Delegados omissos no combate a caça-níqueis de São Paulo vão ser punidos
MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S.Paulo ( do UOL )
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
da Folha de S.Paulo
A Polícia Civil de São Paulo vai punir com processos de improbidade os delegados que forem omissos no combate aos jogos de caça-níqueis. A medida está prevista em portaria do delegado-geral Domingos Paula Neto, publicada ontem no “Diário Oficial” do Estado.
A punição ao policial é mais rigorosa do que a lei estabelece para quem explora jogos de azar. A atividade é considerada contravenção, cuja pena prevê prisão de até um ano. Já a improbidade administrativa pode ser punida com a perda do cargo e de bens adquiridos com recursos obtidos ilicitamente.
A Secretaria da Segurança não tem dados estatísticos sobre o envolvimento de policiais com quadrilhas de caça-níquel. Mas são frequentes os relatos de que policiais são sócios ou cobram proteção de bares que exploram esse tipo de jogo.
Paula Neto diz que a portaria não visa coibir essas práticas, mas criar normas para a atuação policial que aliviem as pressões sobre o delegado-geral. Ele completou ontem cem dias no cargo e foi nomeado após escândalos de extorsão envolvendo policiais civis.
A medida faz parte de uma série de iniciativas contra o jogo ilegal, que envolve ainda Judiciário, Ministério Público e Prefeitura de SP, que orientou os subprefeitos a lacrar locais com jogo ilegal e chamar a polícia durante essas operações.
Uma das frentes é destruir rapidamente as máquinas apreendidas, para evitar que voltem às ruas. Isso ocorreu com parte dos 5.000 caça-níqueis que estavam no galpão de uma empresa em São Paulo.
O diretor do Decap (Departamento de Polícia Judiciária da Capital), Marco de Paula Santos, recomendou a todos os delegados que façam a perícia dos caça-níqueis no local da apreensão e não deixem as máquinas nos locais, sob pena de processo disciplinar.
_____________________________________
Portaria – DGP – 22, de 2-7-2009
Estabelece diretrizes de polícia judiciária para uniforme repressão aos jogos de azar mediante máquinas eletronicamente programadas (“caçaníqueis” ou similares)
O Delegado Geral de Polícia
Considerando que as contravenções penais são, sobretudo, manifestações objetivas de perigosidade, idealizadas ou concebidas pelo legislador que, desejando evitar o mal maior, que é o crime, as reprime enquanto simples condutas ou estados perigosos;
Considerando que a deturpação das idéias a respeito do jogo de azar tem ocasionado graves danos à sociedade e lucros astronômicos a organizações ou indivíduos suspeitos e até mesmo a organizações criminosas;
Considerando que a conduta de instalar e/ou explorar as máquinas eletrônicas denominadas genericamente como “caça-níqueis”, em estabelecimentos comerciais de qualquer natureza, ou em recintos acessíveis ao público, ou em casas de tavolagem, configura a contravenção penal de “jogo de azar” (tipificada no artigo 50, parágrafo 3o, “a”, do Decreto Lei 3.688/41) se inexistir processo fraudulento que interfira no fenômeno aleatório, eletronicamente processado, e subtraia ou reduza substancialmente as chances de vitória do apostador;
Considerando que, caso presente fraude propiciada por ësoftware’, a tanto originariamente concebido ou por qualquer forma alterado, propiciador de vantagem do explorador em detrimento do usuário, configurado estará crime contra a economia popular (previsto no artigo 2o, IX, da Lei 1.521/51), afastada a figura do estelionato que exige patrimônio individual de sujeito passivo determinado;
Considerando que, para se operar a correta tipificação, a partir dessa distinção conceitual possível, necessária a expedição, pela Autoridade Policial, de circunstanciada requisição de exame pericial ao Instituto de Criminalística para, em cada caso concreto, aferir-se pela existência, ou não, dos “chips” ou microchaves mecânicas que interferem no software e substituem o curso aleatório das seqüências por um comando fraudulento;
Considerando não ser necessária à caracterização da contravenção penal que o equipamento esteja em operação no instante mesmo da inspeção policial, eis que bastante à subsunção contravencional o “estabelecer” a máquina em certo local público ou acessível ao público;
