Herança, a disputa após a perda 1

08/01/2012 às 10:32:34 – Atualizado em 08/01/2012 às 10:41:49

Ainda sob o efeito da dor de perder um  parente, muitas famílias precisam enfrentar uma batalha judicial para  dispor dos bens deixados pela pessoa falecida. Ao longo de 2011, a  disputa por herança foi tema recorrente no Superior Tribunal de Justiça,  principalmente na Terceira e Quarta Turma, especializadas em direito  privado.
De acordo com as regras do direito das sucessões,  expressas no Livro V do Código Civil (CC) de 2002, quando uma pessoa  morre sem deixar testamento, a herança é transmitida aos herdeiros  legítimos. Os artigos 1.845 e 1.846 estabelecem que são herdeiros  necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Pertence a  essas pessoas, de forma obrigatória, metade dos bens da herança. Ou  seja, havendo herdeiros necessários, a pessoa só pode doar a outros  herdeiros metade do seu patrimônio.
Outro dispositivo que merece  destaque é o artigo 1.790, que trata da companheira ou companheiro em  união estável. Essa pessoa participa da sucessão do outro. Se houver  filhos em comum do casal, o que sobrevive terá direito a uma cota  equivalente à que for atribuída ao filho por lei. Se os filhos forem  apenas do autor da herança, o companheiro terá metade do que couber a  cada descendente. Caso a concorrência seja com outros parentes  sucessíveis, o direito será a um terço da herança; e na ausência desses  parentes, o companheiro ficará com a totalidade dos bens.
Herdeiros colaterais Em  outubro de 2011, a Terceira Turma julgou a destinação de herança cuja  autora não tinha descendente, ascendente nem cônjuge. O artigo 1.839  determina que nessas hipóteses, os herdeiros serão os colaterais até  quarto grau. No caso, os irmãos da falecida também já estavam mortos.
A  herança ficou, então, para os sobrinhos, colaterais de terceiro grau,  que apresentaram um plano de partilha amigável e incluíram uma  sobrinha-neta, filha de um sobrinho já falecido. Com base no artigo  1.613 do CC de 1916, segundo o qual os colaterais mais próximos excluem  os mais remotos, o juiz de primeiro grau excluiu a sobrinha-neta da  partilha. No CC de 2002, a regra foi reproduzida no artigo 1.840.
A  decisão foi mantida em segundo grau, o que motivou recurso da excluída  ao STJ. Alegou que era herdeira por representação de seu pai, que, se  fosse vivo, participaria da herança. Ela invocou a ressalva do artigo  1.613, que concede direito de representação aos filhos de irmão do autor  da herança.
O recurso foi negado. A relatora, ministra Nancy  Andrighi, destacou que, por expressa disposição legal, o direito de  representação na sucessão colateral está limitado aos filhos dos irmãos,  não se estendendo aos sobrinhos-netos (REsp 1.064.363).
De  acordo com o artigo 1.844, na falta de parente sucessível ou renúncia à  herança, ela ficará nos cofres do município onde estiver. Caso esteja em  território federal, ficará com a União.
União estável
A  Quarta Turma deu provimento a recurso especial para excluir irmão de  mulher falecida do inventário como herdeiro. O autor do recurso é o  companheiro da autora da herança, que alegou ter convivido em união  estável com a falecida por mais de 20 anos, tendo construído com ela  patrimônio comum.
A justiça do Rio de Janeiro considerou que não  existia documento capaz de comprovar a relação familiar entre o  recorrente e a falecida. Por isso, deferiu a habilitação do irmão,  parente colateral, como herdeiro. A mulher não deixou descendente ou  ascendente. Importante ressaltar que a sucessão foi aberta ainda na  vigência do CC de 1916.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão,  observou que a união estável foi reconhecida judicialmente, ainda que  após a interposição do recurso especial. Segundo ele, em sucessão aberta  antes do CC de 2002, aplica-se o disposto no art. 2º, inciso III, da  Lei 8.971/94, o que garantiu ao companheiro a totalidade da herança  (REsp 704.637).
Única moradia
Quando o  casal adota regime de separação total de bens e o proprietário do imóvel  em que residem morre, como fica a pessoa que sobrevive? O STJ entende  que ela deve continuar residindo no local, mesmo que não tenha direito à  herança.
O entendimento foi adotado no julgamento de um recurso  especial em que as filhas do dono do imóvel tentavam retirar a segunda  esposa do pai do apartamento que tinham herdado. O bem também é parte da  herança da mãe delas. No recurso ao STJ, elas alegaram que a segunda  esposa do pai não teria direito real de habitação sobre o imóvel, porque  era casada sob o regime de separação total de bens.
O ministro  Sidnei Beneti, relator, explicou que o CC de 2002, no artigo 1.831,  garante ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens e  sem prejuízo do que lhe caiba por herança, o direito real de habitação  sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que ele seja o  único a ser inventariado. Mesmo antes do novo código, a Lei 9.278/96 já  havia conferido direito equivalente às pessoas ligadas pela união  estável (REsp 821.660).
Antes da partilha

