
A recente execução de Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral de São Paulo, não choca apenas pela brutalidade, mas pela exposição surpreendente deliberada de alguém que conhecia como poucos o submundo do crime organizado brasileiro.
Com efeito , Fontes, jurado de morte ao menos desde 2019 , por ordem expressa da alta cúpula do PCC, tinha ciência concreta das ameaças: relatórios sigilosos, cartas interceptadas e informações de inteligência reiteravam que seu nome era alvo prioritário da facção; confirmando em depoimentos próprios que havia “uma ordem para matar autoridades, e meu nome estava entre elas”.
Ainda assim , depois de aposentado e afastado do aparato protetivo da linha de frente, instalou-se em funções públicas de relevante poder como secretário municipal da Prefeitura de Praia Grande .
Na região sensível da Baixada Santista : “território inimigo”, para quem carrega esse histórico de enfrentamento.
Conforme as suas palavras: “estou sozinho no meio deles” !
Que me desculpem quem afirmar o contrário , mas a Baixada Santista não é ninho ou reduto do PCC…
Mas Praia Grande virou território de policiais corruptos com carreira na Capital; a exemplo dos que foram capturados pela Polícia Federal.
Ora , mas já que assim considerava esta região e sabendo que “estava no meio deles” sua imprudência com a própria proteção causa perplexidade.
Não são raros os exemplos de policiais – mesmo menos vistos – que redobram estratégias de autoproteção, alteram trajetórias, limitam aparições públicas e cultivam o anonimato quase obsessivamente após aposentadoria.
O caso de Fontes, no entanto, revela uma mistura de autodeclarado amor pelo trabalho , um pessoal senso de dever institucional e autoconfiança inapropriada para quem esteve durante décadas na linha de combate.
Tal postura pode ter subestimado a existência de outros desafetos além do PCC , com capacidade logística e conhecimento institucional da segurança pública na Praia Grande.
Pelo que pode se perceber : muita vigilância eletrônica e quase nenhuma vigilância humana nas ruas.
Vale dizer: muito investimento em tecnologia e quase nenhum investimento em policiais.
Outros, porém, podem enxergar laços ainda mais profundos: a dificuldade de romper com a vida pública, com o prestígio e o sentimento de pertencimento ao ofício para o qual se foi moldado, quase sempre à custa do próprio anonimato e segurança.
Além de ser um homem tido como muito rico , dificilmente faltariam a alguém com o currículo de Fontes alternativas de trabalho e subsistência mais seguras: CEO em empresas de segurança, consultor jurídico, conferencista, docente ; funções em que tantos policiais brasileiros de escalonamento máximo optam quando da aposentadoria planejada , em muitos casos , com robusto aparato de proteção pessoal e familiar.
A escolha por permanecer em terreno hostil, exposta à mira de uma facção que já provou sua capacidade de planejamento e vingança – servidos a frio – é de causar espanto.
Questionamos : era amor pelo trabalho ou amor por uma cadeira ainda mais poderosa e rentável ?
Ora , se amava tanto trabalhar poderia permanecer no cargo de delegado até completar 75 anos ; como muitos dos delegados de classe especial fazem ; alguns ex-delegado gerais , inclusive!
A ação que o vitimou foi marcada por armamento pesado, carros queimados e estratégia de combate típico de operações paramilitares ; padrão que revela o grau de organização e a frieza dos executores.
Não foi morte inesperada: foi a execução de quem, à sua maneira, optou por desafiar ou desprezar o risco, mantendo funções e visibilidade típicas do “velho policial vocacionado do comigo não acontece”, cuja identidade, muitas vezes, se confunde trágica e inseparavelmente com o próprio ofício.
Este crime serve, assim, de alerta dramático para milhares em situações semelhantes : no Brasil, a linha entre o desejo de dever e o sentimento de onipotência , decorrente de natural bravura e inteligência , podem ser fatais quando o adversário é uma organização criminosa ; ainda mais se se confirmar a autoria como sendo do PCC.
O caso Fontes reitera – além do desapego – necessidade imperiosa de planejamento defensivo, anonimato e estratégias de proteção permanente para todos aqueles que, um dia, ousaram combater não um crime comum ; mas um poder que se arvora em Estado paralelo, dotado de memória, alcance e até prazer de vingança.
Enfim, se aposentar da polícia para ir viver no meio de bandidos não foi morte anunciada , foi estupidez confessada…Ou a “vis atractiva” era inenarrável e irrecusável?
Seja como for , não foi uma “buena ideia” merecedora de peninha!

