ENTENDAM OS PORQUÊS DAS INDENIZAÇÕES AOS PERSEGUIDOS PELA DITADURA MILITAR…A PRAGA DO FINAL DA PRIMAVERA DE 1968 1

Ato Institucional N-5, o mais violento dos Atos Institucionais.

Institucionalizou a tortura, os assassinatos e a corrupção na Administração Policial; estabelecendo um Poder de Assalto.

Durante o governo de Arthur da Costa e Silva – 15 de março de 1967 à 31 de agosto de 1969 – o país conheceu o mais cruel de seus Atos Institucionais.

O Ato Institucional Nº 5, ou simplesmente AI 5, que entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968, era o mais abrangente e autoritário de todos os outros atos institucionais, e na prática revogou os dispositivos constitucionais de 67, além de reforçar os poderes discricionários do regime militar.

O Ato vigorou até 31 de dezembro de 1978.
Veja, na íntegra, o AI-5:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL , ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e
CONSIDERANDO que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, “os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria” (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964);
CONSIDERANDO que o Governo da República, responsável pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, não só não pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional nº 2, afirmou, categoricamente, que “não se disse que a Resolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido;
CONSIDERANDO que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo Presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar “a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução”, deveria “assegurar a continuidade da obra revolucionária” (Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966);
CONSIDERANDO, no entanto, que atos nitidamente subversivos, oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais, comprovam que os instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar de seu povo, estão servindo de meios para combatê-la e destruí-la;
(paradoxalmente: o suposto Estado de Direito sendo combatido e destruído pelos direitos e garantias constitucionais)
CONSIDERANDO que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária; ( A RETÓRICA POLICIAL AINDA VIGENTE: ideais superiores da Administração )
CONSIDERANDO que todos esses fatos perturbadores, da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo, a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição,
Resolve editar o seguinte
ATO INSTITUCIONAL
Art 1º – São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional.
Art 2º – O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
§ 1º – Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.
§ 2º – Durante o período de recesso, os Senadores, os Deputados federais, estaduais e os Vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios.
§ 3º – Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios que não possuam Tribunal de Contas, será exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.
Art 3º – O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição.
Parágrafo único – Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.
Art 4º – No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações(AMPLA DEFESA, por exemplo), previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais. (obs.: no interesse de autopreservar-se)
Parágrafo único – Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados, não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.
Art 5º – A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:
I – cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II – suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III – proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
IV – aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado,
§ 1º – o ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados.
§ 2º – As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa(proibida) a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário. (AS ILEGALIDADES NÃO PODERIAM SER APRECIADAS E ANULADAS PELO PODER JUDICIÁRIO – O CIDADÃO FICOU SEM DEFESA)
Art 6º – Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, mamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo. ( Juizes, Promotores, Delegados, Militares – qualquer funcionário público – poderia ser demitido sem motivo )
§ 1º – O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
§ 2º – O disposto neste artigo e seu § 1º aplica-se, também, nos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
Art 7º – O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.
Art 8º – O Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis. ( contra a corrupção nada se fez)
Parágrafo único – Provada a legitimidade da aquisição dos bens, far-se-á sua restituição. ( inversão do ônus da prova )
Art 9º – O Presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas d e e do § 2º do art. 152 da Constituição.
Art 10 – Fica suspensa a garantia de habeas corpus , nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. ( ou seja qualquer pessoa poderia ser presa ilegalmente , ter a casa invadida e, depois, ser torturada. NESTES CASOS DEVERIAM RECLAMAR AO BISPO OU PARA O PAPA…MUITOS FORAM DESPACHAR DIRETAMENTE COM JESUS)
Art 11 – Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos. ( O PODER JUDICIÁRIO FOI MANTIDO APENAS PARA INGLÊS VER)
Art 12 – O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 13 de dezembro de 1968;

