Boa Tarde.
Para que nossos compatriotas demitidos por procedimento irregular de natureza grave, vos deixo julgados de Portugal e Espanha, (Direito Comparado):
O Supremo Tribunal de Justiça de Portugal estabeleceu posição sólida sobre os elementos essenciais para a tipificação de uma infração disciplinar, como se verifica da seguinte ementa:
“-São elementos essenciais constitutivos de infração disciplinar: a) uma conduta do funcionário; b) a violação de algum dos deveres específicos; c) a censurabilidade desta, por imputação ao agente a título de dolo ou de mera culpa. A culpa envolve, por natureza, um complexo juízo de censura ou reprovabilidade que assenta sobre o nexo existente entre o facto ilícito e a vontade do agente.” (AC. STA. de 92-04-28, Proc. nº 28.667.)
De igual modo, verifica-se que a Corte Superior Portuguesa não tem dúvida da necessidade jurídica de se tipificar a infração disciplinar em relação aos fatos que possam ser objeto de ilicitude, quando confrontados com a norma legal: “- Nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovada pelo art. 1º, do DL nº 24/84, de 16 de janeiro, só são disciplinarmente relevantes os fatos que possam ser objecto de um juízo de ilicitude face à norma ou princípio jurídico que impõe ao funcionário argüido um dever funcional geral ou especial.” (AC. STA de 9 dez. 2004, Ap. DR 95-0322, 7268.)
Como visto, o direito português exterioriza a necessidade de se identificar uma conduta ilícita por parte do servidor público responsável perante o ordenamento jurídico, através de um tipo estabelecido previamente pela lei.
Tal qual em nosso direito, mesmo que vagos ou indeterminados os conceitos dos ilícitos disciplinares de Portugal, o Poder Judiciário estabeleceu firme jurisprudência que a responsabilidade administrativa decorre, por força do princípio da legalidade, da conduta dos servidores públicos que configuram infrações, previstas em normas do Estatuto dos funcionários públicos daquele país.
Na Espanha, o artigo 25.1 da Constituição estabelece que ninguém será punido, condenado ou sancionado por falta ou infração disciplinar, sem que haja previsão na legislação vigente:
“25.1 – Nadie debe ser condenado o sancionado por acciones u omisiones que el momento de producirse no constituyan delito, falta o infracción administrativa, según la legislación vigente en aquel momento.”
Traduzido:
“25,1 – Ninguém deve ser condenado por ações ou omissões que, quando cometida, não constituía um crime, delito ou infração administrativa nos termos da legislação então em vigor.”
Conferindo efetividade ao citado comando constitucional, a Lei do Regime Jurídico das Administrações Públicas e Procedimento Administrativo Comum (Lei nº 30/1992, de 26 de novembro), em seu artigo 129 estabelece explicitamente a necessidade do princípio da tipicidade nas infrações administrativas:
“Art. 129.1 – Solo constituyen infracciones administrativas las vulneraciones del Ordenamiento Jurídico previstas como tales infracciones por una Ley, sin perjuicio de lo dispusto para la administración local en el título XI de la Ley 7/1985, de 2 de abril, Reguladora de las Bases del Régimen Local. Las infraciones administrativas se classificarán por la Ley em leves, graves y muy graves. 2 – Únicamente por la Comisión de infracciones administrativas podrán imponerse sanciones que, en todo caso, estarán delimitadas por la ley. 3 – Las disposiciones reglamentarias de desarrollo podían introducir especificaciones o graduaciones al cuadro de las infracciones o sanciones estabelecidas legalmente que, sin construir nuevas infracciones o sanciones, no alterar la natureza o limites de los que la Ley contempla, contribuyan a la más correcta identificación de las conductas o a la más precisa determinación de las sanciones correspondientes. 4 – Las normas definidoras de infracciones y sanciones no serán susceptibles de aplicación analógica.”
Traduzido:
“Art. 129,1 – Só as violações constituem infração administrativa do sistema jurídico como delitos, como uma lei, sem prejuízo disposto na administração local no Título XI da Lei 7 / 1985 de 2 de Abril, os fundamentos do regime regulatório Local. As infrações administrativas da lei é em Classificar leves, graves e muito graves. 2 – Somente pela Comissão sobre as violações das sanções administrativas que podem ser aplicadas em qualquer caso, estão limitadas por lei. 3 – Os regulamentos de execução foram introduzidas para a tabela de especificações e classificações dos delitos ou penas Estabelecidos de forma legal, sem a construção de novos delitos ou penas, para não alterar a natureza ou os limites que a lei prevê, contribuir para a identificação mais precisa das conduta ou a determinação mais precisa das sanções adequadas. 4 – As regras definindo infrações e penalidades não são suscetíveis de analogia”.
