A vida por um fio do decano dos homens maus
José Rabelo
Foto capa: Jose Rabelo
No final de agosto, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa julgou um pedido de habeas corpus em favor do ex-delegado Cláudio Guerra, a quem a extinta revista Século alcunhara de “o decano dos homens maus”. Guerra – que na ditadura militar foi homem de confiança do sistema, atuando na repressão aos adversários do regime, e que tem na sua biografia diversos crimes de várias naturezas, inclusive homicídios – e mais 14 ex-policiais, que cumpriam pena na Penitenciária de Segurança Máxima I de Viana, corriam risco de morte iminente. Rumores que circulavam pelos corredores da penitenciária davam por certo que uma rebelião estava sendo tramada por cerca de 500 detentos para dar cabo às vidas dos 15 homens. Os ex-policiais estavam segregados em uma cela na Ala “D”, conhecida como “seguro”. Entretanto, a própria diretora do presídio, Cléria de Almeida Silva, admitiu: “A unidade prisional com a estrutura existente e com o quadro de servidores não proporciona a segurança necessária à manutenção da integridade física da população carcerária geral, particularmente, os ameaçados”.
Foi também a própria diretora da penitenciária quem avisou a Guerra que a ameaça de rebelião era verídica e que, de fato, eles corriam risco. “Dr. Cláudio, acione os seus advogados a respeito desse fato, porque os promotores e juízes da execução criminal de Viana estão cientes dessa possível rebelião, mas nada será feito”, alertou a diretora.
Dentro do limite da sua subordinação, a diretora da penitenciária, extra-oficialmente, informou ao secretário de Justiça, Ângelo Roncalli; ao subsecretário de Assuntos Penais, José Otávio Gonçalves; ao Ministério Público e à Vara de Execuções Penais de Viana que uma rebelião estava programada para o dia 3 de julho último, e que os presos da Ala “D”, confinados ao “seguro”, estavam com suas vidas em risco.
Aflito e ciente de que as autoridades já alertadas nada fariam para evitar o massacre, o advogado de Guerra, Rondinelle Teodoro Maulaz, levou o caso ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciário (CNPCP). Entretanto, o defensor sabia que o tempo era crucial para salvar as vidas dos quinze condenados que já estavam com um dos pés no corredor da morte. O jeito foi impetrar um habeas corpus em caráter liminar para transferir Guerra e seus 14 colegas para um local seguro. Para sorte do ex-policiais, a liminar impetrada por Rondinelle foi prontamente acatada pelo desembargador Pedro Valls Feu Rosa, que autorizou a transferência para “um local seguro”.
No último dia 28 de agosto, Rondinelle retornava à Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça para que Feu Rosa apreciasse, em definitivo, o pedido de habeas corpus dos 15 ex-policiais e mantivesse a decisão de mantê-los no Instituto de Readaptação Social (IRS), em Vila Velha. O defensor, no entanto, fez um apelo ao desembargador. “Quando do deferimento da liminar neste habeas corpus, vossa excelência determinou que os transferidos da Ala ‘D’ fossem colocados num local absolutamente seguro. E, pelo que constatei, e pelo que os familiares que estão aqui constataram, esses presos se encontram há quase 60 dias num lugar denominado ‘castigo’, que o próprio Ministério Público chama de ‘caixa forte’. A meu ver, a permanência desses reclusos neste local constitui grave afronta às decisões deste Tribunal”, protestou o advogado.
‘Habeas vitae’
As graves violações aos direitos humanos, que se repetem todos os dias no sistema prisional capixaba, já são notórias dentro e fora do Estado, e estão propensas a cruzar as fronteiras do País logo-logo. Nos últimos meses, caravanas de representantes de organismos federais de defesa dos direitos humanos se sucederam no Estado, a ponto de o governador recentemente se queixar de que estava sendo “injustamente perseguido”. Indignado, disparou sua cólera: “A cada três meses estão aqui para criticar. Se tivéssemos 50 deputados (federais), como Minas Gerais, quem sabe eles não pisariam mais aqui”, declarou a um jornal local no último dia 28, durante a inauguração do CDP de Guarapari.
