Lobo não come lobo. É difícil para um corregedor começar a se rebelar contra seus colegas 9

‘Sou juíza que teme precisar da Justiça’

Recém-nomeada, a magistrada diz que o Judiciário está ‘100 anos atrasado’ e que espera combater a morosidade do sistema, da qual ela própria se diz vítima

30 de setembro de 2010 | 0h 00

Felipe Recondo / BRASÍLIA – O Estado de S.Paulo

ENTREVISTA

Substituta. A ministra Eliana Calmon durante entrevista ao 'Estado', em Brasília: mandato de dois anos no lugar de Gilson Dipp

Andre Dusek/AE

 

Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça
A nova corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, é uma vítima da morosidade do Judiciário brasileiro. Há quatro anos, após a morte de seu pai, ela espera que a Justiça conclua o inventário. Mas, como ela mesma define, este foi mais um caso que caiu nas “teias do Poder Judiciário”. Por isso, diz que prefere resolver seus problemas sem a intervenção da Justiça. “Eu sou uma magistrada que teme precisar da Justiça”, afirma.

Eliana é responsável por corrigir eventuais desvios dos magistrados e trabalhar justamente para que problemas como a morosidade se resolvam. Ela substitui o ministro Gilson Dipp e terá dois anos de mandato. Dentre os exemplos de morosidade do Judiciário, a ministra cita o julgamento da Lei da Ficha Limpa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que terminou empatado na semana passada. “Até esse projeto, que é sim uma reação à morosidade da Justiça, ficou parado nas teias do Judiciário.”

Que imagem a senhora tinha do Judiciário antes de chegar à corregedoria?

Eu sou uma crítica do Poder Judiciário. E seria uma incoerência não vir para a corregedoria num momento em que a vida me permitiu fazer alguma coisa para combater a burocracia que eu critico. Com dez dias apenas de atividade, estou vendo muito mais do que eu sabia. Eu sabia da disfunção, do atraso do Judiciário. Mas aqui tomei consciência de que não existem culpados específicos. Essa disfunção vem da disfunção estatal.

Por que isso ocorre?

Cada Estado tinha uma Justiça absolutamente independente. Eles se organizavam como queriam. Não havia controle das pessoas que organizavam a Justiça. A partir daí pudemos detectar que tínhamos 27 feudos. Tinham independência como Poder e são geridos por grupos de desembargadores que não se alternam no poder. Essas circunstâncias específicas do Poder Judiciário e que a lei estabeleceu (vitaliciedade e inamovibilidade dos magistrados) para dar maior garantia ao jurisdicionado começou a fazer mal ao próprio Judiciário.

Quem é prejudicado por isso?

Toda essa disfunção deságua nas mãos dos jurisdicionados com o atraso dos processos. Estamos 100 anos atrasados em tudo: nos prédios, nos funcionários, nas práticas de serviço público, na informática – ainda existem magistrados que não usam computador ou usam apenas como máquina de escrever. São essas práticas que levam a essa disfunção. E essa disfunção é de um tamanho inacreditável. Só em São Paulo temos 16 milhões de processos. E isso com um custo Brasil imenso. Quando se entra no Judiciário não se tem expectativa de quando se sai, quanto vai custar o processo.

Se for possível resolver uma pendência sem precisar da Justiça, a senhora prefere?

Com certeza. Hoje, eu sou uma magistrada que teme precisar da Justiça. Eu temo precisar da Justiça.

Isso é insolúvel?

Nada é insolúvel. Eu sou extremamente otimista. Agora, nós não resolveremos o Poder Judiciário com menos de 10 anos. Não resolveremos. Porque todos os controles da sociedade, e que estão nas mãos do Judiciário, estão com problemas.

Por exemplo?

A política carcerária. Nós temos problemas gravíssimos. Isso não é só do Judiciário. É do Executivo também. Pelo fato de o Executivo não realizar a política pública necessária, o juiz vai se desinteressando pelos presos pelos quais é responsável. O juiz virou um assinador de papel. Ele assina a carta de guia, manda o preso para a penitenciária e estamos encerrados. Ele não examina, não conduz, não acompanha.

Mas não é possível resolver isso mais rapidamente?

