SÍNDROME DE CAPITÃO DO MATO – Por que uma polícia composta por pobres, pretos, mamelucos e nordestinos ( a maioria ) é tão preconceituosa? Resposta: aprende na Academia que tudo que é “branco” é melhor ! …( Por favor , não me mandem pro DECRADI; só falo sobre aquilo que observo ! ) 39

“Estamos carecas de saber”, diz integrante de movimento negro sobre forma diferente de abordagem de PM

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

26/08/201719h14 > Atualizada 26/08/201719h20

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  • Rogério de Santis/Futura Press/Estadão Conteúdo

    Roda de jongo na praça Roosevelt, em repúdio a declarações do comandante da Rota

    Roda de jongo na praça Roosevelt, em repúdio a declarações do comandante da Rota

Uma dança de roda de origem africana, o jongo, acompanhada pelo batuque de três tambores, reuniu cerca de 40 pessoas na praça Roosevelt, no bairro da Bela Vista (região central de São Paulo), na tarde deste sábado (26), como forma de repúdio ao racismo dirigido à população negra.

Organizado pela Frente Alternativa Preta, que representa coletivos diversos na capital, o protesto foi motivado, num primeiro momento, pelo recente confronto entre defensores dos direitos humanos e apoiadores de movimentos de supremacia racial, em Charlottesville, nos Estados Unidos, que resultou na morte de uma mulher de 32 anos.

Gabriela Fujita/UOL

Adriana Moreira, professora

“Estou aqui hoje porque entendo que o aconteceu em Charlottesville não é apenas um evento isolado, é uma prática que tem avançado no mundo, nesse momento de crise mundial do capital”, diz a professora Adriana Moreira, 34. “A resposta mais fácil é encontrar um grupo específico que seja responsável pela pobreza, pela miséria, pela falta de emprego, e via de regra são negros, são indígenas.”

A ideia de levar a crítica até a praça ganhou ainda mais força após as declarações do novo comandante da Rota (tropa de elite da polícia militar), o tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, em entrevista exclusiva ao UOL, na última quinta-feira.

“A declaração do comandante da Rota veio corroborar aquilo que nós estamos carecas de saber”, diz José Henrique Viegas Lemos, 58, biólogo e professor da rede pública estadual. “Só que ele escancarou algo que nós já sabíamos”.

Gabriela Fujita/UOL

José Henrique Viegas Lemos, biólogo e professor

O tenente-coronel afirmou à reportagem que os policiais militares que atuam na região nobre e na periferia de São Paulo adotam formas diferentes de abordar e falar com moradores.

“É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma de ele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia] da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins, ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado”, disse.

“Da mesma forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui nos Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa dos Jardins que está ali, andando”, afirmou Mello Araújo. “O policial tem que se adaptar àquele meio que ele está naquele momento”, argumentou.

Na opinião do professor Lemos, a fala do comandante aponta para um caminho de como a polícia deve agir: “se for preto, porrada, e se for branco, é ‘por favor'”.

“Para mim não foi surpresa, mas um descaramento o que ele disse, ele realmente acredita nisso”, afirma Lemos. “Nós não achamos que, se um preto estiver nos Jardins, ele vai ser tratado como se fosse um branco de classe média. Vai ser tratado como preto, e, provavelmente, vão achar que ele está roubando, que ele está ali querendo fazer alguma coisa errada.”

Na avaliação do professor e militante de defesa dos direitos dos negros Douglas Belchior, também integrante da Frente Alternativa Preta, “quando o comandante diz o que disse, isso serve de uma reautorização para que o policial na ponta aja com mais violência do que já age. É uma pista de uma alteração na política da segurança pública no Estado de São Paulo.”

Gabriela Fujita/UOL

Douglas Belchior, militante dos direitos negros

Após afirmar que existem formas distintas de abordagem policial entre bairros ricos e pobres, o comandante procurou relativizar a afirmação.

Em entrevista em vídeo publicada na página da Polícia Militar no Facebook, ele disse que a abordagem da Rota é padrão, não importa a região da cidade. O que muda, segundo ele, é a linguagem, a forma de falar com a pessoa abordada pelo policial.

