Dr. Guerra,
Desculpe-me pelo texto exageradamente longo. Falta-me boa capacidade de síntese. Mas o tema que abordo abaixo, acho valer a pena para o bom debate!
Favorecimento de delegados de polícia pela Corregedoria da Polícia e o Secretário de Segurança.
Começo a dizer, a respeito desse tema, que acho que não se deve restringir essa questão à gestão do atual Secretário de Segurança Pública, porquanto não sou daqueles que entendem que o acobertamento e até o estimulo a irregularidades sejam decorrência apenas da forma específica de gerenciamento do Dr. ANTONIO FERREIRA PINTO. Pois, na minha percepção, irregularidades e ilicitudes já ocorriam antes e continuam a ocorrer hoje, diariamente, aos olhos omissivos, inocentes ou cegos de todos, inclusive dele e de todas as instituições – até mesmo do próprio Governador do Estado. E tudo como se fossem coisas lícitas, legais e perfeitamente normais no serviço público estadual e albergadas por nossa legislação!
Isto é, que não se deve olvidar que favorecimentos já ocorriam! E eu que o diga, como vítima viva disso!
Claro que cada um de nós deve conhecer ao menos um fato específico. Mas como as provas são sempre difíceis de serem apresentadas, vou citar aqui, exemplificativamente, um ocorrido comigo, em 2003, por me parecer ser bastante emblemático da desfaçatez gerencial que nos assola, tudo para o acobertamento (doloso, culposo ou inocente ou ingênuo) de gravíssimas irregularidades cometidas por delegados de classe superior, no caso do então Diretor do DEINTER-2 e um de seus à época divisionário.
Naquela ocasião o Secretário de Segurança Pública era o hoje Secretário dos Transportes, Dr. Saulo de Castro Abreu filho, que apoiou pronta, cega e incondicionalmente toda uma articulação hierárquica condescendente para punição deste subscritor e para o abafamento do caso. E apenas por que somente reagi, cumprindo o meu indeclinável dever de não condescender com condutas ilícitas, às gravíssimas irregularidades cometidas por referidas autoridades na remoção de carcereiros da antiga Cadeia Pública 11 (hoje, o CDP de Americana), representando contra ambos, vez que o fazerem coagindo e ameaçado escandalosamente esses policiais para obrigá-los a assinarem os respectivos requerimentos de transferência e para tomarem posse imediatamente em municípios bem distantes, quando na verdade deveriam materializar essas transferência através de atos da iniciativa da própria administração, fundamentando-os no interesse público e policial, portanto, sem dependerem de quaisquer requerimentos, bem como esperarem, ao menos, a publicação dos atos no Diário Oficial para que cada pudesse assumir seus cargos, tal como estabelece a legislação.
Na época, através de uma descabida instauração de um processo administrativo disciplinar buscaram, pasmem, a minha demissão somente por eu ser autor dessa representação e por terem ficado indignados pelo fato de que o caso havia se tornado público através de reportagens pela mídia. Me a reportagem dizendo que eu havia me recusado a falar a respeito, para proteger os malfeitores, fui acusado, sem qualquer prova nesse sentido, de haver dado entrevista a respeito, e transferiram-me compulsoriamente para São José dos Campos, tudo com o conhecimento e endosso secretarial. Claro que naturalmente dissimulando o ato de remoção no interesse do serviço policial, tirando-me portanto do 2º DP de Americana, unidade de 2ª classe, e jogando-me no Plantão Policial Sul de São José dos Campos, em grave e manifesta ofensa ao verdadeiro interesse público e à própria legislação, posto que para isso precisaram substituir-me na minha unidade de origem, que era e é de 2ª classe, por um delegado de 4ª classe! E ao mesmo tempo que mantinham e mantiveram delegados de 4ª e 3ª classes em unidades policiais de São José dos Campos, em 2ª e em 1ª classes, grave violação do interesse público, senão até com improbidade administrativa.
