Conflito entre Policiais: Laudo Defensivo Escancara Inconsistências, Blindagem da Responsabilidade e Omissão Institucional no Caso Rafael Moura da Silva 7

RELATÓRIO DE INVESTIGAÇÃO PERITO-DEFENSIVA

Processo:

Solicitantes: Advogados

Interessados:

  • Vítima fatal: Policial Civil Rafael Moura da Silva
  • Investigado:3ºSgt-PM(ROTA)
    Objeto da Investigação:
    Arquivos contendo as transcrições dos depoimentos de policiais civis e militares, diligências , entrevistas , cruzamento de dados e imagens, bem como análise das conclusões técnico-jurídicas lavradas na fase policial, visando subsidiar assistência de acusação e ação indenizatória contra o Estado de São Paulo.

1. INTRODUÇÃO

A presente investigação perito-defensiva extrajudicial , objetiva aferir a consistência, verossimilhança e coerência interna e cruzada dos depoimentos constantes dos autos, cotejando-os com a fundamentação jurídica lançada pela autoridade policial, especialmente quanto à alegação prematura de legítima defesa putativa pelo policial militar envolvido no evento que culminou na morte no efetivo exercício das funções do policial civil Rafael Moura da Silva.

Esta investigação visa subsidiar tanto a assistência de acusação no processo criminal quanto a propositura de ação indenizatória contra o Estado de São Paulo por danos morais e materiais.

2. METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA

Esta investigação defensiva compreende “o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido para auxiliar o exercício da advocacia  na obtenção de elementos probatórios destinados à tutela dos direitos dos constituintes. A investigação perito-defensiva extrajudicial é um procedimento técnico realizado por um perito independente (ou contratado pela defesa) para coletar, analisar e produzir provas técnicas que possam contestar a acusação ou fundamentar a tese defensiva em um processo penal e subsidiar atuação na esferas civil e administrativa.

Procedimentos adotados:

  • Leitura integral das transcrições formalizadas nos depoimentos dos policiais civis (………..), do militar investigado Sgt. Da ROTA.  Visita ao local , observação de imagens e entrevistas. ,
  • Checagem cruzada de dados objetivos: procedimentos, identificação visual, descrição do cenário e das ações
  • Aferição do padrão linguístico e da espontaneidade das declarações
  • Cotejo com a análise jurídica da autoridade policial
  • Análise da responsabilidade civil estatal

3. RECONSTRUÇÃO DOS FATOS PELA ANÁLISE DAS TRANSCRIÇÕES

3.1 Declaração do Sgt-PM – ROTA  

Relatou que, durante patrulhamento tático, ingressou em beco da comunidade após supor ter avistado um “vulto” suspeito e armado. Narra que correu armado e, ao virar uma esquina, deparou-se com indivíduo armado, efetuando quatro disparos instantaneamente. Reconhece não ter dado voz de parada ou realizado abordagem protocolar. Alega ter percebido tratar-se de policiais civis apenas após ouvir gritos de “polícia”.

3.2 Declarações dos Policiais Civis

(……) : Todos afirmam utilização ostensiva de distintivo policial civil, progressão cautelosa e protocolo operacional estrito. Ninguém realizou disparos ou qualquer ação hostil. As vítimas foram surpreendidas, ainda claro , por volta das 17h30 ,  pelos tiros disparados sem verbalização, abordagem ou ordem de parada. Destacada a ausência de qualquer ameaça à equipe militar nos minutos antecedentes ao confronto.

3.3 Outros Militares (Testemunhas e Comando)

Versões alinhadas ao sargento autor, com predomínio de justificativa quanto a interpretação subjetiva de “ameaça iminente”, seguida de desdobramento para identificação pós-fato da condição policial civil das vítimas.

Observação: Nada se esclareceu sobre o transporte da vítima em compartimento destinado a presos até o Hospital das Clínicas , trajeto de mais de 20 km,  em meio a trânsito congestionado.

