entrevista

Na tela do micro, detalhe do apelido Boca de Sabão, no comunicador instantâneo usado na entrevista
Em entrevista inédita ao blog REPÓRTER DE CRIME, feita agora à noite, por meio de chat, o Boca de Sabão – que garante ser policial militar e um dos responsáveis pelo twitter que se tornou referência, na denúncia de irregularidades na PM do Rio – afirmou que um dos problemas do atual comando da corporação foi fazer “péssimas nomeações” para cargos de confiança como comandos de batalhões. Ele cita como exemplos os comandantes do 5o (Praça da Harmonia) e 31o BPM (Recreio), que seriam réus em processos por corrupção passiva. Na entrevista, sem cortes, Boca revela que é um personagem criado por oficiais e praças da PM e que não tem pretensão alguma, além de “fazer barulho”. Mas faz uma radiografia da corrupção na Polícia Militar do Rio de Janeiro.
O Twitter é uma rede social e microblog da internet onde os internautas postam mensagens curtas, de até 140 caracteres. Cada dono de um twitter tem seguidores e também seguem outros, formando a rede. O twitter @bocadesabao se tornou relevante por fazer denúncias graves de corrupção na PM, dando nomes aos bois. Por ter começado a divulgar no Twitter links para os boletins da Polícia Militar, o twitter foi combatido pelo comando da corporação, apesar de o comandante, coronel Mário Sérgio Duarte, ter negado a perseguição.
Apesar de funcionar graças ao anonimato garantido pela mídia digital, o Boca de Sabão e suas denúncias – algumas delas detalhadas – seriam um excelente instrumento para a Corregedoria da PM. Mesmo que a delação seja anônima, ela pode servir de base para abertura de sindicâncias, como prevê a jurisprudência sobre o tema (ver aqui). Embora ninguém possa ser condenado por uma denúncia anônima, os denunciantes sem rosto são a base da existência de serviços fundamentais no combate ao crime, como o Disque-Denúncias (2253-1177).
Quase um mês depois de solicitada por meio do sistema de comunicação direta do Twitter, Boca de Sabão concordou em falar a este repórter, por meio de um chat (comunicador instantâneo), durante uma hora e cinco minutos. Ele não quis falar por telefone, provavelmente temendo que sua voz fosse gravada.
22:48 Há quanto tempo você descobriu a internet?
22:50 Boca: Bem, tenho que avisar desde o início dessa conversa que o bocadesabao é um personagem criado por algumas pessoas. O bocadesabao surgiu em maio deste ano, com a curiosidade de uma dessas pessoas em relação ao twitter, onde não tinha nenhum representante da blogosfera policial, pelo menos nos nossos moldes aqui no RJ.
22:53 Quer dizer que o personagem é feito por várias pessoas? São todos policiais?
22:55 Boca: Sim, são algumas pessoas. E um grupo que reúne oficiais e praças.
Quantos são?
22:56 Boca: Isso não posso dizer, desculpe-me. Mas posso dizer que são bem poucos.
Por que afinal o comandante-geral da PM manifestou intenção de descobrir quem é o Boca de Sabão?
22:58 Boca: O bocadesabao surgiu antes do atual comandante, mas esse parece estar se preocupando mais comigo que o anterior. Eu creio que ele se preocupa porque Mario Sergio imaginou que seria uma unaminidade entre os policiais. Não imaginou que teria críticas como as nossas.
22:59 Quais são as maiores críticas que o Boca faz ao atual comando da PM?
23:01 Boca: O bocadesabao faz poucas críticas diretas ao comando. Ele se preocupa principalmente com as péssimas nomeações de comandantes e com a restrição de acesso ao BOLPM (Boletim da PM).
23:02 Você teria alguns exemplos dessas “péssimas nomeações”?
23:03 Boca: Quase todas. Fizemos até uma enquete. Hoje eu diria que a pior nomeação é a dos comandantes do 5º BPM (Praça da Harmonia) e do 31º BPM (Recreio), réus num processo por corrupção passiva.
23:05 Como vc avalia uma nomeação como a do coronel Millan, que está na lista do Jogo de Bicho?
23:06 Boca: Cel (coronel) Millan foi réu no mesmo processo mas tem uma situação diferente no mesmo. Parece que já foi absolvido. Mesmo assim, se eu fosse o comandante-geral, não o nomearia subchefe do Estado Maior Geral.
23:08 Você soube que o major que se meteu em confusão numa blitz da Lei Seca havia sido nomeado ouvidor pelo próprio Mário Sérgio?
Boca: Fiquei sabendo! Um absurdo. Li no seu blog.
23:10 Das denúncias que você tem feito no Twitter, qual resultou em sindicância ou inquérito?
Boca: Sinceramente não fiquei sabendo de nenhuma.
23:11 Você não acha que seria interessante encaminhar essas denúncias mesmo anonimamente para a Corregedoria da PM?
23:12 Boca: (risos) Eu acredito que sou bem lido não só pela Corregedoria, mas pela PM-2 (Serviço Reservado da PM) ou até por membros do Gabinete do Comandante Geral. Eles podem iniciar as apurações por vontade própria.
23:15 Diante da profusão de denúncias em twitters como o seu o que na sua opinião falta em termos de agilidade para a corregedoria?
23:16 Boca: Não creio que falta agilidade. Falta vontade.
23:18 E por quê, se o discurso das autoridades de segurança pública é todo baseado no controle de irregularidades praticadas pelos agentese da lei?
