Salário provoca êxodo de Delegados de Polícia

MATÉRIA DE CAPA DO JORNAL CORREIO POPULAR DE CAMPINAS/SP – 08/10/2007.

Publicada em 8/10/2007
Cidades

Salário provoca êxodo de delegados
Baixa remuneração em SP leva à migração para outras carreiras ou estados; déficit na região é de pelo menos 50 policiais

Carla Silva

DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
Os baixos salários, a falta de estrutura e a sobrecarga de trabalho têm provocado um efeito devastador no funcionamento da Polícia Civil de São Paulo. Ganhando pouco e trabalhando muito – na maioria das vezes em condições precárias -, o Estado está assistindo ao êxodo de delegados para outras carreiras ou para outros estados, onde a remuneração é maior. De acordo com estimativas do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, o Estado tem hoje uma defasagem de pelo menos 600 profissionais. No Departamento de Polícia Judiciária do Interior (Deinter-2), que abrange 38 cidades da região de Campinas, faltam pelo menos 50, segundo estimativas do sindicato da categoria. Este ano, oito deles, a maior parte da Capital, pediram demissão para procurar oportunidades em outras carreiras jurídicas ou simplesmente para se candidatar à mesma vaga em outro Estado brasileiro. O fenômeno também atingiu quem ainda nem começou a trabalhar. Este ano, a Academia da Polícia Civil formaria 220 novos delegados, se 20 deles não tivessem pedido dispensa pelos mesmos motivos.Numa tentativa de conter a sangria, o governador José Serra (PSDB) enviou para a Assembléia Legislativa na semana passada um pacote que chamou de “valorização dos policiais” . Aprovado, o conjunto de medidas prevê reajuste salarial para a categoria de até 22,67%. Assim, o salário bruto do delegado em início de carreira passa a ser de R$ 3.680,00. Pelo pacote, os delegados que acumulam a chefia de mais de uma unidade policial receberão gratificação proporcional aos dias trabalhados no acúmulo da função.Mas a medida está longe de ser uma solução. Mesmo com o reajuste, o salário do delegado paulista está entre os dois piores do País. Só ganha da Paraíba, que paga a seu delegado o salário R$ 3,6 mil por mês. A diferença é que o Orçamento de 2006 do Estado de São Paulo foi de R$ 81,2 bilhões e o da Paraíba atingiu R$ 3,9 bilhões. Comparado com colegas de outros estados brasileiros, a diferença é gritante. O delegado que trabalha no Distrito Federal, ganha R$ 12.448,00 – remuneração similar a da Polícia Federal. No Paraná, o salário é superior a R$ 9 mil.”Estamos falando de uma carreira que exige os mesmos requisitos de um juiz, promotor, procurador do Estado, mas não recebemos como tal. Além disso, temos colegas que são responsáveis por até três distritos simultaneamente” , criticou o presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, José Mateus Leal. Para ele, o salário de um delegado em São Paulo não poderia ser menor que R$ 9 mil. Ele lembrou que 1% de todos os homicídios praticados no mundo ocorrem na cidade de São Paulo, de acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado na semana passada.O acúmulo de função à qual o sindicalista se refere é uma das causas de outro problema: o afastamento dos policiais civis, neste caso incluindo-se os investigadores, escrivães e outras funções administrativas. “Dois mil deles estão fora, em licenças médicas” , afirmou o sindicalista.Em Vinhedo, por quase dois anos, apenas um delegado respondia pela delegacia do município, Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) e Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran). Durante esse período, colegas de trabalho dele passaram pela cidade, mas não permaneciam por muito tempo. Atualmente, um delegado de Campinas foi deslocado para auxiliar o colega de Vinhedo, que mesmo assim, ainda é responsável por duas delegacias – a do município e a Ciretran.Em Campinas, não é raro encontrar um delegado que, durante o dia, atue em seu distrito policial ou delegacia especializada e, à noite, responda por um plantão. “Você tem de estar à disposição 24 horas. Você somente descansa no dia seguinte dessa maratona. Isso se não acontecer nada na delegacia que é de sua responsabilidade. Senão, temos de voltar a trabalhar” , contou um delegado.DificuldadesO delegado de um distrito policial de Campinas que não quis se identificar por temer algum tipo de retaliação, assim como todos os outros ouvidos para esta reportagem, conta como é o sua rotina. “Não é raro quando tenho que me desdobrar em três para dar conta do recado. Se eu deixar o serviço acumular, estou perdido, porque, no final do mês, tenho de dar satisfações à minha chefia” , relatou. “Quando chego, tenho de despachar os boletins de ocorrência. Isso significa analisar cada um deles para saber se instauro inquérito, arquivo, convoco pessoas para prestar depoimento e por aí vai” , contou.Paralelamente a esse trabalho, é necessário atender as pessoas que procuram a delegacia. “Muitas vezes, as orientações não são criminais. Boa parte delas são referentes a problemas relacionados à defensoria pública ou defesa do consumidor” , disse o delegado. A isso, muitas vezes, é somado o fato de ele ainda ter de estar à frente de um flagrante policial ou inquéritos. No caso do 1 Distrito Policial, por exemplo, há 2.453 inquéritos instaurados, divididos entre quatro delegados. Cada um trabalha em média com 600 deles. Se forem contabilizados os boletins de ocorrências e termos, esse número aumenta para 750.Nas delegacias especializadas, a realidade é um pouco diferente. “Não fazemos atendimento ao público, pois o principal foco é a investigação. Hoje, chego para uma equipe de investigação e passo um caso para ser solucionado. Amanhã, é outro e, no final do mês, são dezenas. Não trabalhamos como a polícia federal, que muitas vezes fica meses em cima de um único crime” , relatou outro delegado, em tom crítico. “A criminalidade cresceu e nós não acompanhamos. Por isso, há casos que, quando não são investigados por falta de estrutura ou policiais, ficam mal feitos” , afirma.