Eu acho que a Justiça só se resolve a longo prazo. Casos episódicos nós podemos resolver. Eu estou com um pedido para São Paulo de alguém que está há 24 anos na Justiça brigando com o irmão. E depois de ganhar em todas as instâncias, o processo chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde houve nada mais nada menos que seis embargos de declaração, recursos para que o processo não saísse de dentro do Supremo. Agora, a parte vencida molhou a mão do juiz para que a execução não se complete. Essa é a realidade.

Qual é o tamanho da corrupção do Judiciário?

Num momento em que se tem um órgão esfacelado do ponto de vista administrativo, de funcionalidade, de eficiência, temos um campo fértil para a corrupção. Começa-se a vender facilidades em razão das dificuldades do sistema. Para julgar um processo, às vezes um funcionário, para ajudar alguém, chega para o juiz e pergunta se ele pode julgar determinado processo. Aí vem um bilhetinho de um colega, eu mesmo faço a toda hora: “Na medida do possível dê um pedido de preferência para um baiano aflito que está querendo ser julgado.” Essas coisas começam a acontecer. E quem não tem amigo para fazer um bilhetinho para o juiz?

E como se acaba com a corrupção?

Acaba-se com a corrupção na medida em que se possa chegar às causas dessa corrupção. Parte disso é fruto da intimidade indecente entre o público e o privado, entre a atividade judicante e política e a interferência dos políticos nos tribunais. Só se acaba com a corrupção combatendo as causas, não as consequências. Punir os corruptos é como fazer uma barragem para ele não propagar seu comportamento deletério.

E as corregedorias dos Estados funcionam a contento para resolver esses problemas?

Não. Elas nunca funcionaram a contento. O corregedor local, sozinho, não pode fazer muita coisa. Como dizia Aliomar Baleeiro (ex-deputado e ex-ministro do STF): lobo não come lobo. É difícil para um corregedor começar a se rebelar contra seus colegas.

Alguns magistrados, agora no Tocantins, estão dando liminares contra a publicação de matérias contra políticos. O que a senhora acha disso?

Nós sabemos que a transparência é um dos princípios de toda democracia. A notícia naturalmente é benfazeja e está ligada à transparência de toda e qualquer atividade do Estado. A explicação para decisões nesse sentido só pode estar na tentativa de alguém proteger alguém. Eu acredito piamente nisso.

A Lei da Ficha Limpa, que prevê a inelegibilidade de políticos antes da condenação em última instância, é uma reação à morosidade da Justiça?

Sim. E parece que nós colocamos também a Ficha Limpa na morosidade da Justiça. É como se fosse uma teia de aranha. Até esse projeto, que é sim uma reação à morosidade da Justiça, ficou parado nas teias do Judiciário. A prova maior da disfunção do Judiciário está na tramitação desse projeto no Judiciário.

QUEM É

Eliana Calmon Alves nasceu em 5 de novembro de 1944 na capital baiana. Formou-se em direito pela Universidade Federal da Bahia em 1968. Foi juíza federal na seção Judiciária da Bahia no período entre 1979 e 1989 e juíza do Tribunal Regional Federal da 1ª região entre 1989 e 1999, Assumiu o cargo de ministra do Superior Tribunal de Justiça há 11 anos.

Um Comentário

  1. Que medo.

    Fonte: CONJUR

    Nos estados.

    Polícia Força Nacional investiga casos não resolvidos.

    A Polícia Judiciária na Força Nacional de Segurança Pública vai iniciar por Alagoas a investigação dos milhares de inquéritos sem solução no país. No estado, cerca de quatro mil inquéritos abertos antes de 2007 ainda estão sem uma definição. As informações são do portal UOL.

    A Força Nacional foi criada pelo Ministério da Justiça e é composta por 113 delegados e agentes civis. Esses profissionais vão auxiliar as ações da Polícia Judiciária dos estados para elucidar as causas, as circunstâncias, os motivos, a autoria e a materialidade dos inquéritos não solucionados.

    Segundo Paulo Rubim, secretário de estado da Defesa Social de Alagoas, os quatro mil casos são de homicídios que não tiveram seus autores encontrados. “Temos um número alto e nós fomos os primeiros a pedir essa força. Todo protocolo já foi cumprido, e esperamos receber a tropa no começo de novembro”, afirmou Rubim. Ele acredita na resolução de boa parte dos casos, embora muitos tenham mais de dez anos de existência.