147º da Independência e 80º da República.
A. COSTA E SILVA
Luís Antônio da Gama e Silva
Augusto Hamann Rademaker Grünewald
Aurélio de Lyra Tavares
José de Magalhães Pinto
Antônio Delfim Netto
Mário David Andreazza
Ivo Arzua Pereira Tarso Dutra
Jarbas G। Passarinho
Márcio de Souza e Mello
Leonel Miranda
José Costa Cavalcanti
Edmundo de Macedo
Hélio Beltrão Afonso
A. Lima Carlos F. de Simas
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A Ditadura Militar – ou como autodenominaram-se: PODER REVOLUCIONÁRIO – a pretexto de combater o terrorismo, acabou dando certa legitimidade(moral) às ações armadas de grupos políticos contrários ao regime arbitrário instalado pela força em 1964.
Não pretenderam apagar os “focos” de incêndio; pelo contrário:DELIBERADAMENTE JOGARAM GASOLINA FOGUEIRA.
E com isso detiveram o poder por mais dezessete anos, ou seja, até 1985.
Os seus efeitos devastadores repercutem até o presente, pois por decreto se instala a imoralidade.
Mas por decreto não pode ser restabelecida, pois incorporou-se culturalmente na Administração Pública.
O processo de cura demanda esforços de gerações.
GÊNESE DO DELEGADO DE POLÍCIA COVARDE(Adpesp -fev/2007)
Entre 1964 e 1984, a ditadura destruiu a economia, institucionalizou a corrupção e fez da tortura e da execução sumária, práticas políticas.
Envileceu os órgãos policiais e, principalmente, destruiu o perfil do Delegado de Polícia, até então, mais que um cargo policial: verdadeira Instituição.
Não encontrando o apoio das autoridades Paulistas – elite moral e intelectual, ainda que conservadora, as quais veementemente repudiaram a criminosa perseguição de cunho ideológico, enredada pelos militares e colaboradores – aniquilaram a hierarquia mediante a nomeação, pura e simples, de homens descompromissados com os princípios do direito e justiça. Homens motivados por interesses e ambições pessoais inconfessáveis; de fácil manobra e totalmente subserviente ao grupo de poder.
A quantidade dos cargos foi multiplicada; tornando a carreira heterogênea, caldeando-se humanistas com bestas, letrados com ignaros, vez que, após o golpe, pulularam as faculdades virtuais(cursos final de semana).
O Delegado de Polícia de São Paulo, de elevado padrão moral e profissional, após o golpe militar foi transformado num pigmeu.
Aos tronos da carreira foram guindados aquilo que de pior existia noutros quadros(guarda civil, polícia marítima, investigadores corruptos e truculentos).
A “elite” policial, os mais comprometidos com a perseguição ideológica, ocupou os quadros e instalações do DEOPS, órgão que – além do prestígio político – pelas atribuições administrativas acometidas: polícia de estrangeiros, emissão de passaportes, fiscalização de navios, etc., passou a captar vantagens ilícitas.
Paradoxalmente, até o golpe militar, o DEOPS era o órgão defensor da economia popular; detestado, principalmente, pelo empresariado desonesto, pelos monopólios agropecuários e pelos especuladores imobiliários(locadores de imóveis).
Neste ponto da história policial o Delegado se prostrou estereotipado: “bêbados truculentos” ou “filhotes da ditadura, bem nascidos, mas intelectualmente despreparados”.
