O fenômeno do fanatismo bolsonarista não se restringe à polícia, mas reflete uma tendência mais ampla da sociedade brasileira, marcada pela polarização política e pela ascensão de discursos extremistas. No caso dos delegados de polícia, essa adesão fanática pode ser compreendida como uma adesão ao antipetismo, um dos pilares centrais do bolsonarismo. Muitos delegados, movidos por motivos ideológicos ou por uma visão maniqueísta da política, acabam abraçando narrativas simplistas que dividem o mundo entre “nós” (defensores da ordem, da família e dos “bons costumes”) e “eles” (esquerdistas, corruptos e inimigos da pátria). Essa visão binária, ao ignorar nuances, contribui para o empobrecimento intelectual, desencorajando o pensamento crítico e a reflexão.
Fanatismo Bolsonarista na Polícia Civil de São Paulo: Autoritarismo, Negacionismo e a Crise de Legitimidade Institucional

A ascensão do bolsonarismo como fenômeno político-cultural não se limitou aos discursos públicos ou às redes sociais: infiltrou-se nas estruturas do Estado, contaminando setores estratégicos, como a Polícia Civil de São Paulo.
Delegados identificados com essa ideologia, além de carregarem um passado sombrio, adotam práticas autoritárias, negacionismo histórico e promovem ataques sistemáticos a colegas rotulados como “esquerdalha”, revelando uma manipulação ética e intelectual incompatível com os princípios de uma carreira jurídica.
Essa postura, longe de ser mera idiossincrasia individual, está enraizada em uma cultura institucional marcada pelo saudosismo da ditadura militar e pela instrumentalização política do antipetismo.
O resultado é uma corporação dividida, onde o fanatismo ideológico compromete a imparcialidade do trabalho policial e corrói a confiança pública.
A referência ao saudosismo da ditadura militar é um ponto crucial. Durante o regime militar (1964-1985), as polícias civis e militares foram instrumentalizadas como braços repressivos do Estado, atuando na perseguição, tortura e eliminação de opositores.
Esse período deixou marcas profundas na cultura policial, especialmente em São Paulo, onde o Esquadrão da Morte ganhou notoriedade.
Para muitos delegados e policiais (alguns dos quais foram torturadores e executores) que se identificam com o bolsonarismo, a ditadura é vista como um período de “ordem e progresso”, em contraste com a suposta “desordem” da democracia.
Esse saudosismo não apenas revela uma visão distorcida da história, mas também uma nostalgia por um tempo em que a violência estatal era legitimada e a autoridade policial não era questionada.
Delegados identificados com o bolsonarismo frequentemente romantizam esse período, tratando a ditadura não como um regime de exceção, mas como uma “era de segurança e moralidade”.
Essa visão distorcida ignora documentos históricos que detalham a cumplicidade policial com esquadrões da morte e a perseguição a militantes.
Ao normalizar discursos que defendem a tortura, execuções sumárias e censura, esses delegados perpetuam uma cultura institucional que já deveria ter sido superada com a redemocratização.
O saudosismo autoritário se manifesta em discursos que glorificam figuras como os delegados Fleury e Romeu Tuma, entre centenas de outros que passaram por órgãos como a OBAN, o DEOPS e o DOI-Codi/SP, cujos métodos de tortura são reinterpretados como “ações heroicas” contra “inimigos internos”.
Essa narrativa revisionista não é ingênua: serve para legitimar práticas contemporâneas de intolerância dentro da corporação.
Quando delegados contemporâneos atacam colegas progressistas como “esquerdalhas”, estão reeditando a lógica maniqueísta da Guerra Fria, na qual qualquer crítica às estruturas de poder é interpretada como subversão.
A Negação do Conhecimento e a Falta de Caráter
Um dos aspectos mais preocupantes desse cenário é a negação do conhecimento por parte de delegados que, em tese, deveriam ser formados em Direito e comprometidos com a busca da verdade e da justiça.
A adesão a discursos claramente falsos ou distorcidos, como teorias da conspiração e fake news, revela uma contradição entre a formação acadêmica e a prática profissional.
Essa dissonância pode ser explicada, em parte, pelo viés ideológico que sobrepõe a razão e o conhecimento.
No entanto, também aponta para uma falta de caráter, já que esses profissionais escolhem repetir inverdades mesmo sabendo que são falsas, seja por conveniência, seja por lealdade a um grupo ou ideologia.
O Impacto na Carreira e na Polícia Civil
O fanatismo bolsonarista e o saudosismo da ditadura têm um impacto negativo não apenas nos indivíduos, mas também na instituição como um todo.
A carreira de Delegado de Polícia , que busca reconhecimento como uma carreira jurídica, acaba sendo associada a práticas autoritárias e a um discurso de ódio, o que mina sua credibilidade e legitimidade.
Além disso, a divisão interna entre delegados “bolsonaristas” e “esquerdistas” (ou simplesmente críticos do bolsonarismo) cria um ambiente de hostilidade e desconfiança, prejudicando o trabalho em equipe e a eficiência da instituição.
Guerreiros de Brancaleone: Tristes Figuras
A referência aos “Guerreiros de Brancaleone” é particularmente pertinente.
No filme italiano A Armada Brancaleone (1966), um grupo de cavaleiros medievais incompetentes e desorganizados se aventura em busca de glória, mas acaba sendo uma caricatura de si mesmo.
Da mesma forma, os delegados saudosistas da ditadura e fanáticos bolsonaristas podem ser vistos como figuras tristes, que se apegam a um passado idealizado e a um discurso vazio, mas que, no fundo, são incapazes de lidar com os desafios reais da sociedade contemporânea.
Eles são, em última análise, caricaturas de si mesmos, presos em uma visão ultrapassada e autoritária do mundo.
A Esperança de Mudança
Apesar do cenário desolador, é importante lembrar que nem todos os delegados de polícia se identificam com o fanatismo bolsonarista ou com o saudosismo da ditadura.
Há profissionais comprometidos com a ética, com a busca da verdade e com a defesa dos direitos humanos.
Esses delegados, muitas vezes silenciados ou marginalizados dentro da instituição, representam uma esperança de mudança.
Cabe à sociedade e às instituições democráticas apoiar e fortalecer esses profissionais, promovendo uma cultura de respeito, diálogo e pluralismo dentro da Polícia Civil.
Os Assassinos e Torturadores Ainda Estão Aqui
Enquanto o fanatismo bolsonarista for tratado como “opinião política” e não como risco institucional, a Polícia Civil permanecerá refém de uma agenda que a transforma em caricatura de si mesma – triste herdeira dos porões do DEOPS, agora disfarçada sob retórica digital e bravatas pseudopatriotas.
A democracia brasileira não sobreviverá a uma polícia que troca o código penal por manifestos do WhatsApp.
Autor: Rcg