Jesús Gonzáles Pérez e Francisco Gonzáles Navarro, ao comentarem o artigo 129, da LRJPA aduzem:
“La infracción administrativa es por lo ponto una acción previamente descrita por la ley, precisamente por una ley en el sentido formal, que haya sido emanada del Parlamento. Tipificación y reserva legal son así los dos primeros rasgos que sirven para empezar a perfilar el concepto de infracción administrativa.” (PÉREZ, Jesús Gonzáles; NAVARRO, Francisco Gonzáles. Comentarios a la Ley…,op. cit. ant., t. II, p. 2794).
Traduzido:
“A infração administrativa é como descrito anteriormente ação ponto por lei, só porque uma lei em sentido formal, que foi emitido pelo Parlamento. Caracterização e reservas legais são, portanto, os dois primeiros traços que servem para começar a delinear o conceito de infração administrativa. ”
Para José Mária Quirós Lobo, sobre o tema assinala que os preceitos sancionadores “em branco” são os primeiros inimigos do princípio da tipicidade disciplinar. (LOBO, José Mária Quirós. Principios de Derecho Sancionador. Granada: Editorial Comares, S. L., 1996, p. 32.)
No mesmo sentido, em Obra específica sobre o princípio da tipicidade nas infrações disciplinares qual seja, “La Tipicidad de las Infracciones en el Procedimiento Administrativo Sancionador”, Joaquim Meseguer Yebra, afirmou:
“La descripción de la infracción administrativa, referida a actos u omisiones aislados y concretos, no es una facultad discrecional de la Administración o autoridad sancionadora, sino propiamente una actividad jurídica de aplicación de las normas, que exige como presupuesto objetivo el encuadre o la subsunción de la infracción en el tipo predeterminado legalmente, rachazádonse criterios de interpretación extensiva o analógica. A afectos de revisión jurisdiccional la tipicidad de la infracción, supone la coincidencia de una conducta con el supuesto de hecho de la norma tipificante.” (YEBRA, Joaquim Meseguer. La Tipicidad de las Infracciones en el Procedimiento Administrativo Sancionador. Barcelona: Bosch, 2001, p. 13.)
Traduzindo:
“A descrição da infração administrativa de atos ou omissões relativos à específico e isolado, é um critério da administração, ou sancionar a autoridade, mas uma atividade adequada da aplicação das normas jurídicas, exigindo que o orçamento de destino de quadros ou subsunção de violação do tipo padrão legalmente rechaça critérios de interpretação extensiva ou analógica. Uma revisão judicial afeta a criminalização do delito, é o acaso de um padrão de fato alegada tipificante padrão”.
Por fim, José Manuel Serrano Alberca, ao comentar a Constituição da Espanha em magistral obra organizada por Fernando Garrido Falla, também se perfilha aos posicionamentos doutrinários citados alhures:
“El principio da tipicidad, como aplicación y concreción del principio de legalidad y reserva de ley exige también la delimitación concreta de las conductas en la ley prohibiendo, con caráter general, las remisiones en blanco a preceptos de rango inferior y su interpretación analógica.” (ALBERCA, José Manuel Serrano. Comentários a la Constitución. In: FALLA, Fernando Garrido (Org.). 3. ed. Madrid: Editorial Civitas, 2001, p. 587.)
Traduzido:
“O princípio dá a criminalidade, como a aplicação e execução do princípio da legalidade e da reserva de lei também exige uma definição precisa da lei que proíbe a conduta com caráter geral, as referências aos tipos em brancos e sua interpretação analógica”.
Também o Tribunal Supremo Espanhol teve a oportunidade de se manifestar no seguinte sentido:
“El derecho fundamental así enunciado (de acuerdo con el tenor literal del art. 25.1 CE) incorpora la regra nullum crimem nulla poena sine lege, extendiéndola incluso al ordenamiento sancionador administrativo y comprende una doble garantía. La primeira, de orden material y alcance absoluto, tanto por lo que se rifiere al ámbito estritamente penal como al de las sanciones administrativas, refleja la especial transcedencia del principio de seguridad en dicho ámbitos limitativos de la liberdad individual y se traduce en la imperiosa exigencia de pretederminación normativa de las conductas ilícitas y de las sanciones correspondientes.” (STC 42/1987).