O Delegado de Polícia Judiciária foi banido, dando lugar ao Delegado do governo: personificado como o operacional, o polícia de rua, bom de tiro e de “porrada”.
Destes como ícone maior um mero “guarda civil truculento”(Fleury), para o qual os militares deram título e poderes de autoridade policial.
Desqualificados e desequilibrados, ávidos por poder e riqueza, destruíram vidas e mancharam a tradição legalista dos Delegados de carreira.
A seleção para provimento dos cargos invertida: primeiramente nomeava-se na condição de Delegado de Polícia substituto; depois de dois anos, aqueles que quisessem submetiam-se às provas para efetivação na Carreira.
Muitos, exercendo a função por “status” ou segundo emprego, nunca se submeteram às provas; aposentando-se, ao final, na 4ª classe, com todas as vantagens asseguradas.
A formação intelectual, de 1966 a 1982, praticamente foi suprimida… um entrave, vez que o bom Delegado não podia pensar.
Dos selecionados se exigia a interpretação estrita da legislação penal – rejeitando-se interpretações doutrinárias, jurisprudenciais e, especialmente, a pessoal consciência jurídica do candidato, requisitos para doutos – vedados para policiais submetidos ao comando militar. Aqueles que não contribuíram para a configuração da ideologia que o golpe aplicou, ministrando a tortura e ignorando totalmente os direitos humanos, foram perseguidos e funcionalmente postos de lado.
Muitos heróis, espontaneamente, sepultaram suas carreiras, mantendo-se firmes quanto ao ideal de reprimir crimes, nunca pessoas e ideias.
A maioria, entretanto, mesmo sem colocar a mão na sujeira, foi omissa: “meros subscritores de ordens de recolha”(prisões para averiguações, tolerada mediante distorcida interpretação da constituição) e dos autos e documentos produzidos pelos cartórios e pela “tiragem”.
Os “contínuos e tiras engravatados” passaram a dirigentes da nova Polícia Civil; e transformando-se o Delegado de Polícia autêntico em figurante “para inglês ver”, o órgão acabou estruturalmente corrompido.
Posto isto, ainda que sinteticamente, os Delegados de Polícia mais jovens – na instituição e na carreira de 1988 até a presente data, ainda que movidos por uma revolta contra a desvalorização funcional, realimentada por políticas governamentais – permanecem alheios ou indiferentes às causas determinantes do desprestígio do cargo, muito maior neste do que em outros Estados.
No estado de São Paulo, parcela dos Delegados de Polícia, especialmente a maioria dos ocupantes das classes finais e funções de comando, ingressou durante ou ao final da ditadura militar – antes de l985 – conservando-se naquele cercadinho intelectual; cujo imperativo é a autopreservação. Ainda há ranço do militarismo na Carreira e, muito, poderoso.
Provavelmente estes remanescentes, muitos apenas por inconsciente cultura conservadora, sejam o maior obstáculo para que os mais novos reconquistem o perfil e reconhecimento legal como operadores do direito .
As esperanças da grande maioria das autoridades estão voltadas para o Governador José Serra , político de formação humanista.

