plano mais geral, da importância da liberdade de informação no processo político de regeneração das instituições nacionais, a despeito de limitações e condicionamentos reais. O fato de conhecer e conviver com estes últimos, não diminui a fé do autor nas virtudes de um sistema que garanta, como requisito fundamental da plena cidadania, o direito do acesso à informação livre. Espero eu assim também proceda o leitor. [Rio, maio de 1984, J.C.A.]
—————————————————
Para aqueles que querem conhecer o mecanismo da mordaça imposta aos “funcionários públicos em geral”, impedindo o fluxo de informações necessário ao controle externo (pela Sociedade) da Administração Pública, a obra a DUPLA FACE DA CORRUPÇÃO, do jornalista José Carlos de Assis, é instrumento indispensável.
Acredito tenha ele inaugurado o jornalismo investigativo no Brasil; caso não seja o pai, no mínimo, o elevou a níveis nunca antes vistos na imprensa nacional.
A obra revela a CORRUPÇÃO INSTITUCIONALIZADA – a expressão se não foi cunhada pelo próprio José Carlos de Assis, acabou incorporada ao jargão jurídico e jornalístico – pelos Oficiais-Generais e os seus acólitos. Revela a promiscuidade nos altos escalões de Brasília, misturando-se agentes políticos, seus familiares, funcionários públicos, empresários e jornalistas.
A leitura da obra – nestes tempos em que muitos suspiram saudades da ditadura militar – colocará por terra afirmações no sentido de que o governo militar foi HONESTO.
Nunca foi!
Acredito tenha ele inaugurado o jornalismo investigativo no Brasil; caso não seja o pai, no mínimo, o elevou a níveis nunca antes vistos na imprensa nacional.
A obra revela a CORRUPÇÃO INSTITUCIONALIZADA – a expressão se não foi cunhada pelo próprio José Carlos de Assis, acabou incorporada ao jargão jurídico e jornalístico – pelos Oficiais-Generais e os seus acólitos. Revela a promiscuidade nos altos escalões de Brasília, misturando-se agentes políticos, seus familiares, funcionários públicos, empresários e jornalistas.
A leitura da obra – nestes tempos em que muitos suspiram saudades da ditadura militar – colocará por terra afirmações no sentido de que o governo militar foi HONESTO.
Nunca foi!
O mais próximo de honesto naqueles governos foi HERNESTO( o Geisel); aqui lembrando a velha piada.