4. REAVALIAÇÃO CRÍTICA: CONSISTÊNCIA E VEROSSIMILHANÇA DAS VERSÕES

Constatações técnicas relevantes:

Vago Relato do Investigado:
O sargento não detalha aspectos objetivos do alvo (“vulto”, “armado”, “vestes escuras”), omitindo horário e condições de visibilidade ; sendo sua narrativa notadamente genérica e pouco espontânea, limitando-se a elementos típicos de versão defensiva construída posteriormente.

Conduta e Procedimento Operacional:
Assume ter ingressado em local de risco “em desabalada carreira”, disparando sem comando, abordagem ou mínima verificação de identidade – conduta contrária aos protocolos vigentes nas forças policiais.

Depoimentos Civis Convergentes e Detalhados:
Versões dos policiais civis são materialmente coincidentes, coerentes nos detalhes fáticos, descrevendo rigorosamente a atuação policial civil, a surpresa com os disparos e a posterior identificação dos militares.

Ausência de Corroboração para a “Ameaça”:
Nenhum depoimento, salvo do próprio sargento, faz referência a qualquer indivíduo suspeito ou hostil, reforçando que não havia elemento estranho à cena que justificasse erro de identificação.

5. ANÁLISE DA FUNDAMENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL

Prematuridade e Ausência de Contraponto:

A análise jurídica do delegado, sem fixar o horário dos disparos ,  relatado apenas em depoimento de um dos policiais civis , tendo  como plausível a legítima defesa putativa, não se limita ao depoimento do sargento, mas interpreta de modo monocular elementos de bodycam sem confrontar rigorosamente esses dados com as versões civis convergentes.

Desconsideração de Detalhes Cruciais:

Há desvalorização dos relatos civis convergentes, negligência aos distintivos apreendidos (com vestígios sanguíneos) e ausência de reflexão sobre falha de abordagem policial militar – elementos que não corroboram a tese de erro inevitável.

6. CONSTRUÇÃO DE VERSÃO DEFENSIVA PELO SARGENTO

A análise evidencia que o sargento, beneficiando-se do lapso temporal e das garantias do art. 14-A do CPP, construiu versão defensiva estratégica, com características típicas de orientação jurídica prévia:

  • Narrativa genérica e calibrada (“vulto”, “sensação de risco”)
  • Ausência de detalhamento objetivo do suposto alvo
  • Estrutura discursiva favorável à excludente de ilicitude
  • Negação sistemática de elementos objetivos (distintivos ostensivos)

7. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS

Fundamentos da Responsabilidade Civil Estatal

O Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiros por seus agentes, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição Federal. A responsabilidade decorre da teoria do risco administrativo, exigindo-se apenas comprovação do dano e do nexo causal entre a atuação estatal e o resultado lesivo, independentemente de culpa.

Pressupostos para Ação Indenizatória

1. Existência do Dano:

  • Dano material: Perda da renda familiar (pensão e salários futuros), despesas médicas e funerárias
  • Dano moral: Dor, sofrimento e abalo psíquico dos familiares

2. Nexo de Causalidade:
Restou amplamente comprovado que a morte decorreu de conduta de agente estadual no exercício da função, havendo elo inafastável entre a ação estatal e o resultado danoso.

3. Conduta do Agente:
Mesmo a alegada legítima defesa putativa não exime o Poder Público da obrigação reparatória: o erro operacional é risco próprio da atividade estatal.

Elementos Suficientes para a Propositura da Ação

Pelos documentos analisados, extraem-se elementos robustos:

  • Morte resultante de atuação direta de agente público em missão funcional
  • Ausência de dolo por parte da vítima e clara surpresa dos policiais civis
  • Reconhecimento unânime pelas testemunhas da inocorrência de hostilidade
  • Inadequação grave do procedimento adotado pelo militar

Legitimidade Ativa

Têm legitimidade para propor ação indenizatória: cônjuge, companheira(o), ascendentes, descendentes e demais dependentes econômicos da vítima.