Entretanto, as mesmas denúncias que vêm sendo feitas sistematicamente pelos organismos de direitos humanos, às quais o governador insiste em classificar como mera perseguição, deixaram o desembargador Feu Rosa pasmado.
Depois de tomar conhecimento de um pouco mais de um terço da missa, o desembargador exigiu a apuração imediata de uma série de irregularidades que vieram à tona no meio de um “singelo pedido de habeas corpus”, como ele mesmo definiu. “Seria apenas mais um dentre os milhares que apreciamos todos os anos, não fosse por uma diferença: neste não se pede a liberdade de quem quer que seja. Também não se busca, aqui, o anular de alguns atos processuais que poderiam apressar a volta às ruas. Não, nada disso foi pedido. Almeja-se, de fato, quase que o oposto: o direito à prisão!”.
Em seguida, o desembargador salienta: “Aqui estamos, pois, como julgadores, não a definir a liberdade deles, mas algo ainda mais sagrado: suas próprias vidas! Este, e permitam-me a digressão, é antes que um singelo ‘habeas corpus’ um verdadeiro ‘habeas vitae’. Temos que, diante de uma realidade absurda e cruel, suprir as fraquezas do sistema que se nos apresenta. Gostaria de acentuar que, malgrado sob a forma de digressão, não utilizei a expressão ‘habeas vitae’ de forma vã”, justificou Feu Rosa.
Uma marreta por 15 vidas
Dias antes da iminente rebelião, a diretora da penitenciária chamou Cláudio Guerra de canto e confidenciou-lhe que não podia mais fazer nada por ele e seus colegas. No primeiro dia de julho, o agente penitenciário Danilo Carminate procurou Guerra e lhe entregou uma marreta de 25 kg. Caso a rebelião estourasse, a ferramenta deveria ser usada para romper a parede que dividia a “cela do seguro” da lavanderia. Se os prisioneiros conseguissem abrir o buraco em tempo hábil, os agentes teriam alguma chance de salvá-los.
A concessão do pedido de liminar que autorizou a transferência dos presos acabou poupando-os da arriscada empreitada e a pesada marreta não precisou ser usada.
Logo após chegarem ao IRS, os ex-policiais escreveram ao desembargador Feu Rosa. “Os reeducandos, infra-assinados, vêm mui respeitosamente (…) agradecer a decisão proferida (…) haja vista que resguardou a integridade física (…) de todos nós da Ala ‘D’ do PSMA I, que corríamos sério risco de morte numa iminente rebelião/invasão por parte de outros 500 presos do estabelecimento penal. (…) A ordem dos comandos e facções que controlam o interior dos presídios capixabas já havia sido dada”, atestam os sobreviventes na carta enviada ao desembargador.
Apenas duas perguntas
Em seu voto, Feu Rosa lança duas perguntas que colocam em xeque todo o sistema penal capixaba. “Havia realmente risco à integridade física dos reeducandos da Ala ‘D’?”. A outra: “Tem sido oferecido aos reeducandos que sejam ex-policiais ou estejam sob risco um local adequado?”, questiona o desembargador. A reboque à resposta das duas perguntas, o desembargador pede a apuração de uma série de denúncias (veja quadro abaixo) que vieram à tona durante o julgamento de um “singelo pedido de habeas corpus”.
O próprio desembargador, respaldado nas declarações da diretora da penitenciária que tentou alertar às autoridades competentes sobre a rebelião, conclui que os 15 detentos, de fato, estavam à beira da morte. “Este não foi o depoimento de um reeducando ‘agitador’, ou o manifestar de algum radical. Nada disso. O de que aqui se trata é da palavra simples e direta da diretora de uma Penitenciária de Segurança Máxima, a quem cumprimento pela sinceridade e coragem”.
Para o desembargador, as evidências apresentadas pela diretora aos seus superiores imediatos (coronel Otávio e Roncalli), e ratificadas pelo relatório do presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-ES, André Moreira – que esteve na penitenciária para investigar as denúncias no dia 2 de julho –, não deixam nenhuma dúvida de que os 15 detentos da Ala “D” corriam sério risco de morte.
