NÁDIA GUERLENDA DE BRASÍLIA
Atualizado às 15h37.
A comissão de juristas que discute a reforma do Código Penal no Senado aprovou nesta segunda-feira (28) incluir na lista de sugestões que será enviada ao Congresso a descriminalização do uso de drogas.
As propostas da comissão, consolidadas, devem ser encaminhadas até o final de junho. Apenas após votação nas duas Casas as sugestões viram lei.
Atualmente o uso de drogas é crime, porém não é punido com prisão. O texto aprovado pela comissão deixa de classificar como crime o uso de qualquer droga, assim como a compra, porte ou depósito para consumo próprio.
A autora da proposta, a defensora pública Juliana Belloque, afirmou que se baseou na tendência mundial de descriminalização do uso e na necessidade de diminuir o número de prisões equivocadas de usuários pelo crime de tráfico.
Ela citou reportagem publicada pela Folha ( abaixo ) que apontou um crescimento desproporcional do aprisionamento de acusados de tráfico desde 2006, quando entrou em vigor a atual lei de drogas: enquanto as taxas de presos por outros crimes cresceram entre 30% e 35%, o número de punidos por tráfico aumentou 110%. A alta se explica, de acordo com especialistas, pela confusão entre usuário e traficante.
A comissão aprovou uma exceção em que o uso de drogas será crime: quando ele ocorrer na presença de crianças ou adolescentes ou nas proximidades de escolas e outros locais com concentração de crianças e adolescentes.
Nesse caso, as penas seriam aquelas aplicadas atualmente ao uso comum: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e o comparecimento obrigatório a programa ou curso educativo.
Para diferenciar o usuário do traficante, os juristas estabeleceram a quantidade máxima de droga a ser encontrada com o acusado: o equivalente a cinco dias de uso. Como a quantidade média diária varia conforme a droga, o texto estabelece que serão utilizadas as definições da Anvisa.
A comissão também aprovou a diminuição da pena máxima para o preso por tráfico. Hoje são 5 a 15 anos de prisão e a proposta estabelece 5 a 10.
Dos nove juristas presentes de um total de 15 da comissão, apenas o relator, o procurador da República Luiz Carlos Gonçalves, votou contra a descriminalização.
Para ele, o fato de o usuário não ser punido acabará estimulando que ele seja considerado pela polícia e pela Justiça um traficante, o que aumentaria o encarceramento – exatamente o efeito contrário que a comissão pretende atingir.
FOLHA.COM
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Tráfico é motivo de 24% das prisões no país
Índice registrado em dezembro do ano passado é o maior desde 2005, quando dados começaram a ser computados
Rigor do Judiciário está entre fatores que levam cada vez mais pessoas à cadeia por ligação com o comércio de drogas
AFONSO BENITES DE SÃO PAULO
De cada quatro presidiários do Brasil um está detido por tráfico de drogas. O índice registrado em dezembro do ano passado é o maior desde o ano de 2005, quando os dados do Departamento Penitenciário Nacional começaram a ser disponibilizados.
Naquele ano, um a cada dez presos tinha sido detido por traficar drogas. O cálculo, feito pela Folha baseado nos relatórios estatísticos do Depen, inclui os presos condenados e sem julgamento.
Vários fatores explicam esse aumento, dizem especialistas. Entre eles estão a instituição da Lei de Drogas no ano de 2006, o rigor do Judiciário e da polícia na combate ao tráfico e o elevado número de presos provisórios que não podiam responder aos processos em liberdade.
Uma pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP constatou que 88% dos detidos por tráfico entre novembro de 2010 e janeiro de 2011 na cidade de São Paulo responderam aos seus processos encarcerados.
Anteontem, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o trecho da lei que impedia os suspeitos de tráfico a responderem as acusações livres. Agora, suspeitos de tráfico poderão aguardar o julgamento em liberdade, desde que o juiz autorize.
DESPROPORCIONAL
Conforme os números do Depen, enquanto a população carcerária como um todo aumentou 1,7 vez (de 294 mil para 514 mil) entre os anos de 2005 e 2011, a quantidade de presos por tráfico cresceu quase quatro vezes (de 32 mil para 125 mil).
Com isso, pela primeira vez, o percentual de presos por tráfico se aproxima do de presos por roubo no país.
Para o presidente da Academia Paulista de Direito Criminal, Romualdo Calvo Filho, o aumento de traficantes presos ocorreu porque se ganha mais dinheiro traficando drogas do que roubando.
“O tráfico é um crime ‘light’ porque não tem violência. Ao contrário do roubo, que o criminoso corre mais riscos e ganha menos”, disse.
Ex-diretor do Denarc (departamento de narcóticos de São Paulo), Marco Antonio de Paula Santos diz que a mudança no perfil dos presos pode ter relação com a melhora das investigações e com a expansão do narcotráfico.
“Ladrões de banco e sequestradores acabaram migrando para o tráfico porque ele é menos arriscado e muito mais vantajoso”, disse.
Já o coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Renato De Vitto, diz que o motivo é o excesso de encarceramento.
“Prender por tráfico é uma tendências internacional. Os países seguem a linha dos EUA e acabam prendendo mais do que precisa. No Brasil, isso influenciou no surgimento de facções criminosas”, afirmou.
MULHERES
Um dado que chama atenção é que a metade das mulheres que estão presas foram detidas por tráfico. O motivo, segundo policiais, é que elas são usadas pelos companheiros para transportarem a droga, e acabam sendo pegas.
Com a maior população carcerária do país, São Paulo é um dos Estados que mais prendem por tráfico. Quase 30% dos 180 mil presoss estão detidos por esse motivo.
