A verdade nos porões da Ditadura
Por Daniel Santini daniel.santini@folhauniversal.com.br
Por Daniel Santini daniel.santini@folhauniversal.com.br
Luiz Eduardo Merlino, de 23 anos, jornalista, militante do Partido Operário Comunista, morreu em 19 de julho de 1971.
O corpo foi encontrado pelo cunhado dele, o delegado Adalberto Dias de Almeida.
O policial ficou abismado com as marcas de violência no cadáver do parente, largado sem nenhum registro no Instituto Médico Legal de São Paulo.
Oficialmente, Merlino foi atropelado. Até hoje, no atestado de óbito providenciado na época, há apenas a informação de que, dias depois de ser preso no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, o temido DOI-CODI de São Paulo, Merlino decidiu pular em frente a um carro na BR-116, a caminho do Rio Grande do Sul.
Inconformada, a mulher de Merlino, Angela Mendes de Almeida, e a irmã dele, Regina Merlino Dias de Almeida, decidiram entrar na Justiça para alterar os registros oficiais e atribuir as torturas que resultaram na morte do jornalista ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, antigo chefe do DOI-CODI.
Há diversas testemunhas de que ele foi espancado, entre elas o atual ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, um dos presos no local na época.
A família quer que a Justiça reconheça que Ustra, como funcionário do Estado, foi responsável pela tortura e morte.
Não quer indenização e nem espera que o coronel seja preso.
Ao abrir o processo, quer apenas que ele admita a responsabilidade pelo crime. “Uma morte não resolvida não pode ser esquecida. Nosso luto continua“, diz a ex-companheira de Merlino. “O que a gente quer é a verdade”, completa a irmã.
Trata-se da segunda ação do gênero contra Ustra em função de torturas ocorridas durante a Ditadura Militar. Responsável por um dos órgãos repressivos mais violentos do período, o militar responde também a um processo movido pelo casal Maria Amélia Teles e César Teles, detidos junto com os filhos, Janaína e Edson, na época com 5 e 4 anos.
O casal Teles relata violências constantes enquanto esteve preso. “Não dá para esquecer a tortura. Ela lesa não só a pessoa, mas todos ao redor.
É importante a gente lembrar para que tais fatos não se repitam”, prega Maria Amélia. Anistia Em ambos os casos, a defesa de Ustra se baseia na Lei de Anistia, de 1979, que prevê perdão para os crimes políticos ou praticados por motivação política.
Foi com base nesse argumento que o advogado Paulo Esteves conseguiu que o desembargador Luiz Antônio de Godoy, do Tribunal de Justiça de São Paulo, suspendesse a primeira audiência do caso Merlino, inicialmente marcada para 13 de maio.
A questão gera polêmica. “Quando atuava como promotor, tomei a iniciativa de processar o capitão Ramiro, que havia declarado que matou o Vladimir Herzog.
O inquérito acabou trancado com base na Lei de Anistia”, diz o secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo, Luiz Antônio Marrey, referindo-se à entrevista que o militar Pedro Antônio Mira Granciere(investigador de polícia) concedeu à revista “Isto é Senhor” de 25 de março de 1992, na qual afirmava estar ligado à morte do jornalista Herzog. “Acho difícil eles conseguirem provar, na Justiça, a culpa do coronel. Muito tempo passou, mas é importante essa discussão, é importante que as pessoas saibam o que aconteceu”, diz o secretário Marrey.
“Há muita controvérsia jurídica sobre a abrangência da Lei de Anistia”, pondera o ministro Vannuchi, testemunha de acusação contra o militar aposentado. “Se a família e o coronel entrarem com recursos, em algum momento a questão chegará ao Supremo Tribunal Federal, e aí será decidido se a Lei de Anistia serve para agasalhar torturadores. Se servir, aceitaremos e não se fala mais nisso”, completa.
Entre as testemunhas de defesa do coronel Ustra está o ex-presidente e hoje senador José Sarney (PMDB-AP), que já escreveu artigos sobre a pressão que o militar está sofrendo e, em um deles, ao comentar a Lei da Anistia, alfinetou: “não remexamos esses infernos, porque não é bom para o Brasil”. (não é bom para ele – SARNEY – grande beneficiário das atrocidades)
O advogado Paulo Esteves segue o mesmo tom e fala até em “instabilidade no País”.
O coronel Ustra não quis se pronunciar.
