Uma página administrada por mulheres de militares reuniu depoimentos alarmantes sobre a atual condição da tropa
21/01/2024 02:50, atualizado 21/01/2024 15:31
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Mateus Milhomem Cândido/PMDF

A tragédia registrada no domingo (17/1), quando um policial militar matou o colega e tirou a própria vida logo em seguida, expôs a fragilidade da assistência mental oferecida pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) a seus integrantes. Uma página administrada por mulheres de militares reuniu depoimentos alarmantes sobre a atual condição da tropa.
Intitulada de “Esposas Unidas PMDF”, a página do Instagram, reúne pouco mais de 2 mil seguidores, e expõe problemas relacionados à saúde dos militares e notícias sobre a corporação. Após as mortes do soldado Yago Monteiro Fidelis e do segundo-sargento Paulo Pereira de Souza, as administradoras do perfil passaram a receber diversas denúncias que tratam da precariedade nos atendimentos psicológicos e psiquiátricos.
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De acordo com os policiais, que pedem para não serem identificados por medo de represálias, o serviço de tratamento está extremamente fragilizado. “O policial é atendido na clínica e não vai um militar médico para verificar se ele está recebendo um bom atendimento. Aí recebe alta. E a Junta Médica da Polícia Militar faz pouco caso. Libera o policial para a rua, sem ele estar em condições. E aí vemos o que está acontecendo nas ruas ultimamente”, alertou um familiar.
Uma mulher afirma que passou no concurso para o quadro de praças, em 2000, mas precisou sair após oito anos de carreira. “A minha saúde mental era mais importante. Eles não acreditavam que eu estava doente, fiquei internada em uma clínica psiquiátrica por meses devido depressão, cheguei a pesar 33kg e eles falavam que eu estava inventando e que iria voltar às ruas”, desabafou.
A ex-policial reforça que tomou a decisão de sair por medo. “Não só por mim, mas pelos meus companheiros, pedi baixa com uma mão na frente e outra atrás. Consegui me reerguer com a força dos meu esposo e dos meus pais. Ninguém gosta de fingir doença. Perdi, nesses anos que se passaram, dois colegas de farda para a depressão e houve mudança? Infelizmente, uma tropa doente e sem se sentir pertencente à sociedade”, contou.


Policiais afastados
Conforme o Metrópoles noticiou, o serviço de saúde da corporação está extremamente debilitado. A PMDF conta com apenas um médico psiquiatra para atender cerca de 10 mil integrantes da tropa. A corporação argumentou que conta com uma rede credenciada e dispões atualmente de clínicas de psiquiatria e de psicoterapia para atendimento dos militares. Há, ainda, a previsão de abertura de cinco vagas para psiquiatras, sendo três para provimento imediato.
Segundo a PMDF, em 2023, foram homologados 2525 atestados de afastamento por doenças mentais. Apenas em dezembro, foram 191. Em média, a cada dia, seis PMs do DF tiveram de se ausentar das atividades policiais por estarem em sofrimento psíquico. Além dos atestados por saúde mental, existem os atestados psicológicos. Em 2023, foram 2047. Apenas em dezembro, a PMDF homologou 175.
E um diagnóstico de uma enfermidade não necessariamente afasta o outro, podendo um policial ter os dois diagnósticos, ou seja, conforme os números uma parte está inserida nas duas. Portanto, um militar pode ser atendido por um psicólogo e não ser encaminhado ao psiquiatra. Por outro lado, poderá ser atendido por um e encaminhado ao outro.
Vale ressaltar que o sistema de contagem do levantamento contabilizou o número de casos de afastamentos, não o número de policiais afastados. Dessa forma, alguns policiais foram afastados mais de uma vez ao longo do ano de 2023 pelo mesmo motivo.
O atendimento psicológico engloba os casos no qual o paciente necessita de terapia. No caso do psiquiátrico, o tratamento pode incluir necessidade de intervenção medicamentosa bem como tratamentos mais complexos. Um paciente pode necessitar inclusive dos dois tratamentos simultâneos.
Mapeamento
Após o sepultamento do soldado Yago, a comandante-geral da PMDF, coronel Ana Paula Barros Habka, anunciou medidas para cuidar da saúde da tropa. O corporação fará um mapeamento dos batalhões, começando pelo 27º, para saber quais policiais sofrem com problemas de saúde mental e precisam de ajuda. Se o militar não estiver em condições, sairá das ruas.
“Eu sei do estresse que é a nossa carreira. Eu vivo isso há 30 anos. E tenho obrigação de cuidar do nosso policial”, afirmou a comandante-geral. Com autorização da Procuradoria-Geral do DF (PGDF), a Polícia Militar pretende fechar um convênio com a Associação Médica Brasileira para atendimento no Centro Médico da Polícia Militar. Todos os quartéis irão receber centros de capacitação social, capelanias, para cuidar da tropa.
Em nota, após as declarações da comandante-geral, a corporação reforçou a promessa de reestruturar o serviço de saúde. “A PMDF reconhece a magnitude de abordar e superar os desafios vinculados à saúde mental de seus membros. Estamos plenamente conscientes da necessidade de implementar medidas eficazes visando proporcionar um ambiente de trabalho saudável e apoiar nossos policiais diante das exigências psicológicas inerentes à profissão”