Do céu ao inferno
Segundo consta nos autos, os 15 ex-policiais, antes de serem transferidos para a PSMI – de Viana, já tiveram dias melhores. Guerra e seus companheiros, anteriormente, cumpriam pena na Penitenciária de Segurança Média II ou na 20ª Delegacia de Polícia de Vila Velha. Em ambos os locais os apenados desfrutavam de regalias, em desacordo com o disposto na Lei de Execuções Penais (LEP). Segundo os promotores Letícia Lengruber Prado Costa e César Augusto Ramaldes da Cunha Santo, em algumas inspeções foram apreendidos, em poder do ex-policiais, aparelho de DVD, disquetes e carregador de celular. Os promotores esclarecem que os fatos não foram investigados e nada foi feito.
Eles relatam também que as “celas” eram equipadas com geladeira, televisor, ventilador. Algumas não possuíam grades e sim portas de madeira. Além disso, uma das celas possuía um vão aberto na parede para instalação de ar-condicionado, sem grade, sendo possível que uma pessoa passasse pelo buraco.
A insistência dos promotores solicitando que as irregularidades cessassem obrigou a Sejus a agir. “Buscando solucionar o problema, que é tão sério quanto histórico, a Secretaria de Justiça destinou outro local para este tipo de reeducando – precisamente a famigerada Ala ‘D’, do Presídio de Segurança Máxima I. Lá, passou-se a um outro extremo: não havia regalias, porém o risco de morte era visível. Acredito ser desnecessário considerar que o rigor para com estes reeducandos não inclui seus assassinatos!, ressaltou o desembargador Feu Rosa.
Ele disse ainda que este não é um drama exclusivo dos ex-policiais. Feu Rosa lembrou que diversas pessoas que se encontram encarceradas estão invariavelmente sujeitas aos favores dos administradores de plantão. “Elas dependem sempre dos humores e da hipocrisia de um sistema sabidamente instável. Isto está errado, historicamente errado”, frisou.
Reverência
Antes de iniciar a leitura de seu voto na tarde de revelações daquela quarta-feira (26) de agosto, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa se curvou em reverência às representantes da Associação de Mães e Familiares de Vítimas de Violência (Amafavv) ali presentes. “É um grupo de mães e irmãs, filhas, pais, irmãos, que tem tido a coragem e que muitas instituições não tem, de denunciar, de colocar-se contra os crimes como: tortura, corrupção e prevaricação. Repito, essas pessoas humildes, em sua maioria, tem tido, muitas vezes, a coragem que falta às nossas instituições”, cutucou o desembargador.
Segundo a presidente da Amafavv, Maria das Graças Nascimento Nacort, parte das denúncias sobre a violação dos direitos humanos dentro das prisões capixabas foi levada ao conhecimento do desembargador pela Associação. “Quando mostramos ao desembargador as fotos de vários presos que foram brutalmente esquartejados dentro dos presídios ele ficou horrorizado. Acho que ele não imaginava que a violência chegasse a esse ponto”, conta Maria das Graças.
“Há poucos dias recebi um chocante relatório, subscrito pela Associação de Mães e Familiares Vítimas de Violência, cujo teor transcrevo parcialmente, mas que passa a integrar, em sua totalidade, este voto”, disse o desembargador que em seguida começou a ler o documento encaminhado pela Amafavv. “A notícia de vossa valiosa intervenção evitando a chacina de 15 pessoas nos motivou a encaminhar as seguintes denúncias recebidas em nossa Associação, cujos relatos chocam e provam que a crueldade dos crimes de tortura praticados pelas autoridades que compõem o sistema prisional desse Estado supera e muito as torturas das prisões da era medieval”, denuncia o relatório.