Traduzido:
“O direito fundamental de modo expresso (de acordo com o teor do art. 25,1 CE) incorpora a regra nullum crimem nulla poena sine lege, que se estende até o sistema de sanções administrativas e inclui uma dupla garantia. A primeira deve-se chegar ao campo estritamente penal, a sanção administrativa, reflete a transcendência especial do princípio de alcance ilimitado em que o individuo para a liberdade, e se traduz na necessidade urgente da predeterminação de regras e comportamentos ilícitos e sanções “(STC 42/1987).
O Tribunal Constitucional Espanhol em outro expressivo julgado deixou explícita a necessidade da aplicação do princípio da legalidade no âmbito do direito sancionador estatal:
“implica, por lo menos, estas três exigências: La existência de una ley (lex scripta); que la ley sea anterior al hecho sancionador (lex previa), y que la ley describa un supuesto de hecho estrictamente determinado (lex certa); lo que significa un se chazo a la analogía como fuente creadora de delitos y penas, e impide, como limite a la actividad judicial, que el Juez se convierta en legislador.” (STC 133/1987).
Traduzido:
“Implica, pelo menos estes três requisitos: a existência de uma lei (lex scripta), que a lei seja feito antes de sancionar (lex previa), e que a lei descreve um fato estritamente determinado (lex certa); o que significa que uma analogia que se afasta da fonte criadora de crime e castigo impede a atividade judicial, não podendo transformar o juiz em legislador. “(STC 133/1987).
O mesmo Tribunal Supremo Espanhol enfrentou os conceitos de legalidade e de tipicidade nas infrações e sanções disciplinares, da seguinte forma:
“Los conceptos de legalidad y de tipicidad no se identifican, sino que el segundo tine un próprio contenido, como modo especial de realización del primero. La legalidad se cumple con la previsión de las infraciones y sanciones en la ley, pero para la tipicidad se requiere algo más, que es la precisa definición de la conducta que la ley considera pueda imponerse, siendo en definitiva medio de garantizar el principio constitucional de la seguridad jurídica y de hacer realidad junto a la existencia de una lex previa, a la de una lex certa.” (STC 20/1989).
Traduzido:
“Os conceitos de legalidade e criminalidade não são identificados, mas o próprio conteúdo de uma segunda lei como modo especial de realização da primeira. A legalidade é satisfeito com a antecipação de infrações e sanções na lei, mas normalmente exigidos para outra coisa, qual é a definição precisa da conduta que a lei considera ser imposta, sendo em última análise, um meio de garantir o princípio constitucional da segurança jurídica e realizar em conjunto com a existência da lei antes de infração” (STC 20/1989)
Portanto, a doutrina e jurisprudência do direito comparado não deixam dúvida de que o princípio da legalidade encontra-se encravado no processo administrativo disciplinar em seu todo, sendo que a tipicidade é uma conseqüência da sua salutar influência. Por essa concepção, quando se tratar de investigação, onde se apura a prática de ilícito criminal ou infração disciplinar, com a aplicação de penalidade, têm-se, como exigência do princípio da legalidade, as seguintes providências: (DEZAN, Sandro Lúcio. O princípio da atipicidade do ilícito disciplinar. Efeitos jurídicos produzidos pelos princípios da culpabilidade e da imposição subjetiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 55, 14 jan. 2005. Disponível em . Acesso em: 22 de jul. 2007, p. 8.)
– irretroatividade da lei;
– proibição de criação de ilícitos administrativos e penalidades pelos costumes ou que não estejam legalmente estabelecidos em ordenamento legal;
– impossibilidade de se utilizar o princípio da analogia para definir infrações disciplinares ou agravar/fundamentar as penalidades;
– tipicidade;
– descrição precisa e circunstanciada dos fatos, sendo vedada a acusação vaga e indeterminada.
– Vedada a soma de diversas condutas para imputar um tipo especifico de infração.
O princípio da tipicidade no direito administrativo disciplinar deve ser interpretado de outra forma após a Constituição Federal de 1988. Nessa, onde o direito administrativo foi constitucionalizado, o princípio da legalidade (art. 37, CF e o art. 5º, II, CF) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) não permitem uma acusação genérica, sem ponto de apoio em uma norma legal descritiva que reprima a conduta tida como ilícita. Na atual fase do direito constitucional administrativo não mais vigora a visão de que a acusação no processo disciplinar pode ser ampla e dissociada de um tipo legal.
