Será que o jornalista do Estadão, além de porco e palhaço é COVARDE ? 32

“Vá chafurdar no lixo”,  disse o presidente do Supremo

Por Vladimir Passos de  Freitas

No último dia 5 de  março, ao deixar uma sessão no CNJ, o ministro Joaquim Barbosa, que preside  aquele órgão e o Supremo Tribunal Federal, foi abordado por um repórter do  jornal O Estado de S.  Paulo que lhe perguntou: “Presidente, como o senhor está vendo…”.

A indagação,  que não chegou ao final, desejava saber a opinião do Presidente sobre a nota das três principais associações de  magistrados (AMB, Ajufe e Anamatra), criticando entrevista de Joaquim Barbosa,  que atribuiu aos juízes brasileiros terem mentalidade “mais conservadora,  pró status quo, pela  impunidade”.

Ao ser  inquirido, o presidente do STF, segundo a imprensa, teria respondido  não estar vendo nada e, diante da insistência do jornalista, teria afirmado: “Me  deixa em paz, rapaz. Vá chafurdar no lixo como você faz sempre” , além de tê-lo  chamado de palhaço.

Pouco depois, por  meio da assessoria, o chefe do Poder Judiciário teria pedido desculpas,  justificando sua conduta por estar cansado e com dores nas costas. Como é do  conhecimento geral, Joaquim Barbosa tem sérios problemas de  coluna.

Quem conhece as  sessões do CNJ sabe que elas são extremamente cansativas. Discutem-se   horas seguidas os temas mais complexos da magistratura. Muitas vezes,  intrincados processos administrativos, com centenas de arquivos. Sim, arquivos  eletrônicos, chamados de eventos,  pois os processos não são de  papel.

Portanto, é normal  que o presidente, ao fim do dia, estivesse exausto, ainda mais com dores no  corpo. Mas daí a aceitar tal fato como justificativa para a frase dirigida ao  jornalista, vai uma distância considerável.

Chafurda é  chiqueiro, lamaçal. Chafurdar é revolver-se na chafurda (Dicionário  Folha/Aurélio, p.143). Portanto, ao repórter atribuiu-se entrar e  revolver-se em um chiqueiro, agir como um porco à moda antiga, já que agora eles  são criados com todos os requisitos de higiene.

Seria esta a  linguagem adequada ao magistrado supremo?

O ministro Joaquim  Barbosa, por força de sua atuação como relator no “caso Mensalão”, atraiu a  atenção de toda a população brasileira. É, sem dúvida, o magistrado mais popular  do Brasil. Identificado nos locais onde transita, tem o apoio e a admiração da  sociedade brasileira.

Na referida Ação  Penal, que é a mais famosa do Brasil, não se  limitou a ser um juiz severo.  Foi além. Lutou por seus pontos de vista, saiu da posição cômoda dos argumentos  técnicos para entrar em discussões sobre a realidade social, penas, prisões e  outros temas. Foi vencedor na maioria das teses e a população passou a vê-lo  como uma pessoa idealista, lutadora, incorruptível.

É bom ser visto  desta forma. Com certeza, o ministro sente orgulho de suas posições. A questão é  saber se isto lhe dá uma capa de proteção absoluta, uma blindagem,  permitindo-lhe que diga ou faça o que lhe vem à mente.

Dos magistrados,  exigem-se todas as virtudes. Entre elas, segundo E. Moura Bittencourt, “a  brandura de trato de par com a energia de atitudes” (O Juiz, Eud, p.  30). Sidnei Beneti lembra que “O juiz não pode gritar com ninguém” e que “… se  o juiz perder a calma, ninguém mais a controlará”(Da conduta do juiz,  Saraiva, p. 28).

O Código de Ética  do CNJ dispõe no artigo 22 que: “O magistrado tem o dever de cortesia para com  os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as  partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da  Justiça.” Portanto, jornalistas, nas suas atividades ligadas ao Judiciário, têm  o direito de serem tratados com cortesia.

É verdade que os  ministros do STF não estão sujeitos à ação do CNJ nem ao seu Código de Ética.  Mas, por óbvio, suas regras auxiliam no estabelecimento de limites, de marcos,  separando fronteiras entre o aceitado e o proibido.

Mas será  fácil  o relacionamento juiz/mídia? Não, por certo.

O professor Hernán  F.L. Blanco, da Universidade de Bogotá, Colômbia, registra que “Es notória  la presión frente a determinados casos judiciales ejercida pela prensa, radio y  televisión” (El juez y La magistratura, Rubinzal-Culzoni, p. 207).  Portanto, lá como cá existe uma zona de tensão entre a mídia e o Judiciário, que  se pautam por regras de conduta divergentes (rapidez versus prudência).

Por tal motivo, os  tribunais atualmente, ao aprovarem novos juízes, promovem cursos de preparação  ao exercício da magistratura, neles introduzindo aulas de relações com a  mídia. 

Quando um juiz  supremo (leia-se do STF) envolve-se em situações como a analisada neste artigo,  entra em uma zona de risco adversa. Primeiro, seu elevado cargo não recomenda  que se atrite com terceiros. Mas, se isto ocorrer, sujeita-se a sofrer ações  judiciais que vão tirar-lhe a paz de espírito por longo tempo. Afinal, vivemos  em uma democracia plena.

Na frase “chafurdar  no lixo” está uma depreciação da pessoa do jornalista, qual seja, atribuir-lhe a  condição de porco, que no mundo animal não é das mais admiradas. Aí pode  sobrevir queixa-crime perante o STF por crime de injúria, previsto no artigo 140  do Código Penal, punido de um a seis meses, ou multa.

Do ponto de vista  civil, uma ofensa pública pode ensejar ação de indenização por danos morais, com  base no artigo 5º, V, da Constituição e artigo 186 do Código Civil. E esta ação,  se tiver valor até 40 salários-mínimos (R$ 27.120,00), pode ser proposta no  Juizado Especial do domicílio da vítima, na forma do artigo 4º, inciso III da  Lei 9.099/85, obrigando o agente político a nele comparecer e  defender-se.

Tais riscos, em  nada agradáveis, não só recomendam como impõem cautela aos agentes políticos nas  suas manifestações.  No caso concreto, o oportuno pedido de desculpas  tornou remota estas possibilidades.

Evidentemente, não  se nega aos detentores dos cargos de cúpula o direito de sentirem-se cansados,  exauridos. Porém, nega-se-lhes, sim, o direito de tratar aos que os procuram com  desatenção, ironia ou agressividade. E eventuais problemas pessoais que estejam  vivendo, por mais graves que sejam, não lhes dão justificativa para a quebra da  regra de cortesia.

Dos ministros do  STF a população espera imparcialidade, serenidade, vida exemplar, pois suas  ações no mundo digital em que vivemos são acompanhadas pela população e geram  reflexos na conduta do toda a magistratura nacional, atualmente com mais de 16  mil juízes.

Sintetizando,  sempre é oportuno lembrar o exemplo da ministra Ellen Northfleet que, com sua  postura sempre elegante e conduta coerente, dignificou a magistratura suprema.

Vladimir Passos de  Freitas é desembargador federal aposentado do  TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da  PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 10  de março de 2013