Nos trechos seguintes Feu Rosa lê, indignado, as denúncias, uma a uma, e as comenta. Diz uma parte do documento:
Ocupação das celas. “São inúmeras as denúncias sobre a venda das mesmas. O preso que não tem como pagar passa de presídio em presídio e fica geralmente nas celas mais superlotadas e sujas. Para ter direito a cama ou ‘jega’ – que é chamada a rede – tem que pagar. No IRS a galeria 37 que tem 17 celas com espaço para dois detentos por cela, e é destinada a presos que trabalham, a ex-policiais, custa muito dinheiro. Temos informação que chega a custar até R$ 15 mil uma vaga nessa galeria. A chamada Penitenciária de Segurança Máxima I – administrada por uma ONG do Paraná [Inap – Instituto Nacional de Administração Penitenciária que terceiriza a mão-de-obra em diversas unidades prisionais do Estado] – o derrame de dinheiro é facilmente identificado”
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Saúde. “60% dos detentos estão infectados com doenças infectocontagiosas somente porque faltam condições mínimas de higiene, tais como banheiro decente, água filtrada e sabão. E para piorar, a Secretaria de Saúde está contratando ONGs de São Paulo e de outros estados para cuidar da saúde dos presos”.
Alimentação. “A comida que é servida aos presos é horrível, além de custar em média 12 a 14 reais e vem sempre estragada, fria e entregue fora do horário comum das refeições. E os juízes e promotores quando vão aos presídios avisam que vão e comem lá para fazer cena uma outra comida”.
Visitas. “Fila para entrar. Mesmo chegando às 5 horas da manhã não se consegue entrar no horário, pois as mulheres dos chefes do crime chegam tarde e entram na frente da fila, pois os seus lugares são garantidos pelos próprios policiais”.
Revista íntima dos familiares. “Senhor desembargador não teríamos nunca palavras para descrever o sentimento das mães, irmãs e esposas que passam por tais constrangimentos. Há ocasiões onde várias mulheres ficam nuas durante horas aguardando as agentes concluírem a revista. Os locais das revistas são imundos, cheios de fungos. As revistas são coletivas o que constrange ainda mais. As portas são abertas sem nenhum cuidado, com as mulheres ainda nuas. É comum as mães, mulheres e irmãs ouvirem comentários maldosos e olhares indiscretos dos agentes e policiais. Porém o pior acontece com as crianças e principalmente com os meninos. Ficam nus sozinhos e tem seus órgãos genitais revistados por policiais militares. Temos relato de que às vezes uma revista em uma criança chega a durar quase meia hora. O que será que acontece com aquela criança? Em outras vezes as meninas são revistadas junto com as mães tendo que assistir todo o procedimento vexatório que a sua mãe é submetida e sendo obrigada a olhar e depois essa mesma criança fica completamente nua diante das agentes. Onde está a legalidade desse ato? No dia de visita a maior parte dos familiares sai chorando e constrangido da sala da revista íntima”.
O desembargador afirma que não se pode ignorar a imensa quantidade de objetos que parentes tentam introduzir ilegalmente nas prisões. Entretanto, ele pondera que a revista não pode se traduzir em um ato de humilhação pública de esposas, mães e crianças. “Existe uma longa, muito longa distância – a mesma que separa o cumprimento de um dever à violação criminosa de princípios os mais básicos insculpidos na Constituição Federal”, destaca o desembargador e em seguida retoma a leitura.
Crime de tortura. “Destes temos as provas de uns cem e temos também um CD com fotos de todos esses casos que passamos a relatar: Welerson Rodrigues Siqueira. Vítima de tortura, espancamento e lesões corporais por parte de policiais dentro do presídio (anexo laudo de exame de lesões corporais)”.
Feu Rosa diz que há uma lista com os nomes dos 13 detentos que teriam sido submetidos à tortura. Ele esclarece que todos os casos são acompanhados de laudos de Exame de Lesões Corporais. “Pensando bem, seria superficial falarmos em ‘13 reeducandos’. A frieza do número mascara a monstruosidade e a extensão da tortura denunciada. Reduz o caráter de humanidade. Atenua a gravidade de um quadro tenebroso. Assim, peço licença para ler cada um destes nomes, tal como escrito na chocante denúncia de tortura, acompanhada dos respectivos laudos oficiais emitidos pelo Departamento Médico Legal”, salienta o desembargador que em seguida lê o nome completo de cada uma das vítimas de tortura.
