A Polícia que Não Aprendeu
Passados 28 anos do Caso Bodega e 30 anos da Escola de Base, o Brasil ainda não aprendeu a lição.
A Lei Antitortura foi um avanço, mas não curou o vício por espetáculo que corrói a investigação policial.
Enquanto delegados usarem entrevistas para alimentar seus egos e a mídia tratar crimes como entretenimento, estaremos fadados a repetir tragédias — só que, agora, com transmissão ao vivo e direito a likes.
A Polícia no Picadeiro — Do Porão das Delegacias aos Holofotes da Barbárie
A história da segurança pública no Brasil é uma tragédia em atos repetidos.
Nos anos 1990, a tortura física e psíquica , o assassinato de honras escancarava suas garras em casos como o Escola de Base e o Bar Bodega.
Três décadas depois, em 2025, a morte brutal da adolescente Vitória, em Cajamar, revela que o script não mudou: delegados trocam o rigor investigativo por holofotes, a mídia transforma suspeitos em espetáculo, e a justiça — quando chega — é tardia demais para reparar vidas despedaçadas.
O paralelo com o passado é perturbador:
- Ritual de humilhação midiática: Assim como nos anos 1990, delegados transformam hipóteses em narrativas prontas, usando jargões como “crime organizado” para justificar falhas investigativas.
- Violência simbólica: A exposição de Vitória (seu corpo, sua história íntima) repete a lógica da tortura, agora digitalizada. Seus direitos póstumos são soterrados pelo segura-cadeira.
- Desvio de responsabilidade: Associar o crime ao PCC, sem nenhuma evidência , desvia o foco de questões como violência de gênero e ineficiência estatal.
O Roteiro Repetido: Delegados, Mídia e o DNA da Injustiça
Os protagonistas dessa tragédia circular são sempre os mesmos:
- Delegados-estrela: Trocaram o cassetete pelo microfone. Em vez de apurar, alimentam teorias conspiratórias (como a suposta “defesa de honra” pelo PCC), ignorando que a facção, em três décadas, nunca teve estatuto de defesa da honorabilidade sexual — só interesses financeiros .
- Mídia-espetáculo: Transforma corpos em pixels, crimes em enredo macabro e a dor alheia em audiência. No Bodega, estampou “assassinos confessos”; hoje, viraliza imagens de pessoas mortas.
- Sociedade-anestesiada: Consome a injustiça como entretenimento, compartilha suspeitos como “culpados” e depois se surpreende quando a verdade emerge — tarde demais.
A Lei Antitortura Não Basta: É Preciso Enterrar o Ego
A Lei 9.455/1997 foi um avanço, mas não curou o mal pela raiz: a cultura da espetacularização. Enquanto delegados ganharem promoções por aparecer na TV, e não por resolver crimes, seguiremos repetindo erros.
Para romper o ciclo, propostas:
- Sigilo investigativo penalizado: Delegados que expõem suspeitos antes de provas devem ser responsabilizados por violação de direitos.
- Mídia com limites: Criminalizar a veiculação de imagens de vítimas sem autorização familiar e proibir termos sensacionalistas (“monstro”, “cruel”) antes da sentença.
- Memória viva: Incluir no treinamento policial os erros do Escola de Base e Bodega, mostrando que holofotes não produzem justiça — só destruição.
Quando a Justiça Vira Entretenimento, Todos Perdem
O Brasil precisa escolher: quer ser o palco de investigações éticas ou o circo de investigações midiáticas? A resposta define se Vitória será a última vítima do roteiro — ou mais uma de uma lista que já dura 30 anos.
Última linha:
A justiça que precisa de holofotes para brilhar é, no fundo, apenas um fogo-fátuo — ilumina nada, queima tudo.


