
SERÁ QUE TEVE GENTE POR AQUI QUE SE IDENTIFICOU COM A MATÉRIA ?
Domingo, 4 de Maio de 2008, 07:43
Depoimento
Da Redação ( A TRIBUNA DE SANTOS)
Notícia do Jornal da Tarde, em, 28 de outubro de 1975: segundo o Departamento de Juventude do MDB de São Paulo, 90 pessoas haviam sido presas por motivos políticos, na véspera, dia 27. Entre eles David Capistrano da Costa Filho (de Campinas); Sandra Mara Nogueira Miller, advogada, de Santos; Moacir de Oliveira, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos; Florivaldo de Oliveira Cajé, membro do Diretório do MDB de Cubatão; e José Ferreira da Silva, de Santos.
Baiano de Jacobina, ex-presidente da Câmara de Cubatão (entre 1976 e 1990), ex-trabalhador na Refinaria Presidente Bernardes e na Cosipa (onde lutou pelo turno de seis horas), Cajé era um jovem advogado quando foi detido pela polícia dentro do Fórum, minutos antes de uma audiência no prédio da Rua Rio de Janeiro, em Cubatão, onde hoje funciona uma escola.
‘‘Me levaram de camburão. Só tive tempo de pedir que avisassem o juiz, a OAB e a família.
Dali, pegaram o Moacir Oliveira, na porta do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos, e nos levaram para o Doi-Codi, nas Rua Tutóia, em São Paulo.
Eu era bem mais magro, mas acharam que tinha corpo bom para apanhar. E sem explicação nenhuma, já comecei apanhando ali mesmo, porque era um ‘‘comunista safado’’.
Eles nos obrigaram a vestir macacões apertados, sem cintos e sem cadarços nos sapatos.
Apanhei tanto quanto meus companheiros.
O que mais nos doía era a dor moral, fazer as necessidades num buraco, como animais, no meio de todos.
Passamos por choques elétricos, na Cadeira do Dragão, amarrados pelos braços, pés e troncos, usada para arrancar confissões durante a ditadura militar.
Ficávamos encapuzados, com uma espécie de máscara de borracha que fazia doer a cabeça, para não poder identificar os algozes.
Um dia, colocaram um companheiro do meu lado que passava por torturas na cadeira.
Tínhamos que olhar para o chão.
Mesmo com o capuz, consegui ver que ele calçava uma espécie de botina marrom.
De repente, parou de gritar, provavelmente desmaiado ou morto.
E foi levado dali. Até hoje, acho que era o Vladimir (Herzog), porque no dia seguinte, todo o tratamento mudou.
Fomos levados do Doi-Codi para o Dops, onde hoje está essa exposição.
Fiquei na cela 4 ou 11, não me recordo. Mas ali encontrei os jornalistas Rodolfo Konder, Paulo Markum e Duque Estrada, colegas de Vladimir. Soube depois que a transferência se devera à morte de Herzog.
Foi como se tivéssemos mudado do inferno para o paraíso.
O carcereiro era o Dulcídio Vanderlei Bosquila, que seria árbitro de futebol.
Nos deu leite, café, pão.
Ninguém nos torturou mais.
No 18º dia me chamaram e disseram: ‘‘Tá livre. Saí sem olhar para trás’’.
Na rua, desatei a correr na direção da Estação da Luz.
Então, fui parando.
Calma, pensei.
Comecei a andar.
Percebi que tinha que seguir em sentido contrário, para a Rodoviária.
Não tive coragem de passar de novo na frente do Dops.
Peguei um táxi, parei num telefone, avisei amigos e a família.
E contratei o chofer para me trazer para Cubatão.
Nada como sentir a liberdade.
Florivaldo de Oliveira Cajé
( ENVIADA DE SANTOS POR COLABORADOR)