Depois, mais uma vez indignado, comenta: “O mais abjeto, o que mais choca, porém, é um detalhe sinistro: todos os laudos de exame de lesões corporais destes 13 reeducandos foram emitidos em um mesmo dia! Em todos eles o Médico Legista, Dr. Roberto Casotti Lora, foi claro: ‘Houve ofensa à integridade física ou à saúde do paciente, e esta ocorreu em decorrência de ação contundente’. Confesso que chamou-me a atenção, na sinistra lista que li, o relato alusivo ao último dos nomes lá enumerados, que a seguir reproduzo: ‘Lucas Costa de Jesus. Vítima de tortura, espancamento e lesões corporais em 17/06/2009 por parte de policiais dentro do presídio (anexo Laudo de Exame de Lesões Corporais. Laudo Hospitalar. Denúncia da AMAFAV e alvará de soltura). Senhor desembargador, esse rapaz merece a vossa atenção. Noventa dias foi o tempo que o Estado levou para massacrá-lo, torturá-lo, transformá-lo em paraplégico e depois colocá-lo em liberdade eternamente preso a uma cadeia de rodas’. Seria esta denúncia uma mera criação mental de algum agitador lunático ou familiar transtornado?”, pergunta o desembargador.
Na sequencia, sempre em tom indignação, o desembargador Feu Rosa lê o laudo que comprova a veracidade da denúncia. “Declaro para os fins de direito que o paciente Lucas Costa de Jesus deu entrada no Pronto-Socorro deste Hospital no dia 13/07/2009, vítima de projétil de arma de fogo (bala de borracha), apresentando traumatismo cranioencefálico grave, com ferida corto-contusa em região parietal direita com exposição de massa encefálica e fragmentos ósseos. Submetido à cirurgia de craniotomia para retirada do projétil, sendo constatada lesão de artéria cerebral média à direita. Encontra-se internado na UTI deste Hospital em estado grave, em ventilação mecânica e sem previsão de alta hospitalar ou da UTI”, atesta o laudo médico.
“Vamos ver se eu entendi: alguém é preso, sofre violências até ficar paraplégico, é solto e ‘ponto final’? O pior é que, segundo relato que me foi enviado, está o mesmo a passar fome e carente dos medicamentos mais básicos. Eis aí algo a ser apurado até as últimas consequências e em todos os níveis. Formulo votos de que tudo isto tenha sido apenas um equívoco, por recusar-me a acreditar que a omissão e a covardia tenham chegado a níveis tão altos”, protesta o desembargador.
‘Fim da picada’
Feu Rosa lembra ainda que a Amafavv fez outras graves denúncias sobre o crescente número de mortes dentro dos presídios. O desembargador reforça que todas as denúncias apresentadas estão sustentadas em um contundente relatório acompanhado de um CD contendo diversas fotografias e respectivos laudos de Exame de Lesões Corporais.
“Esta não foi uma carta anônima, ou algo escrito por algum lunático. Há datas, há fatos e há documentos. E – o que mais choca – não há notícia das respectivas apurações! Seria o medo? Pode ser. Há poucos dias recebi, em meu gabinete, um presidiário sob liberdade temporária e sua esposa. Foi lá relatar que após muito trabalhar na fabricação de blocos, no IRS, constatou que todo o dinheiro a que fazia jus havia sido desviado. Provou o alegado exibindo um extrato no qual constava a soma de apenas alguns poucos centavos. Quando manifestei a intenção de determinar a apuração deste fato, ele começou a chorar e suplicou que não, ou sofreria represálias. Malgrado tenha visto o extrato da conta bancária, confesso não me recordar do nome deste reeducando, e nem sei se sua denúncia é verdadeira. Porém, se isto está a acontecer, trata-se de uma vergonha. Perdoem-me pela expressão chula, mas isto seria ‘o fim da picada’”, desabafa o desembargador.