    Poucos crimes solucionados
    Em entrevista ao UOL, o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, afirmou que um dos principais pontos que culminaram na criação da força foi o percentual de solução de crimes no Brasil, “que varia de 5% a 10%”. “Com a criação da força, a área de investigação criminal terá reforço, num investimento de cerca de 500 policiais civis que serão capacitados”, afirmou.

    Os policiais civis que formam a força foram enviados pelos estados e pelo Distrito Federal e foram treinados para atuar na investigação de casos que não chegaram à conclusão. A atuação da Polícia Judiciária acontecerá conforme solicitação dos estados e assinatura de convênio com a União.

    Funções
    Entre as funções da Força Nacional da Polícia Judiciária, destacam-se também auxiliar as ações de inteligência relacionadas às atividades de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, realizar atividades periciais e de identificação civil e criminal para colher e resguardar indícios ou provas da ocorrência de fatos ou de infração penal e apoiar as ações que visem à proteção de indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que promovem e protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais

    Curtir

  2. Ilustre Reporter Aço,

    Cá entre nós , não era sem tempo.
    Minha família (nobre, ressalto)sofre não só com a morosidade como também pela parcialidade,já que insurgiu contra obras estatais.

    Curtir

  3. AQUI EM SÃO PAULO OS JUÍZES PAULISTAS FIZERAM UMA RESOLUÇÃO OU QUALQUER COISA QUE O VALHA NA QUAL ELES NÃO PODEM SER INVESTIGADOS OU SEREM PRESOS. ISTO FOI DENUNCIADO PELO DELEGADO DO DEINTER-2, DR. CARLOS MARCHI QUEIROZ. COMO SE NÃO EXISTISSE CORRUPTO E VENDEDOR DE SENTENÇA E MAL INTECIONADOS NO TJSP. EU MESMO INDIRETAMENTE ESTOU SENDO VÍTIMA DE JUIZ INCOMPETENTE E QUE APÓIA CRIMINOSO MESMO VOCE DENUNCIANDO E COMPROVANDO A MÁ-FÉ E O CRIME COMETIDO, PREFEREM SE TRAVESTIR DE DEUSA THEMIS E COLOCAR A VENDA NOS OLHOS, E A PARTE QUE SE F…

    Curtir

  4. É um absurdo que juizes paulistas baixem normas para não serem investigados. E, tá cheio de juizes corruptos; travestidos de Deuses. Salvo excessão; quando a policia trabalha; desconsideram o trabalho; não muitas vezes absolvendo criminosos e ainda, requisitando sindicancia para prejudicar o policial.

    Curtir

  5. E se colocam à disposição dos grandes, e o Estado tucano,rasgam a CF, lei ,ora a lei .
    Deveriam ser investigados, julgados, e nada de aposentadoria,rua mesmo,pior que ser incompetente é ser venal.

    Curtir

  6. A MATÉRIA EM QUESTÃO ESTÁ NO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, A ALTERAÇÃO SE DEU EM 12/11/2009 FORAM ALTERADOS OS ARTIGOS 91,92,93 ESTE PROÍBE TERMINANTEMENTE, A CONDUÇÃO DO MAGISTRADO A QUALAQUER REPARTIÇÃO POLICIAL, CIVIL OU MILITAR, APÓS A PRISÃO-CAPTURA, CABENDO À PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL TORNAR DISPONÍVEL MEIO DE CONTATO IMEDIATO, COMUNICANDO O FATO ÀS AUTORIDADES COMPETENTES. ONDE MANTER CUSTODIADO O CAPTURADO DIANTE DO PRAZO FATAL DE 24 HORAS PARA A LAVRATURA DA PRISÃO-AUTUAÇÃO? O MESMO VALE SE O JUIZ ESTIVER DEVENDO PENSÃO ALIMENTÍCIA ( OS MANDADOS DEVEM VALER SÓ PARA OS DA RALÉ COMO NÓS ESTAMOS ACOSTUMADOS A CUMPRIR) . MAS O MELHOR É O ARTIGO 94 QUE SUJEITA A AUTORIDADE POLICIAL OU OS SEUS AGENTES A MEDIDAS DE RESPONSABILIZAÇÃO DISCIPLINAR E CRIMINAL ATRAVÉS DE PROVIDÊNCIAS DETERMINADAS PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ASSIM SENDO ESTÁ CRIADA NO JUDICIÁRIO PAULISTA A CLASSE DOS INTOCÁVEIS.

    Curtir

Os comentários estão desativados.