
A suspensão do processo como estratégia de impunidade: um golpe na advocacia criminal
É hora de enfrentar o desequilíbrio gerado por um garantismo disfuncional que serve mais aos criminosos do que ao Estado Democrático de Direito
Por Luiz Carlos do Carmo – Delegado de polícia e diretor do Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo (DEMACRO) – Polícia Civil do Estado de São Paulo.
O presente artigo propõe uma reflexão crítica sobre os efeitos colaterais do art. 366 do Código de Processo Penal, que autoriza a suspensão do processo e do prazo prescricional quando o réu, citado por edital, não comparece nem constitui advogado. Tal dispositivo, apesar de sua motivação garantista, tem sido utilizado como verdadeiro escudo contra a persecução penal, gerando incentivos à fuga, enfraquecendo o papel da defesa técnica e comprometendo a efetividade da justiça.
O texto analisa os princípios constitucionais que impõem a necessidade de uma legislação penal eficiente e eficaz, e propõe a atualização da norma com base em projeto legislativo em tramitação no Congresso Nacional, de autoria do Deputado Capitão Derrite e sob relatoria do Deputado Delegado Da Cunha, que busca permitir a citação do acusado durante a audiência de custódia, corrigindo distorções que favorecem a impunidade.
1. Introdução
A Constituição Federal de 1988 consagra, no art. 133, que “o advogado é indispensável à administração da justiça”. No entanto, a aplicação extensiva e acrítica do art. 366 do CPP tem promovido, paradoxalmente, um fenômeno de desjudicialização do processo penal pela simples ausência voluntária do acusado e a não constituição de defensor.
Trata-se de um dispositivo que, embora inspirado no respeito ao contraditório e à ampla defesa, vem sendo convertido em instrumento de blindagem de criminosos, prejudicando a efetividade do Direito Penal e desestimulando a atuação da advocacia criminal.
2. A redação e os efeitos do art. 366 do CPP
Conforme dispõe o caput:
“Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, carão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva.”
Embora aparentemente razoável, a prática revela um grave paradoxo: quanto mais o acusado evita o processo, menos ele será processado. A simples ausência, combinada à falta de advogado, resulta na paralisação indenida da persecução penal, criando um ambiente propício para a prescrição e a impunidade, mesmo em casos graves como estupro, tráco de drogas e crimes violentos.
3. O desestímulo à advocacia e a obsolescência da defesa técnica
A estrutura atual desestimula a contratação de advogados, pois incentiva o réu a permanecer foragido ou não se manifestar, confiando na suspensão do processo.
Nesse cenário, o advogado criminalista, peça essencial para o contraditório e a ampla defesa, vai sendo progressivamente marginalizado, ameaçando sua atuação em um momento em que a defesa técnica deveria ser mais valorizada.
A OAB, como guardiã da ordem jurídica e da advocacia, não pode se omitir diante deste desmonte silencioso da atuação do defensor.
4. A perpetuação da impunidade e a falência do sistema penal
O art. 366 tornou-se, na prática, um dispositivo de favorecimento da impunidade.
Embora a Súmula 415 do STJ preveja que o prazo prescricional siga a pena máxima em abstrato, a realidade é que o tempo perdido até a localização do réu e a dificuldade de reativação processual prejudicam gravemente a resposta estatal à criminalidade.
Sem mecanismos eficazes para citação e prosseguimento do feito, o sistema penal perde credibilidade e o Estado se enfraquece perante a sociedade.
5. Fundamentos constitucionais para a necessidade de mudança legislativa
A atualização da legislação processual penal não é apenas uma opção política: é uma exigência constitucional, baseada nos seguintes fundamentos:
- Princípio da Efetividade do Direito (art. 1º da CF/88): o Direito deve produzir efeitos reais e não ser mera formalidade inócua.
- Princípio da Eficiência (art. 37 da CF/88): o sistema de justiça deve ser eficaz na persecução dos crimes.
- Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade: a resposta penal deve ser adequada e equilibrada às exigências sociais. Função Social da Lei Penal: a norma penal deve proteger efetivamente os bens jurídicos essenciais.
- Princípio da Interpretação Evolutiva do Direito: as leis devem ser interpretadas e atualizadas conforme a evolução dos fatos sociais.
6. Proposta legislativa em curso: citação em audiência de custódia
Em resposta a essa grave distorção, tramita no Congresso Nacional projeto de lei de autoria do Deputado Federal Capitão Derrite, atualmente sob relatoria do Deputado Delegado Da Cunha, que propõe a introdução da citação pessoal do acusado durante a audiência de custódia, nos casos de processos suspensos com base no art. 366 do CPP.
Essa alteração permitirá que, uma vez preso, o réu seja regularmente citado, possibilitando o prosseguimento do processo penal com todas as garantias constitucionais preservadas.
O esforço conjunto dos parlamentares mencionados representa um avanço legislativo relevante e merece o apoio institucional da OAB, do Ministério Público, da Magistratura e da Polícia Judiciária.
7. Considerações finais
A manutenção do atual modelo de citação por edital, que resulta na suspensão indefinida de processos penais, compromete a efetividade da justiça criminal e prejudica gravemente a advocacia.
É hora de enfrentar o desequilíbrio gerado por um garantismo disfuncional que serve mais aos criminosos do que ao Estado Democrático de Direito.
A OAB, fiel à sua missão histórica de defesa da ordem jurídica e da justiça social, deve liderar a pauta da atualização legislativa, apoiando iniciativas que visem à modernização do processo penal, à proteção dos direitos fundamentais da sociedade e à valorização da advocacia criminal.
Se a polícia fosse menos corrupta e mais eficiente não seria necessário discussões acerca da suspensão do processo após citação editalícia .
Entretando , o texto é valido para ser refutado…
Mais tarde eu volto!