Assim, não bastasse a indiscutível mendacidade das alegações e justificativas usadas na época, não hesitaram sequer em afrontar textualmente o disposto no art. 32, da Lei complementar nº 207/79 (“Artigo 32 – O Delegado de Polícia só poderá chefiar unidade ou serviço de categoria correspondente à sua classe, ou em caso excepcional, à classe imediatamente superior)”. E para não passarem atestado do absurdo comigo praticado, coonestando-o inclusive, o então Secretario Saulo puniu-me ao fim do processo administrativo, com pena de advertência como se eu tivesse praticado, em algum momento, algum ato ilícito.
Ou seja, puniram severa e exemplarmente o denunciante, apenas para blindar e favorecer os verdadeiros infratores, pela grande e gravíssima ousadia de minha parte em ter representado contra tão importantes autoridades. E responsável mor por essa proeza, que penso merecer ficar nos anais do governo do estado, continuou e ainda é, hoje, o importante secretário de estado, agora na pasta dos transportes.
E acho que porque não havia mesmo como justificar fática e juridicamente a minha punição, então o Secretário Saulo – pasmem outra vez! -, não cuidou de demonstrar ao menos, seja em qualquer dos pareceres antecedentes e ou em qualquer das provas dos autos, no que exatamente teria consistido a minha conduta supostamente infracional justificadora de sua decisão. Aliás, à exemplo dos relatórios e pareceres precedentes, também não cuidou sequer de rebater qualquer das minhas teses de defesa, de modo que ele pudesse, ao menos, dar a aparência de minimamente amparada ou justificada a reprimenda disciplinar aplicada.
E não foi só! A despeito das provas documentais e testemunhas juntadas e noticiadas pela imprensa, inclusive declarações dos carcereiros coagidos, asseverando a coação e as ameaças hierárquicas, sequer teria cuidado de ao menos cobrar ou responsabilizar a Delegacia Geral de Polícia e a Corregedoria da Polícia Civil pela não instauração, ao menos, de algum procedimento de investigação contra os Diretores acusados, preferindo mante-los, garbosamente, no mesmo cargo até a aposentadoria compulsória do Diretor do DEINTER-2, um ou dois anos depois!
Assim, é por conta ou como decorrência dessa forma que entendo acumpliciada de gerenciamento e muito arraigada nos altos escalões hierárquicos, que continuo até hoje, mesmo sendo delegado de 2ª classe há mais de quinze anos, e mesmo havendo sabida falta de delegados de 2ª classe em São José dos Campos, para onde fui na época transferido, e em várias outras cidades do estado, amargando há mais de oito longos anos a verdadeira e mais grave pena já aplicada a um delegado de polícia, qual seja a condenação de ser, pelo resto da carreira, somente um reles e perpétuo plantonista daquela cidade, para cuja função poderiam perfeitamente ser escalados delegados de quaisquer classes inferiores (5ª, 4ª e 3ª). E ao mesmo tempo em que, diariamente, um festival de autorizações em classe superiores, inclusive na 2ª classe, são concedidas e publicadas a outros, ou que acúmulos de titularidades de unidades são distribuídos para o aumento de salário, sobretudo aos protegidos e apaniguados dos gestores, com ônus real e desnecessário aos contribuintes, conforme é fácil se perceber pelo próprio Diário Oficial do Estado, inclusive na cidade de São José dos Campos.
Mas, como o objeto deste artigo não é esse fato, que ora menciono apenas em reforço à minha tese aqui esposada, maiores detalhes ficarão, quem sabe para um artigo futuro, ou uma nova representação, já em fase de estudo, bem como para pesquisas nos autos de PA ou na ação ajuizada e em andamento perante a 9ª Vara da Fazenda Pública Estadual (proc. nº 0120645-17.2008.8.26.0053 – 053.08.120645-8).
