Entrevista com o Delegado Diretor do Deinter-4 de Bauru: “Amor que acaba, nunca foi” 43

JCnet

Entrevista da Semana: Marcos Buarraj Mourão

Experiente delegado e diretor do Deinter-4 em Bauru desde 2015 fala sobre honra, trabalho, família, lei e inteligência emocional

24/09/17 07:00
Dulce Kernbeis

Fotos: Malavolta Jr
O delegado Marcos Mourão no JC

O delegado Marcos Buarraj Mourão nasceu em Pirajuí e conhece como poucos um importante pedaço do Interior. Depois de começar carreira na Grande São Paulo, em Mauá, veio para a região, trabalhou em Guaimbê, Lins, Presidente Prudente até chegar a Bauru e se tornar, em 2015, diretor do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior-4 (Deinter-4), que abrange 89 cidades. Lá se vão 31 anos de carreira e, faltando dois anos para se aposentar, ele confessa que é aqui, em Bauru, que quer continuar a viver. Tornou-se um bauruense de coração.

Jornal da Cidade – Como se identificou com Bauru?

Marcos Buarraj Mourão – Na minha vida toda estive não muito longe de Bauru. Gosto daqui, não só eu, toda a minha família, tenho também meus pais por aqui, minha mulher trabalha e também gosta daqui, todos nós não temos a intenção de sair desta cidade, não. Aliás, me identifiquei com Bauru já desde moço, fiz faculdade aqui, de advocacia na ITE, contando com um dos melhores corpos docentes de direito do País, qualificadíssimo. Foi muito bom e peguei uma fase excelente de Bauru. Também havia uma efervescência cultural na cidade.

JC – Fale mais sobre esses tempos…

Mourão – Minha turma era excelente, tenho amigos de curso que hoje são vereadores, juízes e advogados renomados. Éramos todos muito contestadores, vivemos o final da ditadura, éramos cheios de idealismo, de sonhos, o direito alimentava muito nosso desejo de liberdade plena, de um mundo melhor.

JC – Qual o comparativo com hoje?

Mourão – Na verdade há algo de bom, sim, há um momento único no país hoje. Além de termos liberdade de expressão, isso é muito bom e, comparando com o que havia quando me formei, hoje há a Lava Jato, é algo inédito, quando a gente poderia pensar em termos de Brasil que se veria um senador preso, um ex-governador condenado? O trabalho que a Polícia Federal está fazendo é fantástico. Pena que grande parte da população não se interessa pelo assunto, vive em completa alienação, não se preocupa com mais nada a ser a sobrevivência… uma pena.

JC – E para mudar isso?

Mourão – Com educação. O maior inimigo de um governo mal-intencionado é o desconhecimento, a falta de cultura: quanto mais culto o povo, mais difícil de ser manipulado, de ser enganado.

JC – O senhor mesmo é filho de um educador…

Mourão – Sim, meu pai Miguel foi da área, diretor de escola estadual por 50 anos, fanático pelo que fazia e parou porque teve a aposentadoria “compulsória”. De origem portuguesa já aprendi com ele a valorizar a educação e a valorizar a família. Minha mãe é de origem libanesa, Latif e, graças a ela, eu adoro cozinha árabe, tudo, minha mãe cozinha muito bem.

JC – Aprendeu a cozinhar com ela?

Mourão – Não, nada mesmo [risos], não faço um arroz sequer,  mas em compensação sou um bom churrasqueiro. Sou daqueles que atuo desde a escolha da carne, temperar, assar e até servir. É o meu forte mesmo.

JC – Nestes anos todos de delegacia o senhor deve ter muita história para contar?

Mourão – Bom, a gente tem mesmo, atua em várias frentes, em vários setores, a gente investiga até briga de vizinhos por causa de cachorro. Esse caso é bem pitoresco. Dois vizinhos disputavam um cachorro. A coisa estava certa de que iria acabar em morte se a gente não conseguisse elucidar. E, por um detalhe físico que só um dos donos conhecia, do nascimento do cão, determinamos o dono. O legal é que, no final, o que não era o primeiro proprietário reconheceu o erro. E acabou tudo muito bem.

JC – E um caso mais difícil?

Mourão – Na verdade temos um orgulho. Foi da nossa equipe a capacidade de desvendar um sequestro de um empresário em Lins. O homem de mais de 80 anos ficou 155 dias no cativeiro. Foi libertado sem pagamento de resgate e o chefe da quadrilha preso. Isso foi muito gratificante. Assim como quando conduzimos a maior apreensão de maconha da região: foram quase sete toneladas.