23:19 Boca: Depende do agente da lei. O que é alvo da fiscalização é o policial que não é “fechado” com os comandos.
Explique melhor, por favor.
23:22 Boca: Temos dois tipos de corrupção. Uma tipo varejo. Por exemplo, o policial que pega 50 reais de alguém no transito. Tem outra estruturada, tipo atacado. Essa é a pior. E a corrupção formada pelo jogo do bicho, empresas de onibus, “arrego” de traficantes. Pra pegar esse tipo de dinheiro, o policial precisa de “autorização” de seu comandante. As duas devem ser combatidas, mas, na realidade, so a primeira o é.
23:25 Verdade. Eu sempre ouvi a história de policiais militares que “compram” a atuação em áreas que sejam mais lucrativas do ponto de vista da corrupção. Os oficiais que ficam no batalhão recebem uma espécie de pedágio por esses locais. É verdade?
23:27 Boca: Sim, claro. Mas e bom deixar claro que nem todos os Oficiais e Praças que se vendem. Muitos mantem negocios fora da PM, fazem segurança, etc. De fato, esse dinheiro que os Oficiais exigem dos praças, ou ate de outros oficiais mais modernos, para que sejam escalados em determinado tipo de serviço que é a causa da discordia dentro da PMERJ. E a causa da cisão entre Oficiais e Praças.
23:28 A corrupção de modo geral é muito mal detectada. Você acha que haveria meios de se pesquisar o nível de corrupção nas polícias no Brasil e/ou no Rio ou esse assunto ainda é tabu para a grande maioria dos policiais?
23:30 Boca: Claro que tem. Na verdade, não é mal detectada. Todo policial sabe onde tem ou não tem corrupção. Alguns, como o atual comandante-geral, são um pouco míopes, mas também sabem um pouco.
23:31 O que você acha da ideia de que a polícia em geral é corrupta porque a sociedade a corrompe?
23:32 Boca: Em parte está correta. Na verdade a polícia é corrupta por falta de controle e salário. Na PM é muito mais facil controlar. Seja via regulamento disciplinar, ou por via indireta, com a nomeação de comandantes decentes em lugares estratégicos. Em regra, o batalhão dança a música de seu comandante.
23:33 Isso significa que, na sua visão, a corrupção policial pode ser ainda maior na Polícia Civil do que na Militar?
23:34 Boca: Eu não gostaria de fazer comentários sobre a Polícia Civil, não vivo a realidade deles.
23:35 Mas você confirmaria que, entre essas duas polícias, há uma rivalidade cada vez mais perigosa, no Rio?
Boca: Sim, isso é um fato. E não serei eu, bocadesabao, que vou contribuir para aumentá-la.
23:36 Voltando à questão da corrupção, não há dúvida de que melhoria salarial é importante para qualquer categoria profissional. Mas até que ponto melhores salários podem conter a corrupção policial? Você não acha que quem se acostuma a roubar é difícil de parar?
23:38 Boca: Eu acredito que ganhando mal que o sujeito não vai parar mesmo de roubar. Como já disse, tem que ter salário e controle. Com o salário famélico que temos, vamos continuar a ver gente roubando tênis e casaco.
23:39 A partir de sua experiência como policial e das informações às quais você tem acesso, qual na sua opinião é a melhor forma de um cidadão lidar com a proposta de corrupção por um policial? Ceder, tentar dissuadí-lo ou pagar e depois denunciar?
23:41 Boca: Essa é uma situação complicada. Não gostaria de estar na pele de um cidadão sendo achacado dentro de uma favela ou uma via deserta. Tem casos que é melhor ceder e denunciar quando a propria vida está ameaçada. Temos instrumentos de denúncias anônimas.
23:42 A propósito, como você encara as críticas de que a denúncia anônima não tem valor porque não há quem assuma a acusação feita a pessoas que podem ser alvo de difamação?
23:44 Boca: É uma brecha dentro das nossas garantias constitucionais. Mas quem faz besteira uma vez, faz duas. O comandante ou chefe do Policial deveria fiscalizar veladamente o serviço de um policial muito “denunciado”. 23:45 (amigo a bateria aqui esta acabando)
Eu já propus a criação de um Disque-Denúncia dentro das corporações policiais? Você acha viável ou ele poderia ser usado para favorecer os diversos grupos em disputa?
23:46 Boca: Claro que seria viável.
Da onde veio a ideia para esse criativo apelido, Boca de Sabão?
23:47 Boca: É um “apelido” corrente no meio policial. Siginifica “fofoqueiro” (risos).
Mas mais do que “fofocas”, o personagem não se sente uma espécie de vingador mascarado, contra o crime na polícia?
23:48 Boca: Não… o personagem so quer fazer barulho mesmo. Não tem nenhuma pretensão. O boca e muito mal-interpretado. Pois é, dizem por aí que somos um grupo político contra o comandante geral. Mas foi o bocadesabao que nomeou dois comandantes réus por corrupção?
Qual sua opinião em geral sobre a política de segurança do governo do estado do Rio?
Boca: Que politica? (risos) Vivemos sendo pautados pela mídia e pelo calendário eleitoral.
23:53 Você tem medo de ser descoberto?
Boca: Medo nenhum. O comandante ja disse que não está me perseguindo. (risos)
Foto: Jorge Antonio Barros
http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/posts/2009/11/05/boca-de-sabao-anatomia-da-corrupcao-na-pm-238271.asp