| Desembargador pede apuração imediata das denúncias Após ratificar o pedido de habeas corpus, o desembargador exigiu a apuração das denúncias relatas. Feu Rosa determinou que o procurador geral de Justiça seja informado sobre o teor das denúncias, e faça uma séria apuração dos crimes noticiados. Como crimes, o desembargador lista: corrupção, trabalho escravo, prevaricação, pedofilia, tortura e outros tantos, que estariam sendo praticados de forma reiterada e organizada dentro das penitenciárias do Estado. O magistrado também solicita que o secretário Ângelo Roncalli seja comunicado e inicie uma apuração administrativa dos “gravíssimos fatos”; que sejam requisitados ao Departamento Médico Legal todos os registros de óbitos e exames de lesões corporais relativos aos detentos, para encaminhamento imediato ao procurador-geral de Justiça, à Corregedoria Geral da Justiça e à Secretaria de Estado da Justiça, a fim de que sejam tomadas as devidas providências de caráter administrativo e criminal; que seja expedido ofício à Delegacia da Secretaria da Receita Federal neste Estado, determinando-se a realização de procedimento fiscal detalhado nas empresas que utilizam mão-de-obra dos detentos, dada a denúncia de que estariam auferindo renda ilegalmente ao não remunerá-los nos termos previstos; que seja determinada à Corregedoria Geral da Justiça a abertura de procedimento para apurar quais medidas foram adotadas pela Vara das Execuções Penais à vista de cada um dos casos de tortura noticiados e regularmente documentados; que seja determinada à Vara das Execuções Penais a abertura de procedimento para apurar a denúncia de que alguns dos presos gozam de regalias absolutamente injustificáveis, inclusive posse de telefones celulares, com respectiva aplicação das devidas sanções e comunicação para abertura dos devidos procedimentos administrativos e criminais, em sendo o caso; que seja determinado a cada empresa terceirizada que utilize mão de obra dos reeducandos que, no prazo de 10 dias, apresente planilha detalhada com os valores devidos a cada um deles, a comprovação documental do pagamento e a data deste, para imediato encaminhamento ao procurador geral de Justiça, à Secretaria de Estado da Justiça e à Secretaria da Receita Federal, para fins de cruzamento de dados; que seja aberto incidente em separado, para coleta de informações prévias sobre a séria denúncia apresentada de colocação indevida de presos em “castigo” durante mais de 60 dias, em desobediência e agressão à determinação da Justiça; que, no bojo deste incidente, seja expedido ofício à Secretaria de Estado de Justiça e à Vara das Execuções Penais competente, solicitando-se informações, a serem prestadas em 48 horas, sobre os seguintes aspectos: qual a exata natureza do local denominado “castigo”, local também conhecido como “caixa forte” em que estariam encarcerados os 15 ex-policiais; e, quais os nomes dos responsáveis diretos pelo encaminhamento dos detentos ao referido “castigo”, quando do cumprimento da medida liminar exarada; que seja determinada à Vara das Execuções Penais a realização, no prazo de 30 dias, de uma inspeção no sistema prisional, cujos resultados deverão ser objeto de divulgação pública, verificando-se e adotando-se as respectivas providências quanto aos seguintes aspectos: grau de dignidade no tratamento dispensado aos familiares dos presos, inclusive no que tange ao respeito às filas de entrada e às condições em que realizada a revista íntima, especialmente de crianças e adolescentes; verificação da qualidade da alimentação servida aos reeducandos, com análise diária, documentada inclusive por imagens, de amostras escolhidas aleatoriamente, por sorteio público; verificação da denúncia de que existiriam “buracos” e “passagens” entre celas de unidades prisionais ditas “de segurança máxima”, conforme descrição noticiada nos autos; verificação da proporção de ocupação de celas do sistema prisional, dada a denúncia de que “presos que podem pagar” ficam em celas mais vazias; consideradas inclusive as epidemias que tem assolado o planeta, a verificação do percentual de contaminação dos reeducandos do sistema penitenciário estadual quanto a doenças infecto-contagiosas, requisitando-se, se for o caso, o auxílio de médicos da Rede Pública de Saúde; e, qual a natureza e grau de eficiência do atendimento médico prestado pelas tais ONGs referidas na denúncia encaminhada. |