Doutrina e Jurisprudência Consolidada

Nossa doutrina e jurisprudência é consolidada afirmando a responsabilidade civil do Estado nessas situações:

O Estado responde pelos danos causados a terceiros por ato de seus prepostos, ainda quando resultantes de erro operacional, sendo devida a reparação integral aos familiares da vítima.

8. ORIENTAÇÕES PARA ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO

Como assistente de acusação, os familiares podem:

  • Propor meios de prova e requerer perícias especializadas
  • Solicitar perícias balísticas complementares
  • Requerer perguntas às testemunhas
  • Participar dos debates orais
  • Arrazoar recursos para majoração de pena
  • Fiscalizar a atuação do Ministério Público

9. CONCLUSÕES DA INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA

A análise dos arquivos revela fortíssimos indícios de que o sargento Marcus Augusto Costa Mendes omitiu informações essenciais e apresentou versão adaptada para minorar sua responsabilidade penal, respaldando-se em alegada percepção subjetiva de ameaça não comprovada. A análise técnico-jurídica conduz-nos à sólida inferência de que o sargento, beneficiando-se do timing e das garantias previstas no art. 14-A do CP, construiu uma versão defensiva, assentada sobre orientação jurídica especializada, com o claro propósito de atenuar sua responsabilidade penal e ajustar a dinâmica do fato às teses excludentes de ilicitude ou culpabilidade.

Ao analisar o caso, nota-se que o delegado, ao endossar de forma quase exclusiva a narrativa do sargento autor dos disparos, produziu uma fundamentação preliminar precipitada, lastreada na tese de legítima defesa putativa. Tal atitude, em fase ainda de cognição sumária e ausência de elementos periciais conclusivos, cria efeitos reais e imediatos na orientação do inquérito, beneficiando — de forma involuntária, mas eficaz — a defesa do investigado.

Características desta Atuação

  • Desprezo pelos depoimentos convergentes das vítimas e testemunhas civis, fortemente comprometedores quanto à veracidade da versão do sargento.
  • Assunção precipitada da hipótese excludente de ilicitude, afastando prematuramente outras linhas investigativas (como dolo eventual, imprudência grave e excesso doloso).
  • Romantização ou naturalização da reação do policial militar, sem cotejo crítico com o contexto (uso ostensivo de distintivos, progressão cautelosa dos civis, ausência de verbalização, dinâmica dos disparos).

Os depoimentos civis, convergentes e ricos em detalhes, fortalecem tal conclusão.

Acrescenta-se, por oportuno, que – não obstante a fundamentação lançada pelo delegado venha a favorecer, de fato, a linha defensiva do  militar investigado – não caberia à autoridade policial civil, nas circunstâncias concretas, dar voz de prisão em flagrante ao policial militar, porquanto o delegado não mantinha conhecimento direto e imediato dos fatos ( certeza visual direta ) , não havendo presenciado quaisquer elementos flagranciais no momento da apresentação do caso à delegacia.

Ressalte-se que é absolutamente descabida, sob a ótica legal e procedimental, a prática – infelizmente recorrente em certos ambientes – de delegados “nomearem condutores do preso” em situação flagrancial sem observância à efetiva ciência do ato criminoso no momento de sua ocorrência.

No caso vertente, caberia ao próprio Comando da ROTA, que acompanhou o desdobramento das ações e, logo após o fato, tomou ciência das versões dos policiais militares envolvidos, além de analisar as imagens captadas pelas câmeras corporais, deliberar sobre eventual prisão em flagrante de seus subordinados, caso assim entendesse diante dos elementos concretos e da materialidade imediatamente disponível no contexto operacional.

Dessa forma, a formalização da prisão em flagrante, se pertinente, deveria ser determinada por aquele que detinha o dever de supervisão das atividades da guarnição da ROTA comandada pelo investigado , teve a posse real e a contemporaneidade dos fatos, e não por autoridade policial civil que apenas os conheceu posteriormente, por meio de relatos e apresentação indireta , espontanea , dos envolvidos.

