A repressão aos desvios de conduta nunca será efetiva se não for acompanhada por aumentos salariais para os policiais que precisam ser valorizados e ter condições de parar de fazer bicos nos horários de folga 73

Novas regras tentam reduzir letalidade da PM de São Paulo

BBC Luis Kawaguti Em São Paulo

17/01/201309h34

Após registrar uma alta de 24% no número de mortes cometidas por policiais militares em 2012, o Estado de São Paulo começou a implementar medidas para coibir homicídios ilegais cometidos pelos agentes da lei –de acordo com recomendações feitas por sua ouvidoria.

Segundo dados da Ouvidoria da Polícia, os PMs de São Paulo mataram 506 pessoas entre janeiro e novembro de 2012 –99 casos a mais que o registrado no mesmo período de 2011. Os dados de dezembro só devem ser divulgados pelo governo no fim deste mês. O número também é o maior para o período registrado nos últimos cinco anos.

A alta dos casos começou principalmente a partir do mês de setembro de 2012 –quando se acirrou uma onda de confrontos entre policiais militares e membros da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

O mês que mais registrou mortes foi novembro, com 79 casos –uma alta de 75% em relação ao ano anterior, segundo a Ouvidoria.

Nesse mesmo mês, o número geral de vítimas de homicídio no Estado aumentou 44% –de 340 vítimas em 2011 para 534 no ano passado. A explosão no número de mortes culminou na demissão do então secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, no fim de novembro.

Seu substituto, Fernando Grella, adotou neste mês duas novas medidas para tentar acabar com o conflito.

Uma delas impede que, após tiroteios entre policiais e criminosos, os próprios PMs levem os suspeitos baleados para um hospital. O resgate passou a ser feito por socorristas da Prefeitura ou do Corpo de Bombeiros.

O Ouvidor da Polícia, Luiz Gonzaga Dantas, disse à “BBC Brasil” que eram comuns antes da medida as denúncias ao órgão sobre resgates médicos usados para acobertar assassinatos.

“A pessoa, em confronto com a polícia, levava um tiro no braço ou na perna, era socorrida pela polícia e depois chegava no hospital já morrendo, quando não morria no trajeto”, disse.

Uma fraude dessa natureza gerou grande repercussão em novembro de 2012, na zona sul de São Paulo – por ter sido filmada por um cinegrafista amador.

Ele flagrou PMs retirando o servente Paulo Batista do Nascimento, de sua casa. Ele já estava dominado e desarmado quando levou um tiro de um policial e foi colocado em um carro da corporação. Foi levado em seguida para um hospital, onde chegou morto.

Dantas também afirmou ter recebido denúncias de que policiais forjavam resgates de feridos só para prejudicar a cena do crime – removendo corpos ou sumindo com objetos e cápsulas de munições do local do confronto, para dificultar a investigação do caso.

Para Marcos Fuchs, diretor da ONG Conectas Direitos Humanos, a medida é muito positiva, mas o serviço de ambulâncias deve estar pronto para chegar mais rápido para socorrer as vítimas baleadas.

“Deveria ser estabelecido que uma ambulância seja chamada pela central de PM logo que começa um tiroteio e não só quando alguém é baleado”, disse.

Resistência

Outra prática que está sendo mudada por uma medida de Grella é a forma de registrar os homicídios cometidos por policiais durante o serviço.

Até recentemente, eles eram registrados oficialmente na categoria de “resistência seguida de morte” – que pressupõe uma reação do suspeito.

Devem passar agora a figurar como “morte decorrente de intervenção policial”. A diferença é que só uma investigação determinará se a ação do policial foi legítima ou não.

Segundo Fuchs, essa mudança é importante porque deve implicar em uma melhor investigação do caso – que em tese receberá atenção de peritos e de unidades especializadas da polícia.

Além disso, o registro de casos como “resistência seguida de morte”, segundo Dantas, fazia com que muitos casos de homicídios fossem enviados para a varas comuns da Justiça – ao invés do Tribunal do Júri, dedicado apenas aos assassinatos.

Tais medidas podem ajudar a esclarecer mais casos como o do adolescente Wallace Victor de Oliveira Souza, de 16 anos, assassinado no último domingo, na zona leste de São Paulo.

Registrado segundo as novas diretrizes, o caso foi investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) e pela Corregedoria da PM. Agentes desses órgãos ouviram testemunhas que disseram que a vítima foi baleada em um terreno baldio por PMs quando já estava rendida e desarmada.

O resultado foi a detenção de quatro policiais sob acusação de simular um confronto e depois matar a vítima.

Iniciativa

O ouvidor Dantas disse que esses dois procedimentos são comuns no exterior e já vinham sendo defendidos pela Ouvidoria desde 2009. Uma fonte na Secretaria de Segurança afirmou que Grella consultou, além da Ouvidoria, uma série de especialistas em segurança e policiais experientes para tomar sua decisão.

“As ações do novo secretário são valentes, importantes e começam a colocar um freio na PM”, afirmou Fuchs.

Porém, segundo ele, sozinhas elas não resolvem o problema da letalidade da corporação ou o conflito com o PCC. Fuchs afirma que ainda será preciso fazer muitos investimentos nos setores de investigação de homicídios – com investimentos principalmente na área de pesquisa e tecnologia para a perícia. A ideia é esclarecer mais casos e diminuir a impunidade.

Novas propostas

Dantas elogiou a determinação do novo secretário e disse que agora pretende apresentar à pasta novas medidas para dificultar o abuso de direitos humanos praticado por maus policiais.

Uma delas deve ser a instalação de um sistema integrado de câmeras de segurança e GPS (sistema de posicionamento global por satélite) nos carros de polícia. A ideia é monitorar o tempo todo a conduta dos policiais, para evitar abusos.

