A Polícia Judiciária (ex: polícias civis estaduais e polícia federal), vista como órgão
auxiliar da Justiça Penal, exercita uma série de atividades investigatórias documentadas e
formalizadas em um instrumento procedimental denominado inquérito policial. Este, no
abalizado escólio do saudoso professor Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, consiste
investigação do fato, na sua materialidade e da autoria, ultimada pela denominada
judiciária
estrito, que mediante a atuação da
materialidade da infração penal
para servir ao titular da ação penal condenatória”
Edições Cejup, Belém/PA, 1986, pág. 15, grifos do autor).
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, dentre outras atribuições ao
Ministério Público, o
conjunto de normas disciplinadoras das relações entre o Ministério Público e a Polícia
Judiciária, cuja finalidade precípua é a efetiva fiscalização das atividades desta no atinente à
legalidade do procedimento investigativo. Exercer o controle externo da atividade policial não
significa opor-lhe controle interno, muito menos lhe açambarcar suas funções diretas de
investigação.
Exatamente por isso, que a Constituição estabeleceu um sistema de valores
positivos e outros negativos, pois rejeitados pela vontade nacional. Em nenhuma passagem da
Constituição há qualquer dispositivo que autorize o Ministério Público a exercer diretamente
investigação criminal… Vale ressaltar que, em sede de Direito Público, as competências ou
atribuições são vinculadas à lei. Assim, como diria Caio Tácito, “não é competente quem quer,
mas, quem pode, segundo a norma d eDireito”.
Alguns precipitados pela paixão do debate argumentam que o MP pode investigar
em razão dos poderes implícitos. Todavia só há poder implícito no silêncio da Carta e onde
não haja poder explícito! Percorram-se os arts. 129 e 144 da CF e em nenhum deles existe
autorização para o MP desenvolver investigações penais. Demais disso, inexiste relação de
meio e fim entre o inquérito policial e a ação penal, porque aquele se destina ao deslinde da
autoria delitiva e comprovação da materialidade do ilícito penal. Daí o inquérito se apresentar
no cenário jurídico como verdadeira instrução penal provisória.
Outro sofisma jurídico, quiçá ligeireza de raciocínio, é pretender justificar a
investigação criminal pelo MP como sendo uma conseqüência lógica de
mais (ação penal) pode o menos (inquérito criminal)”…
competências constitucionais a matéria é regrada pela norma, diretamente por ela. São
atributos diferentes, quem lhes mediu diferenças a mais ou menos? Se isso tivesse algum valor
jurídico, poder-se-ia afirmar que “quem pode o mais, que é sentenciar, poderia o menos que é
denunciar e investigar”, ocasião em que voltaríamos à Inquisição!
Nem se pode esquecer também um dado estrutural: os membros do MP não
possuem formação técnica para a investigação de delitos, ao contrário dos delegados de
polícia que realizam extenso curso de formação tecno-profissional em cujo currículo destacase
uma série de disciplinas de raiz, tais como investigação policial, criminalística, criminologia,
técnicas de interrogatório, medicina legal, sobrevivência policial, gerenciamento de crises etc.
Além disso, argumenta-se que a polícia, por encontrar-se na fronteira da
criminalidade, seria menos refratária à corrupção de seus agentes pelo crime organizado. O
crime organizado enlaça seus tentáculos por toda estrutura da Administração Pública e
inexiste comprovação de que o MP estaria imune às suas tentações. Acerca do assunto o
exemplo italiano (tão invocado!) da “Operação Mãos Limpas”, culminou com o afastamento do
Procurador Di Pietro (Ministério Público) e dos promotores de justiça da Sicília, envoltos em
corrupção e tráfico de influência. Desponta, por conseguinte, absurdidade insanável o
propalado “procedimento administrativo criminal” levado a cabo por promotores, mesmo
porque inexiste norma autorizante, de modo que se cuida de inovação ilegal e, pior,
inconstitucional da ordem jurídica pátria.
Ademais, a fortalecer o entendimento doutrinário precitado, não nos parece que a
sociedade brasileira almeje a investigação criminal desenvolvida pelo
fato de que seus nobres representantes, muito recentemente, aprovaram a nova Lei
Falimentar (Lei nº. 11.101/2005) que revogou na inteireza o antigo Diploma Falencial
(Decreto-lei 7661/45), o qual previa a figura do inquérito judicial para apuração de crimes
falimentares, de sorte que, por força da nova lei, tais delitos somente se apuram mediante
investigação policial, descabendo qualquer atividade investigatória ao Ministério Público…
O STF, guardião da Carta Magna, em decisório importante asseverou,
Policial. Legitimidade. O Ministério Público não tem competência para promover inquérito
administrativo em relação à conduta de servidores públicos; nem competência para produzir
inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos
procedimentos administrativos…”
233072/RJ, j. de 18/05/1999).
Com efeito, no Estado Democrático de Direito, balizado em suas regras por uma
Constituição escrita, descabe a existência de Instituições que se julguem acima do bem e do
mal… Quando isso ocorre, a ânsia e o ranço ditatorial espiam atrás da porta, o que repugna à
consciência nacional!
Afinal de contas, quem tem medo da Democracia?
“empolícia. Em resumo, pois, um procedimento de investigação administrativa, em sentidopolícia judiciária, guarda a finalidade de apurar a, cometida ou tentada, e a respectiva autoria, ou co-autoria,(in Inquérito Policial – Novas tendências,“controle externo da atividade policial” (art. 129, inciso VII) que, é um“aquele que pode oJá se disse que em tema deParquet, máxime pelo“… Inquérito(STF, 2ª Turma, relator Min. Nélson Jobim, RE. Ac. N.
Nestor Sampaio Penteado Filho
Delegado de Polícia de São Paulo, Professor da Academia de Polícia de
São Paulo; Mestre e Especialista em Direito Processual Penal; Professor de Direito Penal e
Direitos Humanos do Complexo Jurídico Damásio de Jesus; Professor de Direito
Processual Penal e Direito Constitucional da Faculdade de Jaguariúna; Titular da Cadeira
nº 31 da ACADPESP – Academia de Ciências e Letras dos Delegados de Polícia do Estado
de São Paulo. Autor e co-autor de diversas obras jurídicas, dentre as quais, “Direito
Administrativo Sistematizado” (Ed. Método/2ª Ed., 2008), “Manual de Direitos Humanos”
(Ed. Método/2ª Ed., 2008) e “Delegado de Polícia Estadual/Federal – Provas Comentadas”
(Ed. Método/2ª Ed., 2008).