Ontem, a Frente Alternativa Preta, juntamente com outros grupos de defesa dos direitos dos negros, protocolou uma petição em órgãos públicos em que pede explicações ao governo do Estado sobre as declarações do comandante e que ele seja retirado da função.

“A renovação da ideia da tolerância zero e da Rota na rua é algo muito grave no contexto do que a gente está vivendo, de aumento de pobreza, de aumento de desemprego e de aumento dos conflitos sociais”, afirma Belchior. “A polícia existe para levar a paz a todas as pessoas. Ela não pode se adequar ao caos social ou à violência social que está colocada ali.”

O militante se refere à ação policial que colocou todo o efetivo da Rota, 700 homens, em patrulha nas ruas de São Paulo, na quarta-feira.

Petição pede permanência de comandante

Divulgada pelo Facebook, uma petição pública online pede ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e ao Comando Geral da Polícia Militar a permanência de Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo no cargo.

“Após declarações não compreendidas do Comandante da ROTA, tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello, cinquenta e cinco (55) movimentos sociais e organizações coletivas assinaram petição exigindo a demissão do Comandante, grande promessa no combate ao crime. Este abaixo-assinado é uma resposta de todos os cidadãos de bem contra isso e solicitando a permanência do atual comando da ROTA”, diz o texto, que havia sido assinado por 19 mil pessoas até o fim da tarde deste sábado.

Reprodução

Petição defende a permanência do novo comandante da Rota, Ricardo Augusto de Mello

Merecidamente sucateada, a Polícia Civil de São Paulo continua negando a verdadeira causa da derrocada: A HISTÓRICA, CULTURAL, INSTITUCIONAL FALTA DE COMPROMISSO SOCIAL …Agora é tarde para culpar o PSDB! 74

Sucateada, Polícia Civil tem o menor efetivo em doze anos

Com queda no orçamento, a corporação da capital enfrenta problemas como falta de investigadores, prédios caindo aos pedaços e viaturas em péssimo estado

Qualquer paulistano que já tenha procurado ajuda em uma delegacia pode facilmente elaborar uma lista dos problemas mais comuns. Móveis velhos, paredes sujas, equipamentos obsoletos, funcionários insatisfeitos e espera interminável são um cenário corriqueiro na maioria desses locais há décadas.

Mas ainda que a expectativa do cidadão não seja encontrar um serviço padrão Scotland Yard, a badalada força britânica, existem indícios de que o quadro de desalento na Polícia Civil de São Paulo se agravou em tempos recentes. A começar pelas finanças.

Pela primeira vez nesta década, houve queda no volume de dinheiro gasto com a corporação em um ano. Os 3,7 bilhões de reais de 2016 representam 95 milhões de reais a menos em comparação com 2015. Apenas nos custos com pessoal, essa redução girou em torno de 34 milhões de reais.

O montante alocado para investimento, de 24 milhões de reais, foi o menor desde 2010, com uma baixa acumulada de 78% de lá para cá. Como se não bastasse, a verba de manutenção caiu 10% no primeiro semestre de 2017 em relação ao mesmo período de 2016, totalizando 165 milhões de reais.

Some-se a precariedade histórica a menos dinheiro em caixa e o resultado não poderá ser diferente. Os exemplos de sucateamento físico da Polícia Civil na cidade são identificáveis em vários departamentos. Algo evidente até no prédio símbolo da corporação, o quartel-general do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), próximo à Avenida Ipiranga, no centro.

Apelidado de “Garajão”, o local vive clima de abandono, com elevadores parados, janelas quebradas, extintores inoperantes e pilhas de entulho empoeirando-se por todo lado. Em outra unidade importante, o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), na Avenida Zaki Narchi, na Zona Norte, 54 viaturas caindo aos pedaços se acumulam no pátio à espera de ser leiloadas como sucata.