Outra medida defendida por ele é que uma comissão de especialistas de universidades façam avaliações psicológicas em todos os policiais que atuarem em casos que envolvam mortes. Esses analistas decidirão se o policial tem condições ou não de voltar a trabalhar nas ruas.

Dantas defende ainda que o Estado pague indenizações para familiares de vítimas mortas por policiais. A ideia é forçar o governo a aumentar a repressão aos desvios de conduta dos agentes da lei para evitar os pesados gastos com indenizações.

Ele diz porém, que tais medidas não serão totalmente efetivas se não forem acompanhadas por aumentos salariais para os policiais – que precisam ser valorizados e ter condições de parar de fazer bicos nos horários de folga.

Insegurança aumenta e 91% acham pouco seguro viver em São Paulo 32

17 de Janeiro de 2013

Marina Novaes

Direto de São Paulo

O aumento da criminalidade em São Paulo, registrado nos últimos meses, fez com que a sensação de insegurança do paulistano atingisse seu maior nível desde 2008. De acordo com pesquisa Ibope encomendada pela Rede Nossa São Paulo (ONG criada para buscar melhorias para a capital paulista), divulgada nesta quinta-feira, 91% dos entrevistados consideram pouco ou nada seguro viver na capital paulista – em 2008, eram 87%, sendo que o menor índice foi em 2010 (84%).

O dado faz parte dos Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município (Irbem), que avalia anualmente vários aspectos que impactam sobre a qualidade de vida dos moradores da maior capital do país. Segundo o coordenador executivo da organização não governamental, Maurício Broinzi Pereira, o grau de satisfação com a segurança foi o que caiu, em um ranking que avalia 25 aspectos.

“A pesquisa captou o momento que São Paulo vive. O resultado reflete os impactos dos acontecimentos dos últimos meses”, avaliou o coordenador executivo. Ao todo, 46% classificaram a capital paulista como “pouco segura” e outros 45% a avaliaram como “nada segura” – no ano anterior, esse índice era de 35%. Apenas 9% dos entrevistados disseram se sentir seguros, sendo que a opção “muito segura” não passou de 0%.

Questionados sobre do que mais têm medo, 71% dos entrevistados responderam a “violência em geral”; 63% disseram temer “roubos e assaltos” e 41% afirmaram ter medo de “sair à noite”. Já ao serem questionados sobre quais medidas deveriam ser feitas para diminuir a violência, a resposta mais citada foi “combater a corrupção na polícia e nos presídios”, seguida por “criar oportunidades de trabalho para jovens de baixa renda” e “aumentar o número de policiais nas ruas”.

O aumento da sensação de insegurança e a crescente onda de crimes e assassinatos no Estado motivaram a ONG a elaborar um manifesto, entregue ao prefeito Fernando Haddad (PT), pedindo o combate à violência “na raiz de suas causas”. Embora o texto aborde a relação entre a Polícia Militar (e outros órgãos de segurança) e a sociedade, o manifesto foca o debate na geração de oportunidades de educação e trabalho e na falta de estruturas de lazer, cultura e esporte na periferia o que, na avaliação do movimento, são a “base” do problema.

“As periferias de São Paulo sofrem com um total vazio de equipamentos culturais, lazer e de educação, principalmente do ensino médio, e com a falta de oportunidades de trabalho. (…) Mais de 250 mil jovens entre 15 e 19 anos estão fora do ensino médio, e o índice de desemprego entre 15 e 24 anos é elevado. (…) Isso é a base do problema. O que nós propomos são medidas – de curto, médio e longo prazo -, para enfrentar a violência na raiz de suas causas, e não focar só no combate à criminalidade, para que os jovens tenham mais alternativas que não sejam o crime”, explicou o coordenador executivo da ONG.

A Rede Nossa São Paulo já solicitou ao governo de São Paulo e ao Ministério da Justiça audiências com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o ministro José Eduardo Cardozo para entregar o mesmo manifesto e discutir outras ações para reduzir a violência no Estado.

Vontade de mudar A amostra também revela que piorou, de modo geral, a percepção dos paulistanos em relação à qualidade de vida. Ao todo, apenas 38% disseram que a vida melhorou pouco – no ano anterior, esse percentual era de 44%. Mais da metade (56%) ainda afirmou que, se tivesse oportunidade, sairia de São Paulo – esse índice vem se mantendo estável.

Ao todo, oito em cada 10 paulistanos estão insatisfeitos com a qualidade de vida na cidade – o maior índice pior desde 2009. Dos 169 itens avaliados, 28 receberam nota acima da média, dois deles estão na média e 139 ficaram abaixo da média, segundo a pesquisa.

Também diminuiu a satisfação dos paulistanos em relação à saúde. Um dos pontos mais críticos foi em relação ao tempo de espera para consultas e exames nos serviços públicos: para consultas, o tempo de espera passou de 52 para 66 dias; para exames, de 65 para 86 dias; para procedimentos mais complexos (internações e intervenções cirúrgicas), de 146 para 178 dias.

O levantamento também mediu a satisfação com a gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), sendo que 17% consideraram a administração municipal ótima ou boa; 48% a avaliaram como regular e 35% a consideraram ruim ou péssima. A Câmara Municipal também foi mal avaliada: 46% a avaliaram como ruim ou péssima, 39% como regular e apenas 11% como ótima ou boa.

O instituto ouviu 1.512 moradores de São Paulo entre os dias 24 de novembro e 8 de dezembro de 2012. Ao todo, 58% dos entrevistados nasceram em São Paulo e, dos 42% que não nasceram, 82% moram há mais de 10 anos na cidade. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos