Marcelo Godoy e Marco Antônio Carvalho, O Estado de S.Paulo
24 Agosto 2017 | 03h00
SÃO PAULO – O Tribunal de Justiça Militar de São Paulo baixou resolução prevendo que policiais militares deverão apreender todos os objetos que tenham relação com a apuração de crimes dolosos contra a vida praticado por militares ou pelos próprios PMs. A decisão, na prática, tenta tirar do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, a responsabilidade pela investigação de casos de letalidade policial, que bateram recorde no primeiro semestre deste ano, e está sendo encarada como grande prejuízo às investigações desses crimes. O Sindicato dos Delegados acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo a suspensão imediata da medida, que gerou grande reação da categoria.

A resolução 54/2017 foi baixada no dia 18 de agosto pelo presidente do TJM, Silvio Hiroshi Oyama. Em seu artigo 1º, diz que “a autoridade policial militar (…) deverá apreender os instrumentos e todos os objetos que tenham relação com a apuração dos crimes militares definidos em lei, quando dolosos contra a vida de civil”. A atividade no local do crime é hoje realizada pelo DHPP, que em 2017 atendeu a mais cenas de letalidade policial (189) do que de homicídios entre civis (147). O número de atendimentos do DHPP a locais de letalidade já havia sido alto em 2016 (322) ante os assassinatos comuns (326).
Para o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rafael Alcadipani, a resolução do TJM representa “licença para policiais matarem”. “Isso seria uma destruição completa dos locais de crime a partir de uma interpretação da lei bastante curiosa do Tribunal. A descaracterização do local soa como uma pretensão para gerar impunidade aos policiais militares”, disse. “Isso em um momento em a letalidade nunca esteve tão alta.”
A presidente do Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo, Raquel Kobashi Gallinati, acredita que a medida pode “até avalizar em certos casos uma possível alteração de local de crime”. Para ela, a apuração da Polícia Civil desde o princípio visa a obter “provas robustas e concretas para serem apresentadas no julgamento pelo júri”. “A resolução fragiliza os atos da polícia judiciária em um momento crucial da investigação, que é o local do crime”, disse ao Estado nesta terça.
A Secretaria da Segurança informou que o ofício foi recebido “e será analisado pela pasta’. O Comando da PM informou que não ia se manifestar sobre o caso, pois ele envolve decisão do TJM e manifestação do conselho da Polícia Civil. A reportagem não conseguiu contato com o TJM e o TJ na noite desta terça.
Recorde. O número de mortes causadas por policiais no Estado de São Paulo no primeiro semestre de 2017 foi o maior dos últimos 14 anos, na comparação com o mesmo período. A cada dois dias, cinco pessoas foram mortas por agentes em serviço ou de folga, totalizando 459 óbitos. Desde que a série histórica foi iniciada, em 2001, só em 2003 o número foi mais alto, com 487 casos. A estatística deste ano é 13,8% maior ante os primeiros seis meses de 2016.
Sobre o assunto, a secretaria havia dito que desenvolve ações para reduzir a letalidade, mas ressaltou que “a opção pelo confronto é sempre do criminoso”. “Houve, nos primeiros seis meses do ano, 1.850 confrontos apenas com PMs em serviço. O índice de criminosos que morrem após reação da polícia para combater crimes foi de 17%. Ou seja, na grande maioria dos casos, o confronto não resulta em óbito”, declarou. A pasta informou ainda que no primeiro semestre de 2017, 58,3% dos casos que resultaram em morte foram originados de ocorrências de roubo.