Portanto, voltando ao tema central deste artigo, preciso dizer que me espanta muito a sociedade não se dar conta de que os mais graves e mais sérios problemas na Polícia Civil de São Paulo são decorrentes muito menos dos defeitos pessoais e individuais de cada dirigente e muito mais dessa forma já eternizada e acumpliciada de se dirigi-la, onde as regras contidas na legislação tem tão pouco ou nenhum valor quando confrontadas com a opinião ou a vontade pessoal e soberana de cada dirigente de plantão, sobretudo quando do próprio Secretário de Segurança! E que reside exatamente nesse formato de gestão pública a maior e mais grave forma de contaminação de nossa instituição, na medida em que ele acaba sendo naturalmente aplicado do mais alto ao mais baixo escalão. Também, que é isso que propicia e cultiva o nefasto hábito das autoridades de realçarem bem mais a compreensão do seu superior sobre o fato ou sobre a decisão a ser tomada do que propriamente o seu verdadeiro entendimento jurídico sobre o preconizado em nossa legislação!
Aliás, a minha compreensão é a de que os Secretários de Segurança costumam agir sistematicamente nessa contramão (uns mais, outros menos, mas, sobretudo o atual!), portando-se sempre como verdadeiros deuses ou semi-deuses perante seus diretos subordinados da Polícia Civil, quando não decidindo com as mãos dos delegados de polícia que lhe são diretamente subordinados, ou influindo e interferindo diretamente em decisões e atos de competência exclusiva destes. E que é exatamente por isso que essa mesma cultura acaba sendo adotada e solidificada em toda a linha hierárquica, num efeito dominó extremamente perverso e com todas as consequências funestas decorrentes, uma vez que os delegados de polícia são e devem ser subordinados diretamente à legislação – e só a legislação -, tomando-a exclusivamente como parâmetro de suas ações e decisões!
E sou de opinião de que se os últimos Secretários de Segurança tivessem agido realmente apenas dentro do que preconiza e lhe confere a legislação em seus relacionamentos com a Polícia Civil, que isso naturalmente a teria obrigado em toda sua hierarquia, fazendo-a bem melhor. Poia a teria imposto, em conseqüência, a mesma cultura em relação às autoridades policiais subordinadas, que se veriam compelidas a igual modo de gerenciamento junto a seus respectivos subalternos, assegurando assim a cultura da prática dos atos administrativos somente dentro dos balizamentos exigidos para a administração publica (arts. 37, da Constituição Federal, e 4º e 111, da Constituição Estadual, e, em especial, a Lei Estadual nº 10.177/98).
Daí a razão pela qual tenho como crucial se compreender que a Polícia Civil, diferentemente da sua co-irmã, não pode continuar sendo gerida como uma instituição militar, a começar por sua grande estrutura verticalizada de hierarquia. E que é urgente deixar-se de se impor e se cobrar dos delgados de polícia obediência hierárquica cega, tal como não se pode exigir nem mesmo de militares comandados, principalmente através do assédio que se faz através das constantes transferências, mudanças de cargos e movimentação de pessoal, cujo escopo final é sempre, ocultamente, o da obtenção da fidelidade incondicional nas vontades gerenciais não escritas ou que não podem ser documentadas, sobretudo porque o parâmetro das ações de um delegado de polícia precisa ser somente às regras contidas na legislação vigente e não às orientações ou recomendações e quiçá aos pedidos e exigências extra-autos que lhes possam ser passados!