Considerando ser imprescindível a realização de perícia imediatamente após as apreensões ou, na absoluta impossibilidade, a guarda segura e a estreita vigilância dos equipamentos, após conferidos e lacrados pela Autoridade Policial, em recinto de acesso restrito adrede destinado, jamais em depósito ao próprio contraventor;
Considerando que, como no tipo contravencional citado, o verbo “estabelecer” tem sido entendido doutrinariamente como equivalente a instalar, fundar, organizar, guarnecer (com móveis, máquinas etc), a responsabilidade penal deverá, também, estender-se aos que alienam, locam ou, de qualquer modo, propiciam o funcionamento dos aparelhos eletrônicos;
Considerando que o apostador, eventualmente surpreendido na operação do equipamento, também executa o verbo nuclear “explorar” e, portanto, é autor da mesma figura típica contravencional plurissubjetiva;
Considerando que a incontestável capacidade econômica dos exploradores dos jogos ilícitos, as divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, têm, ao instalar o caos jurídico, ensejado, nesse desvão da controvérsia real e da dúvida razoável, o vicejar da improbidade e do crime;
Considerando que a conduta de “tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar” configura ato de improbidade administrativa, tipificado no artigo 9º , V, da Lei 8.429, de 02-06- 1992, sujeitando seu autor à perda da função pública e dos bens ilicitamente havidos, suspensão dos direitos políticos, multa, dentre outras cominações e sem prejuízo das sanções civis, criminais e administrativas imponíveis;
Considerando que deve a Polícia Civil de São Paulo exercer na plenitude a missão constitucional de apuração das infrações penais, reprimindo com intransigência as epigrafadas condutas contravencionais que guardam potenciais conexões com delitos mais graves e que representam, pelo acinte e reiteração de sua prática, elemento de inegável desprestígio à confiança pública na instituição de polícia judiciária,
Determina
Artigo 1º – As Autoridades Policiais Titulares das unidades de polícia judiciária territorial em todo o Estado de São Paulo devem assumir diretamente a direção das atividades de repressão criminal às condutas de exploração de máquinas eletronicamente programadas (“caça-níqueis”), em especial:
I – coordenando as ações de campo de seus agentes nos levantamentos e intervenções;
II – direcionando os recursos humanos e materiais bastantes ao êxito desse trabalho;
III – mantendo os contatos necessários com o Ministério Público e o Poder Judiciário para a celeridade da persecução e produtiva destinação dos equipamentos apreendidos, com especial atenção aos termos do Aviso 54/2009 da Procuradoria-Geral de Justiça, o qual objetiva o aproveitamento dos equipamentos eletrônicos encontrados nas máquinas caça-níqueis como matéria-prima no recondicionamento de computadores, para fins de inclusão digital, em benefício das comunidades carentes;
IV – supervisionando a escorreita confecção dos atos formais de polícia judiciária;
V – provendo as condições ideais de correta custódia dosaparelhos apreendidos, objetivando sua preservação à perícia técnico-científica;
VI – adotando outras medidas conexas ao precitado escopo.
Artigo 2º – À Academia de Polícia “Doutor Coriolano Nogueira Cobra” caberá o desenvolvimento de cursos específicos e demais promoções didáticas para capacitação dos profissionais de polícia judiciária na eficaz repressão à exploração de jogos de azar por meio eletrônico, em todas as suas manifestações possíveis,
Artigo 3º – As Diretorias departamentais envolvidas na versada repressão exercerão detido acompanhamento sobre as atividades desenvolvidas por suas unidades subordinadas, tabulando e enviando à Delegacia Geral de Polícia Adjunta os dados mensais relativos ao número de prisões em flagrante realizadas, de equipamentos apreendidos, de pessoas presas, de feitos de polícia judiciária concluídos, bem como demais informações reputadas relevantes.
Artigo 4º – A Corregedoria-Geral da Polícia Civil exercitará atividades em caráter prioritário, visando ao acompanhamento da fiel execução das providências indicadas nos dispositivos anteriores, com envio de relatórios confidenciais periódicos à Delegacia Geral de Polícia.
Artigo 5º – A presente portaria entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições que lhe forem contrárias.