No mesmo sentido, o ilustre doutrinador lusitano Manoel Afonso Vaz, autor da consagrada Obra “Lei e Reserva de Lei”, averbou: “A idéia fundamental, ou ponto de partida, é estabelecer, uma conexão adequada entre uma concepção particular da pessoa e os primeiros princípios de justiça, através de um procedimento de construção. Ou dito de outro modo, procura-se estabelecer um certo procedimento de construção que responda a certas exigências de razoabilidade e, dentro desse procedimento, explicitar um modo de as pessoas racionais, caracterizadas como ‘agentes de construção’, especificarem, mediante os seus acordos, os princípios de justiça.” (VAZ, Manoel Afonso. Lei e Reserva de Lei. Porto: Universidade Católica Lusitana, 1992, p. 264.)
Fábio Medina Osório, representando a corrente doutrinária moderna, não teve dúvida em confirmar a necessidade da aplicação da teoria da tipicidade no direito administrativo: “Sem embargo, a teoria da tipicidade é um fenômeno peculiar ao direito, sem uma necessária vinculação com a idéia de tipos penais. Daí porque, naturalmente, os tipos entram no campo administrativo, desempenhando determinadas funções. (…) O princípio da tipicidade das infrações administrativas, decorre genericamente, do princípio da legalidade, vale dizer, da garantia de que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, II, da CF/88), sendo que a Administração Pública, ademais, está submetida a exigência de legalidade administrativa (art. 37, caput, CF/88), o que implica necessária tipicidade permissiva para elaborar modelos de contas proibidas e sancioná-los. Além disso, a garantia de que as infrações estejam previamente tipificadas em normas sancionadoras integra, por certo, o devido processo legal da atividade sancionatória do Estado (art. 5º, LIV, CF/88), visto que sem a tipificação do comportamento proibido resulta violada a segurança jurídica da pessoa humana, que se expõe ao risco de proibições arbitrárias e dissonantes dos comandos legais.” (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo…,op. cit. ant., p. 207-208.)
Outro grande expoente do direito administrativo brasileiro, Romeu Felipe Bacellar Filho, amparado pela Constituição Federal de 1988, não teve dúvida em inadmitir a possibilidade jurídica da atipicidade da infração no âmbito disciplinar:
“A Constituição de 1988 não se compatibiliza com afirmações do tipo ‘no Direito Administrativo Disciplinar admite-se a atipicidade da infração e a ampla discricionariedade na aplicação da sanção, que é renunciável pela Administração, possibilidades inconcebíveis em Direito Penal’. Afinal, o princípio da reserva legal absoluta em matéria penal (5º, XXXIX, da Constituição Federal) – nullum crimen, nulla poena sine lege – estende-se ao direito administrativo sancionar.” (BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo Disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 173-174.)
No mesmo sentido, Marçal Justen Filho:
“Inexiste discricionariedade para imposição de sanções, inclusive quando se tratar de responsabilidade administrativa. A ausência de discricionariedade se refere, especialmente, aos pressupostos de imposição da sanção. Não basta a simples previsão legal da existência da sanção. O princípio da legalidade exige a descrição da ‘hipótese de incidência’ da sanção. A expressão, usualmente utilizada no campo tributário, indica o aspecto da norma que define o pressuposto da aplicação do mandamento normativo. A imposição de sanções administrativas depende da previsão tanto da hipótese de incidência quanto da conseqüência. A definição deverá verificar-se através da lei (…).” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000, p. 621-622.)
Sem o nexo entre a conduta descrita no “libelo acusatório”, (equivalente a portaria inaugural e mandado de citação do processo administrativo disciplinar) e o tipo legalmente estabelecido em lei para uma futura punição, não haverá legitimidade a aplicação de uma sanção disciplinar, porquanto o Estado Democrático de Direito não permite a existência de normas incriminadoras em branco.
Esse tipo legal proibitivo, vinculado a uma sanção disciplinar, é suficiente para afastar o princípio da atipicidade da conduta do servidor público, em decorrência de que a infração disciplinar não pode ser fundamentada/embasada por preceitos fluidos ou discricionários da Administração Pública, para que ela “possa entender violado determinado preceito primário (tipo), independentemente de perfeita subsunção.” (DEZAN, Sandro Lúcio. O princípio da atipicidade do ilícito disciplinar. Efeitos jurídicos produzidos pelos princípios da culpabilidade e da imposição subjetiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 55, 14 jan. 2005. Disponível em . Acesso em: 22 de jul. 2007, p. 13.)
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