Ao  falecer, a pessoa deixa um conjunto de bens, rendimentos, direitos e  obrigações, o chamado espólio. Antes da partilha dos bens, é preciso  fazer um inventário, que é descrição detalhada do patrimônio deixado. De  acordo com o artigo 1.997, a herança responde pelo pagamento das  dívidas do falecido. Feita a partilha, os herdeiros respondem, cada um,  na proporção da parte que lhe coube na herança.
Enquanto não há  individualização da cota pertencente a cada herdeiro, ou seja, a  partilha, o espólio assume a legitimidade para demandar e ser demandado  nas ações judiciais em que o falecido, se fosse vivo, integraria o polo  ativo ou passivo. Quando a pessoa falecida deixa dívidas, é comum o  ajuizamento de ação de cobrança contra o espólio.
Também em  outubro passado, a Terceira Turma julgou recurso do Banco do Estado do  Rio Grande do Sul S/A (Branrisul), que ajuizou ação de cobrança contra  um espólio, citado na pessoa da viúva. O banco pretendia receber R$ 5  mil decorrentes de dois empréstimos contratados pelo autor da herança.
O  processo foi extinto sem julgamento de mérito por decisões de primeira e  segunda instância. Os magistrados da Justiça gaúcha consideraram que a  falta de abertura do inventário do falecido, sem a definição do  inventariante (responsável pela administração dos bens), todos os  herdeiros devem ser citados, e não apenas a viúva.
Mas não é  esse o entendimento do STJ. Relator do recurso do banco, o ministro  Massami Uyeda apontou que a inexistência de inventariante não faz dos  herdeiros, individualmente considerados, parte legítima para responder a  ação de cobrança. Isso porque, enquanto não há partilha, é a herança  que responde por eventual obrigação deixada pelo falecido e é do espólio  a legitimidade passiva para integrar o processo.
Uyeda afirmou  também que o espólio e o inventariante não se confundem, sendo o  primeiro parte na ação e o segundo, o representante processual. O  relator aplicou a regra do artigo 1.797, segundo o qual, até o  compromisso do inventariante, a administração da herança caberá,  sucessivamente, ao cônjuge ou companheiro, ao herdeiro mais velho que  estiver na posse e administração dos bens, ao testamenteiro ou a pessoa  de confiança do juiz. Por isso, a Turma deu provimento ao recurso para  dar seguimento à ação contra o espólio, na qual a viúva foi citada (REsp  1.125.510).
Universalidade da herança

