
Na imponente e luxuosa sede da Marinha, os oficiais de alta patente se reúnem em torno de uma mesa polida, discutindo os últimos acontecimentos.
O brilho das latinhas douradas contrasta com o semblante raivoso estampado em seus rostos.
O motivo?
Uma suposta ameaça vermelha aos seus centenários privilégios.
Ironicamente, neste momento de apreensão, um nome ressurge das profundezas da história naval brasileira: João Cândido, o Almirante Negro.
Aquele que, há mais de um século, ousou desafiar a hierarquia e a disciplina da chibata , da escravidão , sempre tão caras à instituição, agora serve de escudo para proteger as regalias dos que vestem a farda branca.
Sim, quais os privilégios das Praças da Marinha?
Os mesmos que há pouco tempo rejeitavam veementemente a inclusão de João Cândido no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, agora emulam a sua luta e memória para justificar a manutenção de pensões vitalícias até para mulheres de pouco caráter e aposentadorias generosas.
A desfaçatez dessa escumalha golpista é palpável, quase tão densa quanto a névoa que encobria a Baía de Guanabara naquela fatídica manhã de novembro de 1910.
Ora, enquanto os oficiais debatem estratégias para manter seus benefícios, nas paredes da sala, retratos de almirantes do passado observam silenciosamente. Entre eles, obviamente, não há espaço para o rosto negro e altivo de João Cândido.
Um homem de valor!
Sua ausência é um lembrete constante da dívida histórica que a Marinha ainda mantém com os negros brasileiros.
Paradoxalmente , no pátio da instituição, jovens recrutas , pobres e mulatos , marcham sob o sol escaldante, sonhando com um futuro glorioso na carreira naval.
Mal sabem eles que, nos corredores do poder, seus futuros comandantes lutam não pela pátria e pelas Praças, mas por seus próprios interesses, especialmente os financeiros.
A farda branca, símbolo de honra e dever, parece cada vez mais manchada pelo egoísmo e pela hipocrisia.
E assim, a Marinha , tal como a nossa pátria , segue navegando em águas turbulentas, carregando em seu bojo as contradições de um passado que insiste em não passar e de um futuro que teima em não chegar.
Infelizmente , não há ninguém no Brasil capaz de guiar a consciência nacional rumo a um horizonte de verdadeira equidade.
E nunca esperem nada de bom de quem veste ou vestiu farda…
Isso também serve para as togas e becas!