No Grupo de Operações Especiais (GOE), no Campo Belo, rachaduras espalham-se pelas paredes. Por falta de manutenção, os quatro helicópteros do Serviço Aerotático, usados em operações antissequestro, prisões de organizações criminosas e transporte de órgãos a hospitais, chegaram a ficar parados por sete meses no Campo de Marte. Dois deles voltaram a voar recentemente, mas os outros, da década de 80, serão vendidos para cortar custos.

A falta de dinheiro é visível também na escassez de material e de serviços básicos nos distritos. Funcionários da Academia de Polícia, no Butantã, e das dez delegacias vinculadas à 1ª Seccional do Centro, como o 3º DP, nos Campos Elíseos, andam realizando vaquinha do próprio bolso para contratar faxineiros, pois estão sem limpeza há três meses por problemas na licitação do serviço, processo de responsabilidade do governo estadual sob gestão de Geraldo Alckmin.

No 33º DP, em Pirituba, na Zona Oeste, delegados são obrigados a levar de casa mesas, cadeiras e o computador particular para conseguir trabalhar. “E nem assim resolve. Em muitos casos, os softwares oficiais não funcionam em equipamentos pessoais”, diz a delegada Juliana Manikkompel, diretora do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp).

Um mês atrás, a entidade começou a reunir um arquivo com imagens de degradação nas unidades, enviadas pelos colegas. Mais de trinta foram catalogadas, de poças d’água a viaturas com pneus carecas. “A polícia atua de forma limitada há anos, mas agora ocorreu um verdadeiro desmonte”, diz a delegada Raquel Gallinati, presidente do Sindpesp.

Sujeira é obviamente desagradável, porém o quadro fica bem mais preocupante quando a crise começa a provocar baixas no número de agentes a serviço da população. Hoje, a Polícia Civil conta com o menor efetivo dos últimos doze anos. São 9 423 funcionários na capital, com um déficit aproximado de 20% em relação ao número de vagas. Faltam cerca de 230 delegados, 880 investigadores e 540 escrivães, entre outras funções — um buraco criado pela aposentadoria de muitos profissionais e pelo sumiço dos concursos públicos na área (o último foi em 2013).

Com menos pessoal, várias unidades apresentam problemas graves de atendimento. No 8º DP, no Brás, boa parte dos 2 000 inquéritos de furto de veículos e celulares está parada porque só há doze investigadores no turno do dia, metade do ideal para uma delegacia que funciona 24 horas. “E ainda perdemos tempo com burocracia”, diz um funcionário do local. “Como o sistema para remeter flagrantes não é digital, precisamos levá-los pessoalmente ao fórum.”

Na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, no centro, com cerca de 100 atendimentos diários, quatro pessoas se desdobram para suprir o plantão noturno. Por ser a única do tipo a funcionar 24 horas, a demanda no lugar é mais alta. Vítimas de violência doméstica e sexual chegam a esperar seis horas para registrar um boletim de ocorrência.

A escassez atinge até setores que atuam na segurança direta da população. Após perder quase 70% de seus 300 profissionais em uma década, o Grupo de Operações Especiais (GOE) passou a circular em muitos casos com dois agentes por viatura — o ideal são três. “Somos convocados para dar reforço em confrontos, mas, muitas vezes, os bandidos continuam em maior número”, diz um agente.

A crise de recursos coincide com um momento de piora em alguns índices de produtividade da Polícia Civil na capital. Houve redução em onze das treze estatísticas contabilizadas pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) no primeiro semestre de 2017 em relação ao mesmo período do ano passado.

O mais preocupante diz respeito ao número de inquéritos instaurados, importante termômetro de eficiência policial, que teve queda de 3%. Dos cerca de 320 000 boletins de ocorrência registrados de janeiro a junho, 16% se tornaram investigações. Em países como a Inglaterra, por exemplo, esse índice ultrapassa 30%.

Outros números que apresentaram baixa foram os de prisões efetuadas (6%), flagrantes (7%) e apreensão de entorpecentes (43%). No mesmo período, houve aumento na incidência de sete dos crimes que mais afligem os paulistanos. Entre eles estão roubo (3%), furto (9%), latrocínio (45%) e estupro (85%). “O crescimento de crimes contra o patrimônio sugere que a polícia não está conseguindo desmantelar as quadrilhas”, diz o especialista em segurança pública Guaracy Mingardi.