Para o Processo Criminal:

Recomenda-se que a Polícia Civil , o Ministério Público e o Poder Judiciário promovam, antes de qualquer reconhecimento de excludente de ilicitude, exame crítico amplo, valorando objetivamente todas as versões e provas materiais.

Para a Ação Indenizatória:

Há fundamentos materiais, jurídicos e documentais suficientes para que os familiares ingressem imediatamente com ação indenizatória contra o Estado de São Paulo por danos morais e materiais. A probabilidade de êxito é elevada, sendo irrelevante a discussão sobre culpa do agente militar, dada a responsabilidade objetiva estatal.               

Em hipótese alguma se deve  aguardar a conclusão criminal, pois a PGE , caso decorra três anos da morte , alegará prescrição com a finalidade de criar obstáculos e infinitos recursos. 

10. RECOMENDAÇÕES JURÍDICAS

  1. Habilitação como Assistente de Acusação no processo criminal
  2. Propositura imediata de ação indenizatória contra o Estado de São Paulo.
  3. Requerimento de perícias complementares (balística, reconstituição no local, residuográfica, transcrições de gravações , exames de imagens por peritos particulares , entre outras )
  4. Impugnação da fundamentação antecipada do delegado plantonista
  5. Produção de prova testemunhal e pericial sobre as condições do socorro prestado ao policial; o que pode reforçar o dolo e a resposabilidade do estado.
  6. Contestação da eventual tese de legítima defesa putativa demonstrando que vem sendo empregada como clichê defensivo da policia militar  para esconder execuções sumárias” .
  7. Peticionamento ao Comando da Polícia Militar:  O advogado pode requerer formalmente ao Comando da ROTA ou ao Comando-Geral da PM-SP a abertura de procedimento apuratório na Corregedoria da Polícia Militar, visando examinar: o conduta operacional do sargento da guarnição ;  o cumprimento dos protocolos de abordagem e uso da força e a eventual responsabilidade disciplinar e penal militar de todos os envolvidos, de superiores omissos, inclusive.

São Paulo,  julho de 2025.

Um Comentário

  1. Simples assim …uma vergonha, não a atitude do militar, a qual é recorrente e aceita pelo Estado, mas a do Delegado que não o autuou em flagrante por homicídio.

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    • Falou bem, irmão. O mesmo delegado que prende em flagrante um furtador de chocolate no mercado( tem medo de fazer como furto famelico, deixando pro juiz de custódia decidir), faz isso, deixando de atuar firmemente em prol da Polícia Civil. Pra que, né? Melhor fazer média com PM, quem sabe um conhece o SSP e intermedia uma promoção ou transferência.

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      • Tudo que falou é verdade quem é titular quer ser seccional se vende até por um prato de alfafa

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  2. Que a família e seus advogados se atentem para o desvio de função.

    O colega foi concursado e contratado para operar rádios e sistemas de comunicação da PC e estava na linha de frente, desempenhando funções que não eram suas.

    Infelizmente, em virtude desse desvio acabou perdendo a vida, não por falta de competência, mas por estar lá naquele momento.

    Que o Estado seja responsabilizado por isso, inclusive na pessoa de quem deu causa a esse desvio de função, tão comum na PC.

    Basta!

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    • Desvio é PM realizar atividade típica de polícia judiciária, viver encostado em Fórum, ter policiamento de choque quase que exclusivamente para “bem atender” a Federação Paulista de Futebol, e desvio sério, de caráter e de legalidade, é tentar assassinar a reputação da vítima fatal, desqualificando a sua conduta, atribuindo a quem foi morto covardemente a responsabilidade pela própria morte.

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    • você é um ridículo, muquiado! operar sistemas de comunicação e o meu o….esquerdo! Inu til

      todo mundo sabe que na Pc quem trabalha de verdade não quer saber de carreira! Deveríamos falar de desvio de caráter, ao invés de carreira.

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