Cesare Battisti versus Cesare Bonesana…SUPREMO SPAGHETTI JURÍDICO

Cesare Battisti versus Cesare Bonesana

Carlos Alberto Marchi de Queiroz (*)

Em 1764, na cidade de Milão, o marquês de Beccaria, cujo nome é Cesare Bonesana, e não Cesare Beccaria, como erroneamente indicado em uma placa de rua na cidade de São Paulo, talvez por cochilo dos então vereadores e prefeito que sancionou a lei, escreveu um clássico do Direito, intitulado Dos Delitos e Das Penas.

Na ocasião, Beccaria, ao concluir o seu Dei Delitti e Delle Pene, revolucionou o mundo jurídico, ensinando que os processos criminais deveriam ser rápidos, as penas prefixadas, a decadência e a prescrição delimitadas, o instituto da extradição respeitado, as penas humanizadas, estabelecendo, dentre outros aspectos, a disciplina no Foro, o triângulo acusador, defensor e juiz, os regulamentos dos tribunais e o princípio da livre convicção dos juízes.

Nessa obra estabelece, ainda, a distinção entre crime político puro e crime político relativo, sendo o primeiro somente de opinião e o segundo de opinião e de sangue, conjuntamente.

No início do ano de 2007, outro italiano, Cesare Battisti, líder do PAC – Proletários Armados para o Comunismo, condenado na Itália por quatro homicídios, de natureza política, crimes políticos relativos, ingressou clandestinamente no País, com documentos falsos, sendo preso pela Polícia Federal, com o auxílio da Polícia Italiana e acusado pela Procuradoria Geral da República, pelos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso, processos ora em trâmite pela Justiça Federal.

Desde 1970, Cesare Battistti, vem fugindo da execução penal, tendo primeiro escapulido para a França, onde viveu até 1990; depois para o México, onde se homiziou até 1994, e novamente na França, onde permaneceu até o último dia de 2006, quando esse país firmou um tratado de extradição com a Itália, o que tornou insustentável sua situação.

Durante o seu período de encarceramento brasileiro, Cesare Battisti, representado por advogados, protocolou petição junto ao Conare – Conselho Nacional de Ajuda aos Refugiados Estrangeiros, que indeferiu o seu petitório, encaminhando-o para a decisão final do ministro da Justiça Tarso Genro, que contrariando a decisão do Colegiado, concedeu ao italiano a condição de refugiado político que, curiosamente, se encontra preso no presídio da Papuda, em Brasília.

Inconformado, o governo Italiano entrou com pedido de extradição junto à Presidência da República, que o remeteu ao STF – Supremo Tribunal Federal, para julgamento.

De forma insólita, os ministros de nossa Suprema Corte decidiram por cinco votos contra quatro, omitindo-se dois ministros, um por suspeição, por ter sido Advogado Geral da União, e o outro por motivo de saúde, pela decisão de extraditar, que segundo o Estatuto do Estrangeiro – Lei nº 6815, de 19/8/80, é da competência do presidente da República.

Observa conhecido professor de Direito que o presidente da República recebeu o pedido do italiano depois que o seu ministro da Justiça havia concedido o asilo, ato administrativo que poderia justificar indeferimento liminar.

Data maxima venia, a decisão do Supremo foi curiosa, uma vez que em nosso País os crimes prescrevem em vinte anos, as penas corporais não ultrapassam trinta anos, não acolhendo a Constituição Federal a pena de prisão perpétua, a que Battisti foi condenado.

Por seu turno, os ministros do Pretório Excelso não tangenciaram, nem de leve, pelos conceitos de crime político puro ou crime político relativo.

De acordo com o Estatuto do Estrangeiro, o STF – Supremo Tribunal Federal é apenas um rito de passagem, sendo o presidente da República a autoridade competente para determinar a extradição ou não.

É do conhecimento público que cinco ministros entenderam que Battisti cometeu crimes comuns, enquanto que quatro entenderam que o militante peninsular praticou crimes políticos puros.

Da leitura do noticiário veiculado pela imprensa, percebe-se que os juízes de nossa Suprema Corte, em seus votos não se manifestaram pelo escoamento da prescrição vintenária e muito menos pelos trinta anos de pena máxima.

O imbróglio está formando, a partir do momento em que a Corte se dividiu, pronunciando-se sobre a competência do presidente para extraditar ou não.

O Brasil repele a pena de prisão perpétua, as penas estão prescritas de acordo com a legislação penal brasileira, Battisti encontra-se preso sem condenação e nem todos os juízes do Supremo são juízes de carreira.

A decisão agora cabe ao Presidente da República, como manda a lei. Nessa hora até Beccaria ficaria preocupado, por falta de previsão casuística em sua obra clássica, pois na história deste país nunca houve um caso jurídico como este.

(*) Carlos Alberto Marchi de Queiroz é Delegado de Polícia de Classe Especial, Mestre em Direito Penal pela USP, Professor Universitário e na Academia de Polícia. E-mail: charles.quebec@hotmail.com.br