A PRIMEIRA TORTURA…A LINHA DA MORALIDADE QUEBRADA

Iniciava a primavera; o calor na região do Pontal já prenunciava quão insuportável o verão naquelas bandas.
Eu e minha equipe aguardávamos em meio aos restos daquilo que outrora seria um capão, a passagem de um tratorista “dedurado” como autor de latrocínios.
Do “Goiano” – conforme era chamado – suspeitava-se a prática de dezenas de roubos nas propriedades da região.
O tesouro buscado pela quadrilha eram tratores e máquinas agrícolas supervalorizados durante o Plano Cruzado; no Governo José Sarney.
O PMDB enredava o maior golpe eleitoral da história.
Quase meio-dia avistei a Brasília azul, descrita pelo informante.
O motorista obediente ao sinal parou o veículo à margem da vicinal.
Solícito e tranqüilo desceu do carro sorrindo um boa-tarde.
O homem tinha cerca de 30 anos, cerca de 1m75.
Talvez uns 85 kg de músculos.
Incrédulo recebeu voz de prisão sem esboçar reação.
O cabo Pereira que nos acompanhava, um homem de 40 anos, alto e bastante forte, com a percepção de quem por anos trabalhou na Rota; de onde – por desgraça – foi parar nas muralhas do Carandiru, logo foi lhe algemando.
Goiano soltou o peculiar “precisa disso pra quê”?
Como resposta: “você é matador”.
Tu cheiras sangue!
Os olhos do Goiano – depois soubemos peão de rodeio – saltaram injetados como se com olhar pudesse fuzilar o Pereira.
O Investigador Castilho fez o remate; soltou o braço atingindo-lhe na cara e ouvido.
Tu é cigano…
Tu é cigano e feiticeiro, tu vai cagar de volta o teu olho-gordo filho da puta!
As minhas pernas balançaram, fiquei gelado e me deu “nó nas tripas”.
Gaguejei um parem com isso; vamos para a Delegacia.
O Castilho – sem querer afrontar – respondeu-me: “não doutor Roberti , a coisa aqui a gente clareia é no pasto”.
A quadrilha dele roubou mais de 30 tratores, matou uma família de caseiros, um capataz e um fazendeiro irmão do deputado da região.
Ou a gente esclarece, ou o governo perde a eleição nestas terras.
E o Seccional quer ser diretor do DERIN; ele chegará a Delegado Geral afirmou o investigador como quem vê o futuro.
-Fique sossegado, qualquer bronca eu seguro!
Ao ouvir tal resposta entendi os motivos de ele ter abastecido a viatura com vários litros de água, um saco de laranja, muito pão e mortadela.
Ele sabia que a empreitada seria duradoura.
O Goiano foi levantado da terra vermelha e jogado no “chiqueirinho” da Parati, novinha em folha.
Porra me tira daqui!
A lataria tá me queimando!
Nem eu, nem ele sabíamos que muito pior viria.
Perplexo fiquei imaginando a reação do Professor Franco Montoro.
Lembrei-me das Arcadas…
O que diria acaso soubesse que a Polícia – que pretendia reformar, democratizar – torturava para dar sustentação aos seus correligionários.
Eu queria fugir; lembrava do meu pai que sentia nojo por torturadores.
Mas não queria passar por covarde.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo, experimentava certo prazer.
Meio perdido em pensamentos ouvi Castilho gritar: está queimando seu corno, então vai ficar pelado pra aliviar o calor.
E rapidamente o Investigador e o Cabo arrancaram as roupas do suspeito.
Sim, até então, um mero suspeito.
Poderia ser inocente, uma vítima de falsa acusação.
Entretanto era tratado como culpado.
Eu nem sequer dava conta de que, inconscientemente, estava justificando a tortura ao “pensar pode ser inocente”, ou seja, se fosse inocente estaríamos errados.
Mas se fosse culpado estaria tudo certo.
Rompi a linha da moralidade.
Todavia, na época, a tortura , por si, não era punível.
E a sociedade, ou seja, a elite pensante pouco se incomodava com a tortura de criminosos comuns.
Em seguida a viatura foi levada para o meio da pastagem; lá deixada sob o sol escaldante até o entardecer.
O Goiano, depois da primeira hora, gritava por água.
Só tem água depois que abrir quem são os parceiros; em que lugar está as armas e para quem venderam os tratores.
Ele silenciava por algum tempo, balbuciando “não sei de nada”.
Mas resistiu ao calor e à desidratação.
Ao escurecer foi arrancado do chiqueirinho.
Amarrado e algemado num mourão foi espancado com o cinturão do PM, e com um pedaço de arame farpado dobrado ao meio.
Em menos de duas horas – esvaindo-se em sangue – pediu clemência.
Um a um foi confessando os roubos, os parceiros e indicando os receptadores.
Ao final do interrogatório fui tomado por estranha satisfação.
O trabalho estava bem encaminhado; seria bem sucedido disse Castilho.
Em seguida retirou da viatura uma garrafa de pinga.
Bebi um pouco; os dois rapidamente a secaram pelo gargalo.
Pareciam crianças bebendo refrigerante.
Não vislumbrava que, dada a primeira tortura, o passo seguinte seria o primeiro acerto.
No final do ano , arrogantemente, visitaria meus familiares exibindo um Scort XR3, modelo 1987.
Em três meses comprei um veículo 0K; meu velho demorou trinta anos.
Depois desse natal só o veria , dez anos depois, em vestes de luto.
Morreu sem jamais querer me ver.
As alegrias dos seus últimos anos foram os netos; meus sobrinhos.
Para o meu pai eu morri naquele dezembro de 1986.