Quem viveu a corporação em épocas anteriores se impressiona com o atual panorama. “Abandonaram a polícia investigativa”, lamenta o deputado estadual Antonio Assunção de Olim, mais conhecido como Delegado Olim, do Partido Progressista (PP), com vinte anos de atuação na área.

No caso da Polícia Científica, há déficit aproximado de 510 funcionários na capital. “Um laudo que deveria ficar pronto em dez dias está levando meses”, diz o perito Eduar do Becker Tagliarini, presidente do sindicato da categoria.

Como o governo do estado mais rico do país, nas mãos do mesmo partido, o PSDB, há 22 anos, pode ter deixado a situação chegar a esse ponto? Segundo o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo é o estado que mais gasta com essa área. Em 2015, por exemplo, investiu 9 bilhões de reais em policiamento, mais que Bahia, Paraná e Pernambuco somados.

Segundo alguns especialistas, o principal erro foi de gestão. “Faltou uma visão estratégica sobre segurança pública, que é tratada quase como um problema só da PM, sem integração nem equilíbrio”, afirma Rafael Alcadipani, professor de administração da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Mesmo na PM, existem problemas. Faltam cerca de 1 430 agentes na tropa e o salário médio de 3 000 reais não é reajustado faz três anos. “Há desmotivação geral”, afirma Wilson Morais, presidente da Associação dos Cabos e Soldados da PM de São Paulo.

Ainda assim, a corporação encontra-se em uma situação um pouco melhor. Na última década, não enfrentou redução de orçamento. Em 2016, o aumento foi de 2,5%, chegando a 13,6 bilhões de reais, mais que o triplo do direcionado à Civil. “A PM tem custo maior, com mais viaturas e atividades ostensivas”, justifica o secretário de Segurança Pública, Mágino Alves.

O governo reconhece as dificuldades, mas garante que não há motivos para alarme. Alves não concorda que exista relação entre a atual penúria de recursos e alguns números de baixa produtividade nas delegacias. “Uma queda de 3% no número de inquéritos abertos não é expressiva”, defende.

O secretário reforça seu argumento apontando altas em outros critérios, como esclarecimento de crimes por meio de reconhecimento (47%) e pedidos de prisão preventiva (46%). “Além disso, reduzimos o índice de homicídios na capital de 51,2 para 6,3 a cada 100 000 habitantes entre 2000 e 2017. Em Chicago, por exemplo, essa taxa é o triplo.”

O secretário diz que uma série de estratégias de curto e longo prazos vai solucionar ou amenizar os principais problemas. A primeira medida envolve um repasse de 19 milhões de reais em setembro para gastos com material e equipamentos. “É um dinheiro que não resolve o quadro crítico”, diz Raquel Gallinati, do Sindpesp. “Teria de ser um valor seis vezes maior.”

As promessas de Alves incluem a chegada de 100 novas viaturas, 2 500 pistolas e três ônibus, um investimento extra de 16 milhões de reais. Para contornar a falta de pessoal, serão nomeados nos próximos quatro meses os candidatos que passaram no concurso público de 2013, para ocupar 64 postos de delegado, 258 de escrivão e 902 de investigador no estado (um terço disso na capital).

O edital de um novo concurso está previsto para ser lançado até o fim do ano e as vagas serão preenchidas no decorrer de 2018. Há planos para resolver outras questões urgentes. O “Garajão” será desocupado em setembro para uma reforma e a sede do GOE tem um projeto pronto para a realização de obras no prédio, que está em más condições. Existem ainda licitações em fase final para a contratação de serviços de limpeza nas delegacias e nos departamentos especializados.

Números preocupantes

As estatísticas da crise que aflige a instituição

95 milhões de reais foi a queda nos gastos em 2016, a primeira em sete anos

1 110 é o déficit de delegados e investigadores na capital

3% é a taxa de redução nos inquéritos abertos em 2017

45% foi a alta nos latrocínios no primeiro semestre deste ano