JC – Falando em maconha, como o senhor encara a proposta de legalização?

Mourão – Não acho que precisamos ter mais uma droga lícita. Já temos o álcool, o cigarro que estão sendo revistos pelo mal à saúde. A droga é devastadora. É um aditivo para outros crimes. O crack, por exemplo, leva ao roubo, ao estupro, a pessoa se torna violenta. Aliás, eu penso que perdemos a guerra para o tráfico e as cadeias não funcionam, a população carcerária é imensa, mas estamos enxugando gelo. Do meu ponto de vista a cadeia tem que ser mais qualitativa e não quantitativa.

JC – Como assim?

Mourão – Para a cadeia tem que ir o grande traficante. Com ele preso quebra-se a rede que ele conduz e há o sociopata, aquele é violento, que é doente, sem perspectiva de regeneração.

JC – O senhor parece adotar uma forma mais moderna de conduzir a investigação.

Mourão – Tive sorte de pegar a fase de transição, não é mais possível investigar-se sob tortura, aliás, nada justifica a tortura. A gente tem que apagar o ranço da polícia autoritária. A polícia é mais eficiente quando usa a inteligência. São essas as ferramentas que temos que usar na hora da investigação. Prego o princípio da sessão de direito e de respeito a todas as pessoas, o que precisamos é de sempre manter a dignidade. O principal valor do ser humano é a dignidade. Temos que usar a inteligência emocional na resolução dos casos.

JC – Essa é uma virtude sua…

Mourão – De fato, através dela sei ouvir e entender, poucas vezes perdi o controle e mesmo sob serviço administrativo e interno como agora, o meu trabalho é leve.

JC – Esse talento também justifica seu casamento longevo…

Mourão – Pode ser. Ou talvez o fato de que trabalhei bastante fora, então, não dá para brigar [risos]. Bom, este ano, já em dezembro, vou fazer 30 anos de casado e, antes, oito de namoro. Enrolei, enrolei, mas depois dos oito anos e tendo passado no concurso para delegado não tive mais como enrolar [risos]. Mas, na verdade, eu dei sorte, encontrei na Adriana uma grande parceira, uma pessoa ponderada, tranquila, que sempre soube entender a minha profissão. Tanto ela quanto meus filhos: tenho a Laís, de 26 anos, e o Jamil, de 23, que sempre foram sacrificados pela profissão. Em geral, nessas minhas transferências, eu ia na frente e, depois, eles iam atrás.

JC – Com uma vida tão dinâmica, quando aposentar, como vai ser?

Mourão – Na verdade quero viajar. Mas não de avião e nem é por medo de voar, é que eu gosto muito de dirigir e dirijo muito bem de modo defensivo.

JC – Depois de tanto tempo a gente sente que o senhor ainda é motivado pela carreira. E essa motivação não é financeira…

Mourão – De jeito algum, com essa crise, há que se ponderar que a categoria está defasada em termos de reajustes e vivendo cada dia mais com uma carga emocional muito maior. Mas o que motiva é você encontrar profissionais bem-intencionados e, graças a Deus, há muitos, há inúmeros assim.

PERFIL

Nascido em 06/11/1959 o chefe de nada menos do que sete seccionais (Bauru, Marília, Jaú, Ourinhos, Assis, Lins e Tupã com 89 cidades e 145 delegacias e uma população de 2 milhões e 200 mil habitantes) confessa que, no esporte, nunca foi dos melhores. “Tentei o futebol, mas era apenas mediano, se isso”. Resultado hoje para manter a forma faz caminhadas (as vezes um trote, três vezes por semana) e sofre com o seu time do coração, o São Paulo FC, mas se confessa também um torcedor do Noroeste. “Meu pai nos trazia de Pirajuí para assistir”. Em tempo: o delegado é o mais velho de uma família de três irmãos, ele e mais um casal. “Assisti aqui um jogaço contra o Palmeiras, não tinha como não gostar do Noroeste”.

E como faz para desestressar hoje? A resposta: ele é um cinéfilo. Tem no computador 900 fichas de filmes que assistiu, reviu e o marcaram. Guarda todos os detalhes e agora é fã de série. Elege “Os Intocáveis”, “Inimigos Públicos” e “Mississipi em Chamas” como seus favoritos. Também é frequentador assíduo de missas da Igreja Sáo Cristóváo (lamenta a ausência do do agora bispo dom Ricci, que está em Niterói, mas entende).

Para finalizar, lembra de uma frase marcante de um padre de Lins, Clarêncio Gusson: “Amor que acaba, nunca foi”.