O  artigo 1.784 do CC estabelece que o patrimônio deixado pelo falecido  transmite-se, desde a morte, aos herdeiros legais ou apontados em  testamento. É a adoção pelo direito brasileiro do princípio da saisine. Desta forma, o patrimônio deixado não fica sem titular em momento algum.
Já  o artigo 1.791 define que a herança é um todo unitário, ainda que  existam vários herdeiros. Até a partilha, o direito dos herdeiros é  indivisível e obedece às normas relativas ao condomínio, que é formado  com a abertura da sucessão.
Com base nesses dois dispositivos, a  Terceira Turma entendeu que um único herdeiro tem legitimidade para  reivindicar individualmente, mesmo sem a participação dos demais  herdeiros na ação, bem comum que esteja indevidamente em poder de  terceiros.
O relator, ministro Massami Uyeda, afirmou que “o  espólio é representado em juízo pelo inventariante. Todavia, tal  legitimação não exclui, nas hipóteses em que ainda não se verificou a  partilha, a legitimidade de cada herdeiro vindicar em juízo os bens  recebidos a título de herança. Trata-se, pois, de legitimação  concorrente”. O julgamento reformou decisão da justiça de Minas Gerais,  que entendeu pela ilegitimidade da herdeira para propor a ação (REsp  1.192.027).
Deserdação
Os herdeiros  necessários podem ser excluídos da sucessão ou deserdados, mas não é tão  simples. Os casos em que isso pode ocorrer estão expressamente  previstos no Código Civil. O artigo 1.814 estabelece que serão excluídos  da sucessão os herdeiros que tiverem sido autores, co-autores ou  participantes de homicídio contra o autor da herança, seu cônjuge,  companheiro, ascendente ou descendente.
Também será excluído  quem tiver acusado caluniosamente, em juízo, o autor da herança ou  praticar crime contra sua honra, do seu cônjuge ou companheiro. O mesmo  vale para quem usar de violência ou fraude para impedir a livre  disposição dos bens por ato de última vontade do dono do patrimônio.
Já  a deserdação pode ocorrer quando o descendente praticar contra o  ascendente ofensa física, injúria grave, relações íntimas com a madrasta  ou padrasto ou desamparo perante alienação mental ou doença grave.
Com  base nessas regras, um homem ajuizou ação de deserdação contra o irmão,  alegando que o pai deles teria manifestado em testamento o desejo de  excluir aquele filho da sucessão de seus bens. Isso porque ele o teria  caluniado e injuriado nos autos do inventário da esposa. O pedido foi  negado em primeiro e segundo grau.
No recurso ao STJ, o autor da  ação alegou que, para configurar a denunciação caluniosa, não é  necessária a existência de ação penal. Argumentou que a propositura de  ação de interdição infundada seria injúria grave.
Seguindo o  voto do relator, ministro Massami Uyeda, a Terceira Turma também negou o  pedido. Para os ministros, o ajuizamento de ação de interdição e o  pedido de remoção do pai como inventariante da mãe são, na verdade, o  exercício de regular direito garantido pela legislação. Por isso, esses  atos não podem justificar a deserdação (REsp 1.185.122).

(Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ)

Um Comentário

  1. Boa Tarde!

    Senhoras e Senhores.

    Quando ocorre falecimento de alguém que foi possuidor de muito dinheiro, títulos e propriedades, seus pretensos herdeiros que na maioria das vezes muitos, jamais ouviram falar ou muitas vezes ninguém jamais os viu ou os conheceu, definitivamente, gera-se muitos conflitos, chegando a existir a necessidade de provar-se através de documentos o vínculo de consangüinidade ou afinidades.

    Lembro-me vagamente de uma história que teria acontecido na época do Império, onde uma nobre personalidade possuía muito dinheiro, tinha títulos e muitas propriedades. Seu nome de Família era “CORREA” e naquela época este Barão ou Comendador Correa não era casado e não tinha filhos. Possuía muita afinidade com a Família Imperial. Este em vida já imaginando a briga dos irmãos e descendentes destes, em tempo registra um testamento e declina a quem deveria ser dividida e a cada qual realmente caberia cada percentual da herança.

    Com o falecimento do milionário “Correa”, seus herdeiros imediatamente se apresentaram. E tamanho foi à surpresa, o testamenteiro devidamente habilitado ao começar a pronunciar o desejo do falecido, percebe tamanha revolta dos herdeiros. E os Senhores sabem me informar qual foi o teor deste testamento?

    Pois bem, o Barão ou Comendador Correa em vida, já prevendo as eventuais discórdias, redige seu testamento e nele discorre que todo o seu patrimônio, tão logo à sua morte, deveria ficar a título de depositários somente aos escravos alforriados e somente teria direitos os herdeiros de seus irmãos, depois da quinta geração. Diante disto criou-se uma confusão generalizada. Hoje ainda ouvimos resquícios desta história em jornais e de suas Famílias brigando por uma fatia deste enorme patrimônio que com certeza já se perdeu no tempo. Suas Famílias ainda têm o dissabor de brigar com outros supostos pretendentes, que ostentam o nome “Correa e Correia”. Muitos ainda proclamam que estes desacertos de registros deram-se por puro e exclusivo erro de registro em cartório.

    Vai entender o ser humano. E vai entender também a revolta do falecido com relação aos parentes. Se numa situação normal já é difícil se entender, imagine se passados mais de cem anos.

    Caronte.

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