A rigor, tenho que a gênese de todos os nossos problemas, a começar pelo nível elevado de corrupção dentro de nossa instituição e da má remuneração que recebemos, está exatamente nesse formato distorcido de gerenciamento e para o qual entendo o Dr. ANTONIO FERREIRA PINTO estar contribuindo bem mais gravemente, superando inclusive seus antecessores. Pois embora paradoxal, o poder imperial que ele parece encarnar no combate à corrupção tem sido, em minha opinião, ao contrário do que ele estaria propalando, o que mais estaria estimulando e propiciando hoje a efetiva locupletação da corrupção, posto que reside exatamente nesse poder sub-reptício, não documentado, ou, quando muito, dissimulado em atos administrativos nulos ou eivados de nulidades, o que mais afasta as autoridades mais legalistas e afinadas com o verdadeiro interesse público dosmais importantes cargos. Ou seja, a verdadeira causa que mais marginaliza sempre as autoridades avessas às mazelas e que as exclui sistematicamente do verdadeiro centro de poder e de direção na polícia, justamente por serem também estas as que oferecem ou podem oferecer maior resistência a essa forma perniciosa de gerenciamento, e em face da enorme dificuldade do superior em conseguir seus objetivos escusos ou, ao menos, de domesticá-las ou de com elas conviverem pacificamente.
Também, que o reflexo disso é que o espaço que deveria ser ocupado por estas, acaba invariavelmente destinado às menos honradas ou menos afetas ao rigorismo da legislação, ou ao menos, às que não questionam az mazelas de gerenciamento. Faz com que com estas monopolizem listas de promoções por merecimento e às posições de maior destaque na instituição, constituindo-se em verdadeiro prêmio pelo desvio de conduta, ou até pelo simples fato de que são elas as que mais facilmente se adaptam a esse formato e ao discurso fácil e falacioso desse falso rigorismo no combate da corrupção já eternizada, ou na busca do resultado a qualquer custo, inclusive com a prática até de crimes e com o desrespeito às leis com esse objetivo, ao mesmo tempo que costumam ser também as que mais tomam decisões estimuladoras e favorecedoras das estruturas de corrupção.
Assim, independentemente da boa vontade ou do mérito da honradez do discurso do atual Secretário de Segurança, entendo que a sua gestão tem andando sim na contramão do que ele apregoa, e que ele está muito longe de prestar grandes serviços ao povo de São Paulo. Pois uma coisa são os discursos e a declaração de rigorismo no combate à corrupção, outra são os resultados por ele atingidos.
Ou o Dr. ANTONIO FERREIRA PINTO entende ao menos isso, ou ficará, no melhor das hipóteses, enxugando gelo enquanto responsável maior por prover a segurança pública no estado, quando não servindo, ao menos, de inocente útil para os gestores que apreciam e se deliciam dos frutos da corrupção. Pois não bastam suas boas intenções. É preciso ter a humildade ou a capacidade de perceber que, no essencial mesmo, a Polícia Civil não melhorou em absolutamente nada em sua gestão, se de fato se quiser aprimorá-la.
Também, que o que de fato aumentou teria sido apenas o seu marketing positivo e eficaz à frente de tão importante Secretaria, somente conseguido através do fato novo e diferente implantado com a avocação da corregedoria para o seu gabinete, e se ignorando o malefício que isso está também a causar no seio policial civil. Pois não se pode olvidar a compreensão mediana hoje existente no âmbito da Polícia Civil da vigência, na verdade, de uma espécie de terrorismo na apuração das infrações, e do aumento da insegurança que teria passado a existir a todos que, justa ou injustamente, estariam caindo nas malhas de suas apurações, principalmente pela convicção generalizada da parcialidade e da falta de isenção na condução dos processos e nos seus respectivos julgamentos, que estariam atendendo muito mais ao anseio do marketing pessoal do chefe da Pasta.
Compreender-se, portanto, que assim como antes, não estaria prevalecendo o que de fato se acha inscrito na legislação, mas principalmente o que mais pensa e deseja a hierarquia – por sinal, raramente a melhor hierarquia -, à qual logo e mais facilmente continuam se afinando sempre os mais envolvidos e comprometidos com as mazelas, irregularidades e, sobretudo, com a corrupção!
Mas, como a adoção dessa compreensão nos parece improvável, não consigo vislumbrar hoje real valor à sociedade no seu trabalho à frente de tão importante Secretaria.
É como penso! Pena que pareço ser a única pessoa que assim pensa!
WINDOR CLARO GOMES – Delegado de Polícia